NOTÍCIA
Apesar de resultados aquém das médias mundiais, participação no Pisa mostra que houve evolução na base da pirâmide
Publicado em 01/02/2024
Nem tudo é terra arrasada na educação brasileira quando se avaliam os resultados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), realizado pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). À primeira vista, a afirmação pode parecer estapafúrdia, pois o Brasil continua mal situado no ranking global divulgado no início de dezembro, relativo à prova realizada em 2022 com 10.797 estudantes de 599 escolas públicas e privadas. O Pisa é realizado de três em três anos, mas, em função da pandemia, essa edição foi adiada em um ano, como será também a próxima, agora programada para 2025.
Leia também
Pisa: Brasil continua abaixo da média
Ceará testa nova plataforma da OCDE
Dois aspectos, porém, permitem pensar que há sinais de melhora. O primeiro deles, como enfatiza o pesquisador e consultor da Fundação Cesgranrio, Ruben Klein, é o fato de que o percentual de estudantes elegíveis para participar da prova, na passagem da década anterior para a atual, subiu para cerca de 85%, segundo dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). “O relatório do Pisa não mostra isso, mas é muito importante, porque esse contingente antes ou havia evadido ou tinha uma grande defasagem idade/série”, explica Klein.
O Pisa avalia alunos na faixa dos 15 anos que estejam frequentando a escola, do 7º ano em diante. Em tese, esses estudantes deveriam estar ingressando ou terminando o 1º ano do ensino médio.
“Aumentar essa taxa de cobertura é muito importante, pois, além de o número de alunos elegíveis ter crescido, não houve queda expressiva no resultado.” Ou seja, esses estudantes conseguiram avançar sem que isso representasse queda significativa nas médias globais dos brasileiros.
O Brasil foi um dos países que menos caíram em relação à edição anterior (2018). No geral, os países caíram 10 pontos em leitura e 15 em matemática. No nosso caso, a piora foi de cinco pontos em matemática, três em leitura e um em ciências.
Como explica Alexsandro Santos, professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unicid, há duas possíveis interpretações para esse fenômeno: “De um ponto de vista otimista, poderíamos dizer que as secretarias estaduais trabalharam bastante para que a educação não parasse durante a pandemia [vide a publicação A educação não parou, do Consed e Fundação Santillana]. De uma perspectiva mais pessimista, pode-se dizer que a escola está fazendo pouca diferença na vida dos alunos”.
O mais crível é que as duas coisas aconteceram simultaneamente, pois as intervenções durante a pandemia variaram muito de acordo com estados e municípios, com uma inação quase que total do governo federal na gestão anterior.
Para Ernesto Martins Faria, economista e sócio do Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional), o desempenho da média dos alunos brasileiros dá a impressão de que no 9º ano do fundamental eles estão aprendendo conteúdos do 6º ano.
“Estamos nos níveis 1 e 2 da escala, quando o mínimo esperado para a idade do Pisa é o nível 2. Parece ser mais difícil controlar [a manutenção do resultado] no alto desempenho. Por isso, talvez, outros países tenham caído mais. Nosso resultado não representa uma ascensão, mas tem algum mérito”, diz o economista, que se ressente da falta de dados para uma análise de maior profundidade.
Tanto Klein quanto Santos lembram que é muito importante para o entendimento dos resultados a leitura dos questionários respondidos pelos alunos. Como lembra Klein, o desempenho dos estudantes se mantém muito dependente do nível socioeconômico e cultural das famílias. “Esse é o grande desafio da educação. Conseguir ensinar bem apesar da condição socioeconômica do aluno. Países europeus com altas taxas de imigração nos últimos anos tiveram desempenho pior, como no caso da Finlândia.” A queda, nesse caso, é fruto da inadaptação dos imigrantes ao novo país, processo que requer tempo para domínio da língua e dos costumes.
No caso do Brasil, os estudantes avaliam questões como o clima escolar e a infraestrutura inadequada como fatores críticos para o desempenho. Ambos têm sido apontados de forma recorrente como fator de sucesso quando há boas respostas institucionais, ou seja: um clima escolar que induz ao estudo, sem violência e bullying, sem absenteísmo de professores e infraestrutura adequada, com laboratórios equipados, quadras esportivas. E o básico do básico, que falta em escolas mesmo no estado de São Paulo: água encanada, luz elétrica e internet.
