NOTÍCIA
Escolas tornam as práticas avaliativas mais formativas e integradas, incluindo a autoavaliação; nesse processo há aquelas que não acreditam em provas
Transformar a escola, superando um modelo centenário, é um desafio complexo, que passa por muitas dimensões educativas. Mas, certamente, há um ponto em comum nos projetos que procuram tomar o rumo da inovação — a mudança do modelo de avaliação da aprendizagem. Embora a prova siga reinando como instrumento principal de diagnóstico, arraigada na cultura da escola e das famílias, disseminam-se progressivamente nas escolas novas práticas avaliativas que buscam um olhar mais sistêmico e construtivo sobre o aprendizado dos estudantes.
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Fundado por alemães há 160 anos — portanto, das mais antigas escolas em atividade no país —, o Colégio Rio Branco, de Campinas, SP, é um exemplo recente dessa jornada de renovação. A partir de reflexões aprofundadas no período da pandemia, a escola optou pela diversidade de instrumentos e de estratégias: engloba atividades orais e escritas, discursivas e objetivas, produções audiovisuais e artísticas, pesquisas individuais e em grupos, trabalhos práticos de laboratórios e relatórios, debates e painéis, participação nos trabalhos de classe e extraclasse, lições e exercícios, seminários e apresentações individuais e em grupo, portfólios, entre outros. Para encerrar cada trimestre, a autoavaliação também integra o processo — ao fim do qual os estudantes estabelecem metas de aprendizagem para o próximo período.
“O objetivo por trás dessa variedade é enriquecer a experiência de aprendizagem dos estudantes, proporcionando oportunidades para que demonstrem seu conhecimento, competências e habilidades”, explica Fabiene Cortijo Ramos, coordenadora pedagógica do ensino fundamental 1.
As aprendizagens são avaliadas ao longo do processo educativo, mapeando e analisando o caminho percorrido pelo estudante. “Algumas perguntas não possuem respostas únicas, mas fomentam a produção de múltiplas respostas aceitáveis. Esse dinamismo é enriquecedor”, diz Fabiene.
Algumas vezes, propostas inovadoras de avaliação já nascem com o próprio projeto pedagógico, como é o caso das escolas Lumiar, com unidades em São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Desde sua fundação, em 2003, o próprio currículo é construído a partir do levantamento de interesses e necessidades pedagógicas dos alunos, pautado pelo desenvolvimento de habilidades e competências, explica Fábia Apolinário, diretora de avaliação e objetivos. “Esse tipo de currículo demanda uma necessidade de avaliação que não seja meramente classificatória, mas sim ancorada em procedimentos, registros e instrumentos diversos que garantam sua intencionalidade”, diz. O objetivo, explica, é sintetizar o processo de aprendizagem, trazendo visibilidade ao percurso e ao que foi alcançado.
No caso da Lumiar, os instrumentos incluem um diagnóstico para avaliar conhecimentos prévios, e focam no processo, levando em conta a organização das evidências de aprendizagem em diferentes registros, da qual também os estudantes participam. Há uma avaliação final dos projetos, como um produto desenvolvido pelas crianças e jovens. Entre os instrumentos levados em conta estão os chamados Diários de Bordo, tanto os produzidos pelos educadores como pelos alunos.
A partir da primeira etapa do ensino fundamental, os estudantes escrevem as percepções sobre a própria aprendizagem ao final de cada encontro do projeto. No ensino fundamental 2 e ensino médio, professores e estudantes fazem o planejamento e acompanhamento das avaliações em uma plataforma digital desenvolvida pela escola, visualizando o desenvolvimento das diferentes competências, habilidades e conteúdos a partir de relatórios, gráficos e murais de evidências de aprendizagem.
Ao final, professores e alunos utilizam uma escala de 1 a 5 para expressar a percepção de empenho, de uso prático e intencional das habilidades em questão, bem como da compreensão dos conteúdos mobilizados. Leva-se em conta também o nível de desenvolvimento de autonomia, uma vez que a aprendizagem pode acontecer com maior ou menor intervenção dos educadores.
