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Kim Kataguiri: ministro da Educação ‘é um desastre absoluto’

Coordenador do Movimento Brasil Livre e eleito com forte apoio de grupos radicais (os quais abandonou), deputado apresenta sua visão – legítima e assumidamente – conservadora sobre a educação

Publicado em 23/04/2020

por Eduardo Marini

É um jovem que dá trabalho. Para aliados e rivais. Paulista de Salto criado em Indaiatuba, 24 anos, filho de um metalúrgico e de uma dona de casa, neto de imigrantes japoneses, cofundador e coordenador do Movimento Brasil Livre (MBL), figura de destaque e polêmica da nova onda liberal brasileira, Kim Patroca Kataguiri foi classificado pela revista Time em 2015, aos 19 anos, como um dos jovens mais influentes do mundo naquele ano. Três anos depois, em 2018, foi eleito deputado federal por São Paulo, pelo Democratas (DEM), com a quarta votação do estado. Nesta entrevista, ele explica os motivos de suas críticas ao movimento Escola Sem Partido, que apoiava, e as motivações para propor um projeto de lei sugerindo um horário para as crianças limparem as escolas. E opina sobre a atuação do ministro da Educação, Abraham Weintraub (“um desastre absoluto”) e do presidente Jair Bolsonaro desde o início da crise do coronavírus (“outro desastre”). Acompanhe:

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Por que o senhor afastou-se do movimento Escola Sem Partido?

Não deixei de apoiar em todos os pontos. Na verdade, deixei de achar prioridade o trabalho direto com o movimento. Eu e os integrantes do MBL criticamos um artigo, se não me engano da terceira versão, que incentiva alunos a gravar e filmar as aulas dos professores. Achamos um exagero fora do propósito original do projeto. Foi um afastamento nosso dessa nova versão do texto, que o fundador do movimento, Miguel Nagib, passou a defender. Nunca considerei o Escola Sem Partido uma pauta de educação, e sim de liberdade democrática. Muito mais para discutir direitos e deveres dos professores e alunos do que para estabelecer restrições ou uma política educacional ampla.

Mesmo porque não dá para contar a história da humanidade sem tratar com profundidade Marx, Lênin, Stalin e Trotsky, por exemplo, e, da mesma maneira, de Smith, Locke, Kant, Tocqueville e de outros ícones do liberalismo clássico, ou mesmo dos ditadores mais contemporâneos de extrema direita.

Exatamente. O dever do professor é apresentar todas as visões possíveis de mundo, e nunca nenhuma, pois assim não estaria cumprindo seu papel. Defendo que o aluno receba todas as visões de mundo e o professor tenha liberdade para transmitir, mas sem pressionar pela adoção da sua visão de mundo. E também sem constrangimentos aos estudantes caso sua forma de ver a vida ou de se posicionar não seja acatada pelos alunos. Isso vale nos campos políticos, religiosos, comportamentais e sociais. O vereador paulista Fernando Holiday, por exemplo, que sempre foi e ainda é muito religioso, sofreu muitos constrangimentos de um professor ateu. Tirava sarro do Fernando, o ironizava em aula diante de todos os colegas, enfim, um despropósito. Professor pode e até deve exercer sua ascendência intelectual sobre o grupo, mas não se utilizar dela para impor seus pensamentos e valores. Falo de imposição.

Kim Kataguiri ministro da Educação

“Agressivo e mal-educado: Weintraub é a antítese do que deveríamos ter como homem público, e muito mais ainda do ministro de uma pasta da importância da Educação” (foto: Jane de Araujo/ Agência Senado)

Professor pode dar opinião política em sala?

Sim. O educador até pode dar sua opinião sobre política, não vejo problema. Sou estudante de direito. Vários professores fazem isso quando vão tratar, por exemplo, de jurisprudência. Dizem: ‘a posição majoritária é essa, ou aquela, mas sou contrário ou favorável por esses motivos’. Acho isso tranquilo mesmo no ensino básico. O que não pode mesmo é o constrangimento, a perseguição, a chacota, a rotulação inferior em função das escolhas do aluno. Utilizar da profissão de professor para fazer bullying. Era o combate a coisas como essas que tínhamos como norte ao apoiar o Escola Sem Partido, e não os que depois nos pareceram exageros.

O senhor gostou da versão atual do texto de lei do novo Fundeb, relatado por sua companheira de partido deputada professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO)?

Não tive a oportunidade de participar da discussão sobre o Fundeb na Câmara, nem de apresentar emendas, porque não fui indicado membro da comissão. Estou nas de Constituição e Justiça e Finanças e Tributação. Achei positivo o relatório apresentado pela Professora Dorinha, inclusive sob o ponto de vista orçamentário. No mundo ideal, a cobertura federal poderia passar uns três a cinco pontos percentuais dos 15%, chegando a 18% ou 20%, mas tivemos o possível. O Fundeb permanente é um grande ganho, sobretudo para garantir o investimento em educação básica, uma das nossas maiores deficiências.

