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Educação no Mundo

Vôo rasante

Evasão escolar, salários ruins, infra-estrutura ultrapassada: último país a entrar para a Comunidade Européia, a Bulgária sofre pela transição sem escalas do comunismo ao ultraliberalismo

Um ano depois de uma greve espetacular, que durou seis semanas, os professores búlgaros continuam mal amparados. Apesar dos 48% de aumento de salário que conseguiram no fim dessa greve, professores búlgaros continuam a ser os mais mal remunerados da Europa (180 euros por mês). E a comparação não é ruim apenas com seus pares de nações vizinhas: também estão em posição inferior no próprio país, quando comparados a motoristas de ônibus e bondes. Enquanto a inflação pode exceder 13% por mês, a metade dos professores tem uma segunda atividade para sobreviver: dão aulas particulares, mas também são garçons, às vezes até motoristas de táxi. Em seus cartazes, quando dos protestos, uma questão saltava aos olhos: "A instrução ainda é um valor na Bulgária?"

Último país a entrar para a Comunidade Européia, com a Romênia, há um ano e meio, a Bulgária tem ainda um longo caminho a percorrer para elevar sua escola ao nível dos vizinhos europeus. "Ainda não estamos na Europa. O funcionamento do sistema é catastrófico, considera Boïka Polikasrska, ex-responsável pelo Ministério da Educação búlgaro. Com uma administração muito centralizada, burocrática, o Ministério não se permite nenhuma criatividade e não está nada adaptado ao meio concorrente e informatizado atual, que demanda competências muito diferentes daquelas de 20 ou 30 anos atrás. Por falta de reforma de fundo, nossa escola vai bater contra a parede."

Assim como as pesadas estátuas da era comunista, ainda presentes em todo o país (aos pés das quais circulam os últimos modelos de picapes americanas), a instituição parece encarquilhada num passado glorioso. O passado em que a Bulgária,  inventora dos computadores Pravetz, era o Vale do Silício da antiga União Soviética, isso antes de ser engolida sem transição pelas opções mais liberais.

"É a conseqüência pós-comunista", explica Nafège Ragu, pesquisadora do Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS, na sigla em francês) e especialista em Bulgária. "O país valeu-se por muito tempo de um sistema de ensino primário e secundário de muito boa qualidade, graças especialmente às escolas de línguas estrangeiras. Um sistema único na Europa em matéria de ensino bilíngüe, no qual todo o programa era dado em russo, francês, inglês ou alemão".

Mas a queda do bloco soviético e a passagem à economia de mercado interferiram. Desde a crise financeira de 1996-1997, a educação foi relegada e ficou muito atrás das questões de defesa e energia. Fortemente abalado pela redução drástica das despesas públicas, o orçamento para a educação corresponde hoje a 4,1% do PIB, quando em todos os outros lugares da Europa ultrapassa os 5% e em alguns casos chega aos 8%. Uma reforma é conclamada por todos numa sociedade em que, de agora em diante, segundo a pesquisadora, "o sucesso social se enuncia mais em termos de ganhos financeiros que de cultura de performances escolares"; e a profissão de professor conheceu um dos declínios sociais mais violentos.

Atrás da fachada descascada de um dos estabelecimentos mais prestigiosos de Sofia, a escola francesa Lamartine, Galina Betcheva, diretora-adjunta, vê "um futuro negro". Desde a greve, cinco de seus professores deixaram a profissão. Se ilhotas de excelência permanecem, "o nível global no país caiu, e 20% dos alunos abandonam a escola antes do fim do primário", preocupa-se Pepka Boyadjieva, professora no Instituto de Sociologia de Sofia.

A chegada ao poder em 2001 da coalizão socialista não mudou essa tendência. "As prioridades seguem sendo o aumento da produtividade, pela via da redução da presença do Estado", indica Nadège Ragaru. Nessa volta às aulas, em nome da racionalização da oferta educativa, justificada por uma forte baixa demográfica (com as taxas de natalidade mais fracas da Europa), "mas, sobretudo, por razões econômicas", segundo Yanka Takeva, líder do sindicato no país, a supressão de 13 mil cargos, de um total de 98 mil, está programada, além do fechamento de 400 estabelecimentos, de um total de 5,8 mil. Dos que fecharão as portas, a maioria está na zona rural.


O teste do mérito


A "diferenciação dos salários" para os professores, tida como eixo central da revalorização da profissão, é experimentada na base do voluntariado em 92% dos estabelecimentos desde o início das aulas em 2007. "Em teoria, é muito boa porque nem todos os professores trabalham da mesma maneira", destaca Galina Betcheva, da escola Lamartine.