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Há ainda visões que para alguns podem ser mais ‘radicais’, como a experiência em comunidade de aprendizagem na Escola da Floresta, uma instituição pública inovadora localizada em Caçapava do Sul, RS. Segundo o coordenador Bruno Emílio Moraes, na Escola da Floresta todos os processos são baseados em autoavaliação. Em diálogo com o pensamento do educador português José Pacheco (que orienta o projeto), não há provas. “Aula não ensina, prova não avalia”, reitera Bruno, citando Pacheco.
Nessa mesma linha de coerência pedagógica, não se adota nenhum tipo de escala para avaliar os estudantes. Conforme explica o coordenador, o registro acontece por meio de um parecer que descreve o estudante, suas qualidades, desafios e potencialidades, sugerindo ações que possam ajudar em seu desenvolvimento.
“Estamos tão imersos no modelo instituído de educação que não percebemos o quão absurdo é classificar jovens e crianças em uma escala de 0 a 10, ou mesmo com letras. Dizer que o João é 5,0 e a Maria é 9,0 é um ato de violência que desconsidera as especificidades e a subjetividade dos estudantes”, acredita Bruno Moraes.
Na proposta pedagógica da Escola da Floresta, a avaliação é inseparável do cotidiano de ensino e aprendizagem. “Não existe avaliação a posteriori, pois toda atividade educacional é, também, avaliativa. Nossos educadores são encorajados a utilizar um diário onde registram todo o desenvolvimento, potencialidades ou dificuldades de cada aprendiz”, explica Moraes.
Segundo o coordenador, cada estudante é acompanhado por um educador que desempenha o papel de tutor, estimulando pesquisas, projetos e estudos a partir de seus interesses individuais. Juntos, aprendiz e tutor constroem um roteiro contendo o planejamento e a organização semanal de seus projetos e estudos. A cada semana, o educador avalia o cumprimento das atividades acordadas e o registra no mesmo documento.
“A avaliação é inseparável do desenvolvimento cognitivo. Desde cedo, avaliamos nossas atitudes, as reações das pessoas à nossa volta, as estratégias para alcançarmos nossos objetivos e assim por diante. Construímos dispositivos de avaliação que não representam o julgamento do outro a partir de referenciais externos ou uma visão de estudante ideal, mas possibilitam reconhecer as particularidades de cada indivíduo”, explica o coordenador.
Conforme o autor Cipriano Luckesi, um dos mais reconhecidos especialistas no tema, no Brasil, a prova como instrumento de aferição de aprendizagem e ranqueamento de desempenho vem sendo sistematizada desde o século 16 pelos jesuítas — inclusive em regras como formas de não permitir a cola, modos de disposição das carteiras, definição do tempo, entre outras características que se mantiveram e se transformaram em formas de poder e controle sobre o estudante e de indução do estudo.
Mais do que isso: as notas das provas tornaram-se para a sociedade um critério de aprendizagem e de confiança na escola — mesmo que sejam métricas inadequadas para essa função. Daí vêm ideias equivocadas, como ‘escola boa é escola que reprova’. Por isso, mudar as formas de avaliação requer diálogo com as famílias, com uma postura formativa. “Certamente, existe uma preocupação dos pais em relação a mudanças nos processos tradicionais de avaliação. É crucial que eles compreendam o projeto da escola. Mantemos um feedback contínuo entre a equipe, os alunos e as famílias, buscando ouvi-los e fornecendo informações sobre as estratégias e critérios de avaliação”, explica a coordenadora Fabiene, do Rio Branco.
Da mesma forma, na Escola da Floresta, o diálogo com os pais é permanente. “No passado, algumas famílias estranharam a ausência das práticas tradicionais, mas, atualmente tomamos o cuidado de explicar detalhadamente nossa base para as famílias que estão ingressando em nossa comunidade. Apesar desse estranhamento inicial, elas acabam percebendo os frutos de uma educação estimulante e significativa”, acredita o coordenador Bruno.