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Edição 295

Ceará testa nova plataforma da OCDE

Proposta gratuita tende a ampliar o uso de outros modelos de avaliação para além do somativo. Se bem-sucedida, poderá entrar no próximo Pisa

Publicado em 24/07/2023

por Luciana Alvarez

OCDE_oficina Pila_1 Oficina da Pila, plataforma da OCDE, com professores cearenses Foto: Viktor Braga /Universidade Federal do Ceará

A construção de uma nova plataforma digital de avaliação de competências da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) foi testada por professores e estudantes da rede estadual do Ceará. A ferramenta, de uso gratuito, será lançada no segundo semestre e servirá tanto para avaliar habilidades quanto para desenvolvê-las. Num primeiro momento, haverá dois módulos disponíveis: pensamento computacional e Stem (sigla em inglês para Ciências, tecnologia, engenharia e matemática). 


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Além do Ceará, participaram dos testes escolas da Alemanha, Cingapura, Holanda e Irlanda — Brasil foi o país com maior número de estudantes envolvidos. O papel dos estudantes e docentes foi usar a Platform for Innovative Learning Assessments (Pila), em tradução livre Plataforma para avaliações de aprendizagem inovadoras, como se fosse uma situação real e dar feedbacks para a equipe técnica da OCDE. Com base no retorno recebido, o programa foi aperfeiçoado para só então poder ser disponibilizado livremente para todos os interessados, ainda este ano. 

Na plataforma da OCDE, os estudantes poderão trabalhar na resolução de problemas de forma dinâmica, num sistema de construção por blocos, semelhante ao da ferramenta Scratch. A Pila vai oferecer recursos como exemplos, dicas e tutoriais, para que os jovens possam aprender novos conceitos enquanto tentam solucionar os problemas propostos. 

Outro ponto relevante do projeto é que ele permite ao professor ter controle do processo, pois pode escolher as funcionalidades que deseja liberar a cada atividade proposta, assim como tem um painel em que consegue ver o que cada estudante fez, se pulou desafios, se viu as dicas, quantas vezes tentou até acertar a solução, o tempo que demorou, etc.

O projeto da Pila é capitaneado pela equipe de avaliações inovadoras do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), a maior prova de conhecimentos global, aplicada com frequência trienal a estudantes com 15 anos de idade de 80 países. O produto, que une em só um instrumento propósitos de aprendizagem e de avaliação, sinaliza uma mudança na própria ideia do que é a avaliação. 

“Traz uma outra visão, que é uma tendência hoje, de promover avaliações formativas. A gente sempre terá avaliações somativas; elas têm um papel importante na política pública, na tomada de decisão. Mas, para conduzir o aluno no percurso da aprendizagem, as avaliações formativas têm mais relevância, porque o professor faz um diagnóstico e tem as informações para ir traçando e adaptando o percurso”, explica Djana Contier Fares, coordenadora de articulação e disseminação do conhecimento do Instituto Unibanco (IU), o qual possui parceria com o grupo de inovação do Pisa e com a Secretaria Estadual de Educação do Ceará.

Desde 2012, o Pisa tem essa equipe que busca novas formas de inovar no exame, seja envolvendo tecnologias na prova, seja em novas formas com que os dados são capturados e metrificados. “O Pisa tem na verdade duas frentes: a prova principal, a que ranqueia os países, que cobre conhecimentos de linguagem, matemática e ciências, e outra que avalia competências. Mas avaliar competências traz desafios inerentes”, pontua Djana. 

Se a Pila for considerada de fato útil para medir habilidades e competências, poderá ser incorporada ao próximo Pisa, em 2025. Nesse caso, o potencial de repercussão da plataforma é imenso, pois a prova é a grande referência mundial em avaliação, o que acaba influenciando políticas públicas globalmente. Não significa que escolas do mundo todo vão usar a Pila, mas que esse tipo de estratégia de ensino e avaliação será mais disseminado. “A prova deve permitir que se consiga ter equivalências: não precisam ter já usado a Pila, mas o resultado das competências daqueles alunos deve ser refletido na prova do Pisa”, afirma Djana. 