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O Legislativo está fazendo bom trabalho nessa questão?

O que podemos fazer é discutir a questão do orçamento, e o destinado ao ensino superior público nacional (se a memória não me falha, é 4,1 vezes maior do que o direcionado ao básico). Pouco para a educação básica e muito – acho até mais do que deveria – para a superior. Os países da OCDE fazem o oposto: antes e mais para a educação básica, para colher depois. É claro que o custo do superior, em termos absolutos, será sempre maior. É muito mais caro montar um hospital do que uma creche ou estrutura para o nono ano do ensino fundamental. Mas, em termos proporcionais, os gastos com a base sempre foram maiores nos países que resolveram o problema ou, no mínimo, estão muito à nossa frente. O Fundeb é o caminho para essa mudança, inclusive com segurança jurídica para esse e novos aumentos de investimento no futuro. Tirar o aspecto efêmero e deixar o perene. Tudo isso é positivo, mas infelizmente acho que muito será rediscutido também no Fundeb à luz do novo cenário na volta do coronavírus.

Por quê?

As realidades financeira e orçamentária serão diferentes. Há teóricos defendendo que será a pior crise de todos os tempos sob o ponto de vista do impacto econômico. Nos Estados Unidos, que controlam mais de 20% da economia mundial, o nível de desemprego avança em ritmo três vezes superior ao da crise de 2008. O mundo pós-pandemia será inevitavelmente diferente, mais pobre por um tempo, e esses efeitos certamente chegarão ao Fundeb e à educação brasileira. Precisamos resolver também o problema do excesso de receitas vinculadas, de verbas carimbadas amarradas a gavetas, nos orçamentos federal, estaduais e municipais.

Mas as verbas carimbadas não garantem investimentos fundamentais?

Sim, mas, também em muitos casos, provocam prejuízos e distorções que precisam de reparo, sobretudo num ambiente de escassez de recursos. Vou te dar um exemplo. Sou de Indaiatuba, região de Campinas, interior de São Paulo, cidade até afortunada para os padrões brasileiros. Pela obrigatoriedade do prefeito de gastar todo o dinheiro da educação na educação e da saúde na saúde, muitas vezes, sobra dinheiro na educação e falta à saúde. Para cumprir a Constituição e não incorrer em crime de responsabilidade, o prefeito trocava todos os computadores de todas as escolas a cada seis meses, enquanto em muitos postos de atendimento público de saúde faltavam, por exemplo, remédio e material. Dinheiro queimado, jogado no lixo. Um despropósito.

Como vê a gestão atual do MEC e a atuação individual do ministro Abraham Weintraub?

Simplesmente não há atuação. Nenhuma. Todos, literalmente todos os projetos apresentados à Câmara passam por ao menos uma das duas comissões das quais faço parte. Todo projeto que gera receita ou gasto – política pública, portanto – precisa passar por lá. Em 2019 a gente não viu um projeto sequer do Ministério da Educação nas duas comissões. Nada. Zero. Ou seja, simplesmente ainda não houve proposta estrutural vinda da pasta no governo Jair Bolsonaro.

E a atuação do ministro Weintraub?

Pois é, ainda não falamos da postura… Um completo desastre. A antítese do que deveríamos ter como homem público, e muito mais ainda do ministro de uma pasta da importância da Educação. Agressivo. Mal-educado. Sou amante da gramática e da língua portuguesa. Sempre gostei de análise sintática e morfológica. Participava de campeonato de conjugação verbal com entusiasmo. Enfim, amo a língua pátria. Os erros que esse cidadão comete são crassos, deprimentes, nem podem ser qualificados como de digitação. Ele digita uma letra e em seguida outra, do outro lado do teclado, errada, mostrando a todo mundo que foi intencional, e se esconde no tal erro de digitação? Conte-nos outra… Uma tecla a quilômetros da outra.

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Descuido?

De forma alguma: é desconhecimento mesmo. E outra coisa: se já é grave ser ministro da Educação e não saber escrever, por que não aceitar a limitação e entregar essas mensagens passadas por ele nas redes sociais para algum assessor fazer a revisão? Eu o ouvi argumentando coisa do tipo: “mas meu Twitter pessoal é meu, não do ministério”. Espere um pouco: político, e ainda mais ministro, não tem divulgação pessoal. Enquanto houver um único par de olhos sobre o que ele está fazendo ou escrevendo, não há como alegar espaço pessoal. Ainda mais quando esses olhos são os da internet e os das redes sociais, ou seja, aqueles que você não pode escolher ou selecionar, e que foram colocados diante daquilo exatamente por quem o cometeu, ou seja, o próprio ministro. Se pudéssemos fazer vista grossa para os erros percebidos também nos comunicados atuais do MEC, talvez alguém mais tolerante pudesse aceitar o argumento do ministro. Mas nem é o caso. Um desastre absoluto.