Só falta vê-la aplicada. Dotado para os seis primeiros meses de 15,1 milhões de levas (7,8 milhões de euros, ou cerca de R$ 19,2 milhões), o dispositivo foi suspenso em fevereiro por falta de pagamento dos 29 outros milhões de levas anunciados para 2008. Concretamente, ele representou para os professores participantes um suplemento de salário de 30 a 60 levas (15 a 30 euros). Mas os dez critérios fixados pelo ministério – a utilização de métodos "interativos", o recurso dos computadores, o trabalho em equipe ou ainda os resultados dos alunos nas olimpíadas e outras competições internacionais – causam problemas. "O mínimo exigido são as competências de base obrigatórias para os professores. Nada é previsto para recompensar a verdadeira qualidade de seu trabalho, as práticas inovadoras, ou o investimento além da aula", lamenta Nelly Vatchkova, diretora do Liceu Saint-Exupéry, de Plovdiv, que introduziu, em acordo com sua equipe, novos critérios incluindo cargos de responsabilidade e a contribuição para a reflexão sobre a formação continuada.

A introdução desse adicional de desempenho, ao lado da indigência dos salários, é muitas vezes tachada de "hipocrisia em estado puro". Sem avaliação nem enquadramento das modalidades, constitui uma "bomba de retardamento e o melhor meio de dividir as equipes, sem falar do problema do clientelismo", avaliam os diretores de estabelecimento.


E os jovens se vão


Com a abertura das portas da União Européia, o número de jovens que opta pelos estudos fora do país não pára de crescer. Eles seriam entre 15 mil e 20 mil (de 140 mil) hoje, partindo essencialmente para a Alemanha (12 mil), a França (2,8 mil) e Áustria (2 mil). Se quiser erradicar essa fuga de cérebros, a Bulgária deve imperativamente reformar sua universidade. "Nunca haverá uma Harvard na Bulgária. Mas a universidade deve afirmar sua competitividade", diz Antony Todorov, decano da nova universidade búlgara de Sofia. Mas as mudanças são ainda tímidas. Neste ano, pela primeira vez uma "matura"  – equivalente ao vestibular – foi timidamente criada, com o objetivo de substituir os concursos para ingresso nas universidades. Porém a reforma dos currículos não está terminada: os conteúdos de formação permanecem muito acadêmicos.

Se as universidades obtiveram autonomia desde 2001, abrindo a possibilidade de financiamentos e a criação de estabelecimentos privados, "são sub-financiadas (menos de 2% do orçamento) e não há estratégia bem elaborada para reforçar a atratividade das formações", destaca um especialista no assunto. Único elemento de réplica hoje: a criação de dois diplomas e cadeiras francófonas (sete no total no país), anglófonas e germanófonas, assim como a criação de uma agência de avaliação.

(Tradução Mônica Cristina Corrêa)


O modelo das escolas bilíngües

Pérolas da escola búlgara, únicas na Europa, as escolas de ensino bilíngüe (110 estabelecimentos, 22 mil alunos) propõem um ano de ensino intensivo em inglês, alemão, francês, espanhol ou russo, desde a 7ª série, de 17 a 22 horas por semana, ou dois terços do total de horas ministradas. Durante os quatro anos seguintes, três disciplinas não-lingüísticas – história, biologia, geografia ou física-química – são ensinadas numa dessas línguas. "É o dispositivo mais desenvolvido em matéria de ensino bilíngüe da União Européia. Oferece uma excelente preparação ao ensino superior, para percursos no exterior, principalmente", observa um conhecedor dos sistemas educacionais da Europa Central. Essa importância do ensino das línguas no país se deve "à situação da língua búlgara e à sua fraquíssima difusão", explica Vaselina Ganeva, do Ministério da Educação na Bulgária. Trata-se também de uma herdeira da tradição iniciada pelas congregações religiosas estrangeiras no fim do século 19, reanimada pelo regime comunista, para formar as elites do partido. Sofisticadas e seletivas, as escolas de língua estrangeira se tornaram "a ponta de lança" da francofonia na Bulgária, com quase 50 estabelecimentos. Mas sem status específico, o sistema está hoje ameaçado por um programa governamental que prevê a generalização, em 2009, de um ano de ensino intensivo em língua em todas as escolas. Diluídas sob o pretexto de igualdade de oportunidades e sem condições suplementares, essas cadeiras, que asseguravam a diversidade lingüística do país face à supremacia do inglês, podem ser vítimas de seu próprio sucesso.

Autor

Aurélie Sobocisnski, do Le Monde de L´Éducation


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