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Exigir que todas as escolas reduzam a mensalidade em no mínimo 30% não é a solução

Por conta do coronavírus, projetos de lei pelo Brasil impõem redução mínima para a rede privada. Especialistas afirmam que é inconstitucional e cabe a cada escola resolver a situação

Publicado em 10/04/2020

por Laura Rachid

reducao mensalidade Foto: Shutterstock

Desde o meio de março, as escolas particulares do país deixaram de oferecer o ensino presencial para evitar a proliferação da covid-19. Diante deste cenário, em que muitos alunos estão tendo aulas em casa ou receberam férias antecipadas, a discussão da redução da mensalidade escolar e até a alteração no contrato se tornaram imperativas, como o projeto de lei n° 203/2020 do deputado estadual Rodrigo Gambele (PSL-SP) que exige redução mínima de 30% na mensalidade escolar durante o isolamento social ou ainda o caso em que a Câmara Municipal de Juiz de Fora aprovou nesta quinta-feira, 9, a PL do vereador Adriano Miranda (PRTB) que tem o mesmo propósito da iniciativa de Gambele. O projeto aprovado na Câmara segue agora para aprovação no Executivo. Rio de Janeiro e Ceará são outros estados que vivem situação semelhante.

Contudo, o presidente da Federação das Escolas Particulares (Fenep), Ademar Batista Pereira, alerta que é ilegal medidas que fazem o Estado administrar as instituições educacionais privadas. “É inconstitucional [esses projetos de lei]. E o contrato anual que as escolas fazem com as famílias? Não cabe esse tipo de decisão. O que as escolas estão fazendo e que também orientamos é parcelar em mais vezes”, explica. O presidente frisa ainda que não é momento para discutir redução obrigatória e sim, das escolas conversarem individualmente com cada família para se chegar a um acordo viável para ambos os lados.

Em nota oficial publicada em 25 de março, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, “recomenda que consumidores não peçam reembolso parcial ou total de mensalidades em hipóteses que a escola se dispõe de outras formas a fornecer o serviço interrompido por força maior, seja por meio de aulas presenciais em momento posterior, seja pela oferta de aulas online, de acordo com as diretrizes do Ministério da Educação”. Segundo a entidade, a preocupação é em não comprometer financeiramente as escolas.

A fim de apoiar o setor, a Fenep lançou um manifesto (leia aqui) em que solicita aos poderes Executivo e Legislativo cinco medidas para serem implantadas com urgência durante o período de crise, entre elas o plano de financiamento estudantil sem juros para as famílias pagarem as escolas, “lembrando que elas, ao arcar com a mensalidade, reduzem custos do Estado e contribuem indiretamente com a arrecadação de impostos sobre o serviço”, aponta um trecho do manifesto.

Particularidades

Indagado sobre projetos de lei que visam a redução da mensalidade em no mínimo 30%, Fábio Martinez, diretor-executivo do Colégio Humboldt, instituição bilíngue e multicultural (português-alemão) localizada em Interlagos, São Paulo, diz que o assunto é controverso, até porque seus alunos continuam a ter aulas, mas por meio de uma plataforma já utilizada há três anos. “Acreditamos que a grande maioria das escolas particulares não tenha uma margem que permita tal desconto. Vemos ainda que, em função dos anos de crise que o país vem atravessando nos últimos anos, muitas escolas estão operando no prejuízo com a esperança de dias melhores no futuro”.

Fábio conta que não há um movimento entre os pais para tal redução, mas sim, casos individuais. “O Colégio Humboldt é uma sociedade e tem na responsabilidade social um dos grandes pilares de sua existência de 104 anos. Temos duas iniciativas em curso, primeiro a redução de mensalidades, que apesar de operarmos com orçamento enxuto, fizemos um gigantesco esforço de redução de custos que nos permitiu repassar integralmente essas economias em redução das mensalidades nos meses de maio e junho. Em segundo o Fundo Social para Bolsas, no caso, o Humboldt tem um programa tradicional de bolsas implantado. Este ano, em função da crise da covid-19 estamos buscando meios de ampliar os fundos dedicados a esse programa, inclusive via governo da Alemanha”, revela.

redução mensalidade escolar

Alunos do Colégio Santa Maria. Imagem publicada em 2017 no Facebook da instituição (foto: reprodução)

Imposição generalizada

Cada escola tem a sua peculiaridade. Esse fator faz com que cada uma lide de maneira distinta, uma vez que, por exemplo, há casos em que os alunos estão recebendo aula online, ao vivo, com professores oferecendo atenção ainda mais redobrada, como é o caso dos estudantes do tradicional Colégio Santa Maria, localizado no Jardim Marajoara, também em São Paulo. A diretora, Diane Clay Cundif, também não concorda com os projetos de lei que exigem redução da mensalidade, uma vez que o Santa Maria oferece desconto para algumas famílias, já para todas fica inviável, pois há um orçamento a cumprir e as despesas não diminuíram. Sem contar que as aulas continuam acontecendo, só que virtualmente.