Leia também
Avaliação: diferentes instrumentos para seres humanos diversos
Uma crítica levantada por alguns educadores ao Pisa é que aquilo que o exame avalia não seria adequado à estruturação curricular brasileira. Para Alexsandro Santos, no entanto, há um equívoco nesse ponto.
“O Pisa não avalia conteúdos, e sim habilidades e competências. Não poderia ser colado aos currículos de cada país participante. Tem de avaliar algo que seja comum a todos. E me parece adequado, pois há questões que exigem não só raciocínio indutivo, mas um raciocínio lógico dedutivo, abstrato, coisa que os alunos dessa idade já devem estar aptos a fazer.”
Santos defende que o exame aponta para a importância de as políticas públicas darem mais ênfase ao trabalho nos anos finais do fundamental, etapa que é o cerne do que é avaliado no Pisa. Além de ser uma etapa relegada a segundo plano frente aos anos iniciais e ao ensino médio, é o período em que os estudantes enfrentam um dos momentos mais desafiadores da vida escolar, a transição do 5º para o 6º ano.
“Eles perdem o adulto de referência e passam a responder a seis ou sete professores, e nenhum faz esse papel”, lembra. Distrito Federal e o Espírito Santo, inclusive, já criaram processos de transição para evitar, entre outras coisas, que esse aluno se evada.
O educador dá o exemplo de países como o Canadá, em que essa passagem é feita de forma mais tênue, com o aumento paulatino da presença do estudante na escola, o acompanhamento de um tutor ou mentor durante a passagem para o outro ciclo e o planejamento do processo, com participação do aluno e da família.
Em termos de estratégias colaborativas, Ernesto Martins Faria destaca outro mecanismo que vê como possível para a melhoria das escolas e das práticas docentes. Como acontece na Inglaterra, por exemplo, onde os profissionais das escolas mais bem avaliadas se responsabilizam pelo suporte às unidades de pior desempenho, ele sugere que isso poderia ser feito entre escolas privadas e públicas.
“Poderia se criado um sistema de incentivos. Há escolas privadas que têm acesso a materiais didáticos e propostas didáticas que poderiam ser divididas com escolas públicas.”
O que de fato acontece é que muitos dos melhores alunos de escolas públicas passam por processos seletivos para ingresso nas públicas de excelência (normalmente, os institutos federais) ou em privadas que ofertam bolsas. E a saída desses alunos desequilibra o corpo discente de suas escolas de origem, pois eles costumam puxar o nível para cima. Mais um gargalo a ser enfrentado.
Se o Pisa analisa as redes escolares do país, o Pisa S (Pisa for Schools) é o instrumento voltado a avaliar as habilidades e competências de escolas individualizadas. E tem sido usado para ajustes curriculares e também na captação de novos estudantes, quando bons resultados podem ser mostrados. Os relatórios são feitos pela Fundação Cesgranrio para as escolas brasileiras inscritas na categoria (públicas ou privadas).
É o caso do Colégio Pentágono, de São Paulo, escola com três unidades das quais uma, no Morumbi, participou do Pisa S em 2022 pela primeira vez, com bons resultados. É uma escola de alto padrão, com mensalidade de até R$ 5,7 mil nos anos finais do fundamental em 2024 e R$ 6 mil para o ensino médio. De 56 alunos elegíveis para a prova no ano passado, 52 participaram.
“Considero o desempenho que tivemos muito bom, acima de Finlândia e Canadá. É a ferramenta ideal para que possamos nos comparar globalmente”, diz Patrícia Nogueira, diretora-geral pedagógica da instituição. A escola obteve média de 541 pontos em leitura, 533 em matemática e 528 em ciências. A Finlândia, por exemplo, obteve, respectivamente, 490, 484 e 511 pontos.
O país, antes considerado o de melhor educação no mundo, teve queda considerável no Pisa depois de 2006, quando decidiu fazer mudanças em sua educação. Nesta última edição, Singapura foi o país mais bem avaliado, com 543 em leitura, 575 em matemática e 561 em ciências.
No caso do Pentágono, a escola já começou a reforçar atividades para habilidades como refletir e avaliar (leitura) ou formular (matemática), que foram menos bem avaliadas. A preocupação com parâmetros globais está ligada a demandas das famílias para que os estudantes possam ingressar em universidades no exterior, principalmente Estados Unidos e Canadá. (RB)
Revista Educação: referência há 28 anos em reportagens jornalísticas e artigos exclusivos para profissionais da educação básica