Quando as escolas reabrirem efetivamente para as aulas presenciais, os alunos retornarão com níveis muito diferentes de conhecimento e habilidades
Publicado em 02/12/2020
Por Ademar Celedônio*: Com uma provável segunda onda de covid-19 e a possibilidade de manutenção do ensino híbrido para todo o ano letivo de 2021, a comunidade escolar continuará com grandes desafios pela frente. O primeiro será no aprimoramento do ensino a distância, seja na adoção de ferramentas ou na preparação do professor para utilizá-las. O segundo, e principal, será lidar com as lacunas de aprendizado dos alunos que tiveram dificuldades ao estudar em casa ou que sofreram com a falta de acessibilidade na educação remota.
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Uma pesquisa realizada pelo Leverhulme Centre for Demographic Science, da Universidade de Oxford, identificou, após o retorno às aulas presenciais na Europa, que as crianças do ensino fundamental aprenderam “muito pouco ou nada” com aulas 100% a distância.
Estudos também mostram que as lacunas de aprendizado dessa geração podem impactar negativamente na aprendizagem de disciplinas dos anos seguintes, e, até mesmo, o futuro profissional desses jovens no mercado de trabalho.
É de se esperar que a aprendizagem dos alunos brasileiros também tenha sido afetada pela pandemia, gerando perdas que precisam ser mapeadas e endereçadas. Durante o fechamento das escolas no Brasil, alguns alunos continuaram a ter atividades em várias modalidades, como plataformas de aprendizagem online, aulas via televisão e, até mesmo, pelo rádio. Outros, pararam totalmente de aprender. Portanto, quando as escolas reabrirem efetivamente para as aulas presenciais, os alunos retornarão com níveis muito diferentes de conhecimento e habilidades, com os alunos desfavorecidos mais propensos a apresentar perdas significativas a nível de aprendizagem.
Por conta dessas constatações, a Unesco e, posteriormente, o Conselho Nacional de Educação (CNE) recomendam no retorno às aulas ainda em 2020 ou no início de 2021, a realização de uma avaliação para diagnosticar as lacunas de aprendizado dos estudantes, a fim de definir planos de ação voltados a reduzir os danos e assegurar que as aprendizagens essenciais sejam adquiridas ao longo do ano letivo.
Nessa hercúlea tarefa de praticamente ensinar dois anos em apenas um, gestores escolares e docentes terão de definir uma trilha de replanejamento pedagógico, que pode ser estabelecida em cinco passos fundamentais. Confira:
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A pandemia trouxe impactos para a aprendizagem dos alunos mundialmente, e diagnosticar os pontos de melhoria em cada segmento é fundamental para que a escola possa planejar, efetivamente, os próximos passos. A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) pode e deve ajudar neste processo, pois existe uma progressão das habilidades entre o ensino fundamental dos anos iniciais e finais.
Para alunos de educação infantil, a escola pode optar pela realização de atividades e brincadeiras com intencionalidade pedagógica e fazer uma relação com os direitos de aprendizagem e desenvolvimento, além dos campos de experiência, como, por exemplo, “corpo, gestos e movimentos”, “traços, sons, cores e formas”, “escuta, fala, pensamento e imaginação”. Por meio dessas observações, a instituição pode traçar estratégias que estimulem o pleno desenvolvimento dessas habilidades nos pequenos.
Aos estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental, é recomendada avaliações diagnósticas com questões abertas de língua portuguesa/leitura e matemática. Para facilitar esse processo, e ao mesmo tempo padronizar critérios do início ao fim, de forma justa, pode se utilizar-se de rubrica. Por meio dela, constrói-se critérios não apenas de correção, mas também de orientação para alunos e famílias.
Já para os alunos dos anos finais e ensino médio, é indicada a adição de outros componentes curriculares relacionando, também, história, geografia e ciências com física, química e biologia a partir do 9º ano. Para maior agilidade, as avaliações diagnósticas podem utilizar questões objetivas das habilidades e conteúdos essenciais da série anterior. Sobre a seleção dos assuntos da série anterior, envolver os professores na construção dos componentes curriculares é fundamental.
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Depois da aplicação da avaliação, é a vez de analisar os resultados por meio da elaboração de um relatório de diagnóstico das habilidades por disciplina, com recortes de desempenhos gerais por turma e individualmente para cada aluno. Esse relatório deve identificar o rendimento escolar das turmas e de cada estudante, projetando médias gerais que ajudarão a traçar um planejamento para a recuperação dos estudantes que estiverem abaixo da nota estabelecida.
É hora de desenvolver dois planos: o de ação e o de estudos. O primeiro define quais medidas devem ser tomadas para casa aluno e turma. Realizar encontros com pequenos grupos, por exemplo, é uma boa maneira de construir relacionamentos e oferecer uma oportunidade para correção imediata de algumas das habilidades que foram apontadas na avaliação.
O segundo e, mais importante, é elaborado a partir do diagnóstico individualizado fornecido pelos relatórios, em que cada aluno recebe um plano personalizado para reforçar a atenção nos pontos em que enfrenta mais dificuldade. Aqui, devem ser listadas referências relacionadas aos assuntos com maiores lacunas de aprendizagem e sugestões de atividades e/ou exercícios semelhantes às dificuldades apresentadas.
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O acesso à tecnologia nessa etapa, quando disponível, pode agilizar o processo de aprendizagem do conteúdo em atraso por meio de aulas virtuais sobre assuntos específicos, livros digitais, tarefas extras e avaliações formativas, sendo esta aplicada como parte da prática de ensino diário na forma de verificações de compreensão, questionários, atividades em grupo em sala de aula e atividades para casa. Ela fornece feedback contínuo para professores monitorarem o progresso dos alunos em relação aos objetivos de aprendizagem. Outra indicação é a realização de aulas de reforço em horários alternativos, como no contraturno, para explicações adicionais e esclarecimento de dúvidas, além de atividades extras, em atendimentos individuais ou em turmas definidas com base nas lacunas em comum identificadas por meio do relatório.
Depois de executado o plano, é momento de reavaliar o aluno para entender se todo o conteúdo reforçado foi absorvido. Nesse momento, é possível que os meninos e meninas apresentem melhoras em determinados assuntos e dificuldade em outros, especialmente, com a aplicação de avaliação de novos capítulos e conteúdos. Portanto, diante da impossibilidade de repassar todo o conteúdo do ano anterior, deve ser priorizado aquilo que é imprescindível para a aprendizagem das matérias nos anos seguintes. Além disso, é necessário registrar esse desempenho por meio de relatórios de evolução de cada aluno durante o ano corrente e nos próximos, uma vez que 2022 ainda sentirá os impactos da pandemia da covid-19.
Por último, vale ressaltar que, embora os métodos avaliativos para diagnosticar as lacunas de aprendizagem sejam fundamentais para o planejamento do próximo ano letivo, existe um outro fator que as escolas precisam se preocupar na volta às aulas: o trato das habilidades socioemocionais, voltadas ao acolhimento, não só dos alunos, mas das famílias, corpo docente e demais agentes escolares.
*Ademar Celedônio é diretor de ensino e inovações educacionais do SAS Plataforma de Educação.
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