“Ensino online está sendo mais caro que o presencial porque você tem uma estrutura duplicada para dar aula. Além disso, os nossos gastos não mudaram significativamente. Não estamos usando menos água e eletricidade porque estamos limpando para evitar qualquer situação de contágio e mantendo as instalações para quando pudermos abrir. Não estamos recebendo os alunos, já os serviços institucionais continuam acontecendo. O grupo de manutenção, por exemplo, está adiantando o que programaram para fazer em julho, porque não sabemos se em julho teremos alunos e não poderemos pintar”, conta.

A diretora do Santa Maria detalha que seus professores cumprem o horário e a carga horária do ensino presencial, de segunda a sexta-feira, e estão usando até oito tipos de mídias para dar aulas ao vivo e sanar as dúvidas dos alunos. São várias as atividades e plataformas, a depender da faixa etária. Diane revela que os mais novos são os que mais estão sentindo a mudança, tanto que quando a escola voltar a abrir as portas, principalmente aqueles que estão em fase de alfabetização receberão acompanhamento individual.

A tecnologia no colégio, que existe há 70 anos, está presente há um tempo, mas nunca chegou a ser o centro. Alunos desde o ensino fundamental aprendem a programar e participam de projetos de robótica — além de jogarem xadrez — para suas habilidades estratégicas serem desenvolvidas. Porém, em decorrência do isolamento social, agora está sendo. Tanto que os professores têm apoio de uma equipe tecnológica e de uma equipe pedagógica. Na primeira, o apoio gira em torno de utilizar o estúdio de gravação da escola para filmar sua aula ou gravar podcast (eles também podem montar as atividades em casa). “Todas as aulas são assistidas pela equipe de informática e coordenadores para avaliar e fazer adaptações. Se um professor ver que o colega está usando um programa que não conhece bem pode vir na escola e aprender com os técnicos. Já os coordenadores assistem com a preocupação pedagógica, independente da mídia. Também temos no site do colégio um tutorial para ajudar os educadores a desenvolverem habilidades e estratégias”, acrescenta Diane.

Os pais

A empresária Erica Hirata é presidente da associação de pais e mestres da pequena Escola Roberto Norio, que atende do infantil ao fundamental II, no Paraíso, capital paulista. “Por não ser uma escola grande, acho que sabemos e ou entendemos um pouco mais de perto a situação e acho que há uma abertura maior para conversar. Ainda não foi discutido nada [sobre redução da mensalidade], o diretor falou que em maio irão rever as contas e poderão conversar sobre esse assunto. Mas agora não dá, já que foi tão de repente. E eu entendo eles e os outros pais em geral também”, diz. A presidente da associação pontua que a principal preocupação do momento é com os estudos a distância. Se estão conseguindo passar o conteúdo das matérias e como os pequenos se sairão nas provas que começam nesta semana.

Já a filha mais velha de Erica estuda no Colégio Bandeirantes e por lá o clima é outro. Há um grupo de pais que pede a redução da mensalidade e segundo a empresária, o diretor falou que não reduzirá, uma vez que estão investindo, por exemplo, em um maior espaço para armazenar arquivos na nuvem e pelos alunos estarem recebendo aulas online.

redução mensalidade escolar covid-19

Pequenos da Escola Roberto Norio antes do isolamento (foto: reprodução)

“Com essas duas realidades eu consigo notar a importância da associação de pais. Temos proximidade com a diretoria, entendemos o que se passa. Acho que isso é um lado bem positivo”, defende. Indagada se acha que deve haver desconto ela coloca: “eu como empresaria daria um pouco de desconto. Mas sei que o custo de qualquer empresa é alto, principalmente o imposto”.

Maria Camila Tarikian mora em Florianópolis e é mãe da Malu, de nove anos. A filha já possui 5% de desconto, mas a família pediu mais. “Queremos mais por conta da pandemia e da falta de estrutura que a escola tem para dar aula online. Eu sinto que cada dia está melhorando, na quarta-feira [dia 8 de abril] ela ficou praticamente três horas online. Só que por eles não terem essa estrutura pronta acho válida a redução”, explica.

Educação no mundo

No México, cujo presidente Andrés Manuel López Obrador só decretou estado de emergência no fim de março, há pais que também estão pedindo descontos na mensalidade e a saída está sendo a mesma que a brasileira: conversar com as famílias, apresentar a realidade e juntas fecharem um acordo. Mariana Ocampo é diretora da Vittra Learning Center, escola que oferece ensino fundamental I e II em Querétaro, a cerca de 3 horas da Cidade do México.  “Somos uma escola pequena e não temos recursos para apoiar o pagamento de salários de professores sem taxa de matrícula. Criamos um programa de trabalho no qual os professores trabalham com as crianças similar às aulas presenciais.  Atuamos em estreita colaboração com cada família. Isso faz com que os pais percebessem a importância de continuar fazendo o pagamento da melhor maneira possível, mas se precisarem de apoio financeiro poderão contar conosco”, diz.

A reportagem também ouviu o educador de uma escola particular na Suíça, mas que preferiu ocultar seu nome, uma vez que não é a voz oficial da instituição. O educador conta que a situação é a mesma e há pais que deixaram de pagar a mensalidade. Tanto que professores e famílias receberam uma carta em que a escola explica não poder reduzir a mensalidade pois precisa se manter, mas que está atendendo casos particulares, principalmente das famílias que tiveram a renda mensal reduzida drasticamente.

Autor

Laura Rachid


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