E a atuação do presidente Jair Bolsonaro desde o início da crise sanitária?

Completamente irresponsável. Sem qualquer base na ciência, sem política pública, em conflito com todos os governadores, a maioria quase absoluta dos prefeitos e até seu próprio ministro da Saúde. Com desinformação, supressão de falas alheias para dar a entender que, ao contrário do ocorrido, foi dito algo parecido com o que pensa e prega, como no caso de autoridades internacionais em relação ao isolamento, enfim, um espanto. Fica claro que o presidente está mais preocupado em se descompromissar de qualquer coisa ligada ao isolamento para depois fazer política argumentando que sempre foi a favor do isolamento apenas dos idosos e que o total, adotado por todos os outros, afundou o país na crise econômica. Recessiva é a pandemia em si, e não a política de isolamento. Li um paper do Massachusetts Institute of Technology (MIT) fazendo paralelos entre a pandemia de gripe espanhola e a atual, mostrando que os municípios americanos que adotaram as restrições antes e de forma mais intensa foram justamente os que se recuperaram mais rápido posteriormente. Então a premissa de Bolsonaro é falsa, equivocada, não se sustenta. Com mais infectados, a pandemia duraria mais tempo. Todos no mundo perceberam isso, mas parece que o presidente não.

Como o senhor avalia fake news relacionadas à educação, como “kit gay” e “mamadeira de piroca”, que ajudaram a eleger o presidente Jair Bolsonaro?

Sem dúvida fizeram mal ao debate público e, como consequência, à democracia. Mas responsabilizar a internet, a plataforma, por isso, é a mesma coisa que culpar o martelo e não quem o empunha. Notícia falsa sempre existiu só que, agora, ela atinge mais gente, grande parte sem informação suficiente, interesse, ou as duas coisas, para separar a verdade da mentira. Apesar disso, sou completamente contrário a qualquer tipo de controle. Vale a máxima do Dom Pedro II, o Magnânimo: imprensa se combate com imprensa. A ruim com a boa. No debate público, a informação incorreta deve ser desmoralizada com a correta.

O senhor apresentou um projeto sugerindo que fosse reservado um horário em um dia para as crianças limparem as escolas. Como seria isso?

Essa proposta me veio à mente após uma visita oficial ao Japão. Não estava ligada à Educação, mas fiz um pedido especial para que nos levassem a escolas brasileiras no Japão, a japonesas para brasileiros e a de brasileiros para japoneses. E o cuidado com as escolas mantido pelos alunos nos impressionou. O vice-primeiro-ministro do Japão me explicou, por exemplo, que, ao contrário do que muitos pensam no Ocidente, o japonês não é pontual por causa própria, e sim em respeito à vida do outro, à falta de direito de tomar o tempo do outro, algo caro e que jamais será recuperado. E eles reservam um horário uma vez por semana para cuidar da escola, enfim, do espaço que utilizam. O projeto não estabelece nenhuma obrigação nesse sentido. Apenas propõe o incentivo, a criação da cultura.

O senhor declarou, em 2016, que “escolas públicas são verdadeiros centros de recrutamentos de traficantes”. Não há pesquisas comprovando isso. Arrependeu-se?

Afirmei isso com base em experiência pessoal. Não quis ser genérico. Mas em algumas regiões periféricas não se tem sequer o controle sobre a região e a escola porque o Estado, de fato, é o tráfico. Em muitos casos é preciso pedir autorização ao traficante do pedaço para visitar a escola. Essa realidade eu observei na minha cidade, em primeiro lugar, e depois, como homem público, viajando por vinte estados da federação. Infelizmente, é uma situação que se observa. Não no todo, é verdade, mas em muitos casos, de forma preocupante. Foi mais um alerta para a questão da segurança pública nessas regiões. Tempos depois cheguei a pedir desculpa aos que me interpretaram mal – mas me arrepender, se penso nas escolas que vivem o problema, em algo que testemunhei, não me arrependo.

Em quais pontos os livros didáticos brasileiros precisam ser revisados?

Precisaria fazer um estudo mais profundo e específico do tema para responder essa pergunta. Por enquanto não tenho base teórica ou científica para dizer em que eles precisam ser revisados ou sequer se essa necessidade existe.

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Autor

Eduardo Marini


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