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Papel do Brasil

Um piloto da Pila foi desenvolvido em escolas de Cingapura e Alemanha. Para os testes da primeira versão, outros países foram incluídos. Por conta das parcerias do Instituto Unibanco, a equipe sugeriu a participação de escolas cearenses na nova iniciativa. Foram convidadas 14 escolas de tempo integral ou de ensino técnico. Das 14 chamadas, 10 de fato aderiram, o que somou quase 300 alunos envolvidos. 

A pedido dos professores e coordenadores participantes do projeto, após a realização do workshop de apresentação da plataforma, foi criado um grupo de WhatsApp que funcionou como foro de discussão, resolução de dúvidas e troca de experiências.

“Eram centenas de mensagens”, lembra a pesquisadora Tatiana Laganá, sócia-diretora da consultoria Rima Aprendizagem, uma das responsáveis por coordenar o trabalho da OCDE no Brasil. Tantas mensagens significam um alto engajamento dos professores cearenses. “Foi uma coisa que me chamou a atenção: eles estão dispostos a melhorar. Quando viram que ia agregar novas possibilidades, novos caminhos, quiseram participar — e ficaram felizes de fazer parte de um projeto internacional”, disse.  

Neste momento inicial, os resultados da avaliação serviram apenas como teste e, por isso, sequer foram divulgados. A própria amostra escolhida não é representativa da realidade brasileira. Tampouco foi nos demais países, onde os testes incorporaram poucas dezenas de estudantes. Além disso, Cingapura foi escolhida por ser um dos locais mais avançados no ensino de programação. Os estudantes de lá que fizeram o teste na Pila já aprendem a linguagem Phynton no currículo escolar. Qualquer comparação seria injusta. 

Ainda que sem notas gerais e rankings, a participação trouxe vários aprendizados aos brasileiros envolvidos. “Os meus alunos que fizeram a prova estão no primeiro ano do técnico em redes de computadores e tiveram uma experiência prática de como se desenvolve um produto, como são feitos testes, viram que bugs podem acontecer”, afirma o professor Adriano Maia, da escola Lucas Emanuel Lima Pinheiro, no município de Iguatu, CE.

Segundo ele, a maioria dos estudantes realmente gostou da experiência e muitos pediram logo na sequên­cia mais sessões para usar a Pila. “Tive de relembrar que aquilo era só um teste, que precisavam esperar para que fizessem os ajustes e lançassem a nova versão”, conta Adriano. 

Os professores participantes ganharam acesso a uma nova versão da plataforma em maio e puderam, assim, passar a usar a Pila antecipadamente. Francisco Lerivânio de Sousa, da escola Irmão Urbano Gonzalez Rodriguez, em Fortaleza, aproveitou para já preparar seus colegas para o uso da ferramenta e multiplicar os conhecimentos. Ele garante que o sistema é amigável, acessível para docentes de todas as áreas. 

OCDE

Professores cearenses durante oficina da Pila
Foto: Viktor Braga /Universidade Federal do Ceará

“Estou fazendo oficinas com outros professores para passar o que aprendemos. O professor de história, que dá aulas de cultura digital, usou e achou muito tranquilo”, cita. Ele espera, contudo, que o alcance da Pila seja maior do que o que já está ocorrendo na sua escola. “Eu recomendo muito o uso e espero que a OCDE faça trabalho de divulgação legal, porque é uma plataforma em que se aprende muito”, garante. 

Outra vantagem da participação tem relação com a autoestima dos estudantes e professores. “Vejo que o fato de se sentirem parte de um projeto internacional, com impacto para além das suas experiências em sala de aula, mobilizou muito os professores. Eles viram suas sugestões sendo incorporadas e isso foi muito bacana”, diz Djana, do IU. 



Perspectivas sobre o Pisa

O Pisa é uma prova por amostragem, que avalia conhecimentos em leitura (na língua nativa), matemática e ciências. É aplicado em duas sessões de uma hora a estudantes de 15 anos. 

Como todo exame padronizado e massivo, recebe críticas por ser reducionista em relação aos conhecimentos que mede, e por seus resultados desconsiderarem os contextos onde os ado­lescentes estão. 

Ainda que seja um instrumento imperfeito, ele inegavelmente vem aumentando em relevância. A primeira edição do Pisa, no ano 2000, contou com apenas 32 países participantes, e foi crescendo ao longo do tempo até chegar aos 79 na edição de 2022. 



Escute nosso episódio de podcast:

Autor

Luciana Alvarez


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