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José Pacheco

Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

Publicado em 10/10/2023

Aprendizagem acontece na relação

Vale de Ansa, no 1º dia de julho de 2043

autonomia_José Pacheco Foto: Freepik

O autor do livro Why don’t students like school? afirmava:

“Aprendemos mais sobre o cérebro humano nos últimos 25 anos do que nos 2.500 anos anteriores.”

Isso significa que, nos idos de 20, deveríamos dispor de conhecimento suficiente para melhor ensinar e aprender. Na verdade, tínhamos, mas não o praticávamos. Se o conservantismo tardio tentava ‘tornar as aulas mais cativantes’, o alternativo roussoneano acreditava que bastaria deixar a criança descobrir as coisas por si mesma. 


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O obsoleto condutismo e o ingénuo não-diretivismo ignoravam que a criança não fazia aquilo que queria, mas que queria aquilo que fazia. Nos anos 70, resolvi fazer uma experiência não-diretiva radical. Fiquei fora da sala de aula, enquanto os meus alunos, dentro dela, aprendiam do modo que eu considerava ser ‘autónomo’. Na década seguinte, repetiria a experiência, para nunca mais a fazer. Um sem-fim de dispositivos ‘substituía’ o professor. Nada de autónomo ali havia. Compreendemos que o exercício da autonomia não era aprendizagem individual, era uma prática relacional. Compreen­demos que a aprendizagem acontece na relação, no estabelecimento de vínculos.

No dizer de Freire, “o sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica”. E a Cláudia reencontra Freire, quando escreve na sua tese de doutoramento: 

“Nuno é como as demais crianças da Ponte, que desde cedo são encorajadas a inaugurarem o diálogo, apreendendo a importância de compreender “o que fazem e por que fazem (…) não há relação, quando o professor tem que interagir com mais de uma dúzia de alunos. Inegavelmente, com escolas e salas superlotadas abrem-se os caminhos para a exclusão”.

Nos dicionários diz-se que respeito é “sentimento que leva alguém a tratar outrem com grande atenção, profunda deferência; consideração, reverência”. Partindo dos pressupostos ilustrados por Agostinho em Sanderson e a Escola de Oundle, a convivencialidade marcada pela preocupação com os outros, tinha em si impressa a marca do amor: “Não há para o espírito do homem, ou no espírito do homem, nada que não seja relação. O que acontece é que chamamos desordem à ordem que nos não agrada, ao conjunto de relações em que não entendemos ou não aceitamos a relação connosco”.

Tarde, mas ainda a tempo, cheguei à conclusão de que a aprendizagem não estava centrada no professor, nem no aluno, mas na relação. E que, ao invés de refutar propostas de qualquer dos para­digmas, dever-se-ia integrá-las. 

O instrucionismo, que correspondera a necessidades sociais dos séculos 18 e 19, jamais deveria ser praticado em pleno século 21, mas continuava hegemónico, obsoleto e sem fundamento científico. Filosoficamente, remontava ao século 17, mas a proposta de Comenius tinha sido antecedida pela escola jesuíta. 

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