NOTÍCIA
Mais de quatro milhões de meninas e meninos sírios e brasileiros não frequentam a escola. Com realidades distintas, o fato é que governos e sociedades devem mobilizar-se nessa causa
Publicado em 30/04/2020
O último relatório da Comissão de Inquérito da ONU sobre a Síria, recém-divulgado, apresenta resultados danosos para a infância e a adolescência do país, desabonador para as forças envolvidas numa guerra de nove anos e constrangedor para a civilização global, que ainda não conseguiu estabelecer a paz entre os povos. O conflito, como enfatiza o documento, roubou a infância de meninos e meninas e os sujeitou a graves violações de direitos e à violência, incluindo assassinatos, mutilações, deslocamentos, recrutamentos forçados, tortura, estupro e escravidão sexual.
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É lamentável que as partes beligerantes sequer respeitem as leis da guerra e a Convenção dos Direitos da Criança. O governo é responsável pela proteção de meninos e meninas, mas todos os atores do confronto também devem zelar por eles nas áreas territoriais sob seu domínio. A saber, o relatório da ONU define com precisão a negligência e a truculência contra a infância e adolescência, a começar por seu título: “Eles apagaram os sonhos dos meus filhos”. Trata-se de referência relativa à entrevista com uma mulher, sobre os ataques à sua aldeia, em Idlib, cidade do Noroeste da Síria.
Aliás, é chocante observar no estudo, no qual foram ouvidas mais de cinco mil pessoas, os relatos de bombas termobáricas, com efeito devastador, e armas químicas. Mulheres e meninas sofrem violência sexual. Sob o império do medo, muitas são confinadas em suas casas, removidas da escola ou enfrentaram obstáculos para acessar os serviços de saúde. Meninos, principalmente aqueles com mais de 12 anos, são presos, mantidos em centros de detenção e recrutados por grupos armados e milícias. Os combatentes de 14 a 17 anos estão nas linhas de frente das batalhas. Assim também, é estarrecedor o impacto da guerra síria na educação, com mais de 2,1 milhões de crianças não frequentando regularmente as aulas.
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No Brasil, infelizmente, há uma situação análoga. Guardadas as devidas proporções, é grande o número de meninos e meninas submetidos ao recrutamento do crime organizado, expostos à violência em numerosas comunidades e alijados do direito à educação. Segundo o IBGE, mais de dois milhões de crianças e adolescentes no país estão fora das salas de aula. Nesse sentido, o contingente equivale a 5% da população nessa faixa etária. Além disso, auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) mostra que quase metade dos 800 municípios pesquisados não adota medida alguma para acabar com a exclusão escolar.
Os resultados são graves e se refletem na sociedade, como se constata em dados divulgados pela Pnad Contínua – Suplemento Educação, também do IBGE: 11 milhões de jovens brasileiros de 15 a 29 anos não estão ocupados no mercado de trabalho e nem estudando ou se qualificando. Em resumo, o grupo representa 23% dos habitantes nessa faixa etária. Portanto, outro problema é a baixa qualidade do ensino, evidenciada pelo desempenho do Brasil no último PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes): nossos jovens continuam entre os últimos dez colocados em matemática; em leitura, estamos atrás de 50 países; e em ciência, perdemos para 65. Detalhe: são 80 nações participantes.
Além de integrarmos os esforços da diplomacia global para pacificar a Síria e outros povos em situação de guerra, é prioritário proteger nossas crianças e adolescentes e lhes garantir o direito à educação de qualidade, fundamental para mudar seus destinos. Sendo assim, governos, famílias e toda a sociedade devem mobilizar-se nessa causa. Caso contrário, também continuaremos apagando os sonhos de parcela expressiva da infância e da juventude de nosso país.
*João Guilherme Sabino Ometto, engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos – EESC/USP), é vice-presidente do Conselho de Administração da Usina São Martinho e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).
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