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Autor

Redação revista Educação

Publicado em 23/06/2025

O grito de pais que saíram do silêncio

Livro ‘Aconteceu com minha filha’ tem feito famílias contarem o que viveram com seus filhos no submundo digital

Lançado este ano, o livro Aconteceu com minha filha (ed. Geração) desencadeou um movimento silencioso de pais por todo o país. O autor, que assina com o pseudônimo de Paulo Zsa Zsa (a identidade real é mantida em sigilo para preservar a privacidade da filha), recebe diariamente uma média de 15 mensagens com relatos de experiências semelhantes — muitas delas contadas pela primeira vez. O livro entrou para a lista dos mais vendidos da Veja, lidera três categorias na Amazon e foi citado por Flávio Dino no Supremo Tribunal Federal (STF). 

“Minha filha, de 12 anos, passava muitas horas no celular. Achei que estava controlando tudo pelo Family Link. Ela não tinha o Discord instalado, mas hoje sei que pode ter acessado de outras formas — eu nem conhecia essa plataforma na época. Ela ficou mais agressiva, mais isolada. Achei que fosse só adolescência.”

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O relato é de Cláudia*, mãe de uma menina que, no ano passado, tentou se enforcar, em seu quarto. “Conseguimos salvá-la a tempo. Foi um susto que mudou tudo.” Hoje, a filha está em tratamento e a família tenta reconstruir os vínculos. “Estamos atentos, aprendendo juntos. Mas é difícil, porque o mundo online é ainda desconhecido dos pais”.

Em sua mensagem ao autor, Claudia conta que encontrou algum alívio ao ler Aconteceu com minha filha. “É a primeira vez que sinto que alguém entende o que eu vivi. É como se você tivesse escrito a minha história.”

Aconteceu com minha filha

Foto: divulgação

Catalisador de desabafos

Desde o lançamento, Aconteceu com minha filha deixou de ser um relato individual para se tornar ponto de encontro de pais que viveram ou vivem experiências semelhantes. A obra, que narra a trajetória real de uma adolescente envolvida em comunidades tóxicas online, tem a contracapa assinada pelo pediatra Daniel Becker e pelo influenciador Felipe Neto. 

Inclusive, todo o dinheiro arrecadado desta edição do livro será doado ao Instituto Felipe Neto, visando apoiar projetos de educação midiática em escolas públicas brasileiras. 

“Eu esperava algum impacto, mas não imaginava que receberia tantos relatos. Gente do Brasil todo, com histórias devastadoras, que nunca tinham sido contadas a ninguém”, diz o autor Paulo Zsa Zsa. “A minha caixa de e-mail e o meu direct viraram uma espécie de confessionário, um lugar onde as pessoas se reconhecem e, enfim, conseguem falar.”

Três histórias, um mesmo grito

Além de Cláudia, outros pais se encorajaram a dividir suas vivências. Como o caso de Ricardo*, pai de um menino de 13 anos que foi diagnosticado com depressão severa depois de virar alvo de ‘julgamentos ao vivo’ num grupo de Telegram com colegas da escola. “Ele parou de comer, ainda se isola no quarto, tem surtos de pânico. Ao ler o seu livro, parei de me sentir sozinho.”

Ou o de Isabela*, mãe solo de uma menina de 15 anos que passou a trocar nudes com desconhecidos como parte de ‘desafios’ propostos em fóruns fechados. “Ela tinha uma vida digital inteira escondida. Eu só soube quando a escola chamou, depois que um vídeo circulou entre os colegas. Minha filha virou motivo de chacota. Eu de culpa. E sem saber a quem pedir ajuda.”

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Essas histórias, segundo Paulo Zsa Zsa, não são exceção:

“O buraco é muito mais embaixo. A tecnologia virou um terceiro pai dentro de casa, só que sem afeto, sem limites, sem responsabilidade. E quando o desastre acontece, ninguém sabe a quem recorrer”.

Do quarto ao Supremo: o livro no centro do debate nacional

Durante o julgamento no Supremo Tribunal Federal que discute a regulação das redes sociais, o ministro Flávio Dino exibiu e citou o livro em plenário, como exemplo do impacto real das redes não moderadas sobre a saúde mental de crianças e adolescentes.

“Este livro mostra o que está acontecendo dentro das casas brasileiras. Não é um caso isolado”, disse Dino. A cena viralizou e aumentou a procura pela obra nas redes e livrarias.

Aconteceu com minha filha, alerta necessário

O livro escancara o sofrimento mental dos adolescentes causado (ou amplificado) pelo uso descontrolado das redes sociais — e a impotência dos adultos diante disso.

“Não escrevi esse livro para culpar ninguém. Nem minha filha, nem as plataformas, nem a escola, nem a mim. Mas para dizer: aconteceu. E pode acontecer com você também”, diz Zsa Zsa. “A gente só consegue proteger nossos filhos quando consegue, primeiro, escutá-los. Mesmo quando não dizem nada. Não quero que ninguém passe pelo que passamos. Mas se passar, que saiba que não está sozinho.”

*Os nomes foram alterados a pedido dos pais.

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