NOTÍCIA

Edição 257

Neurogênese, plasticidade cerebral e a sala de aula

Apesar de sabermos que a plasticidade é maior na primeira infância, ela ainda é grande na adolescência e tudo indica que persiste de maneira significativa na vida adulta

Publicado em 25/04/2019

por Fernando Louzada

neurogenese-sala-de-aula Foto: Shutterstock

Quando cursei o ensino médio – naquele tempo longínquo em que ainda se chamava segundo grau – aprendi que a formação de novos neurônios, a neurogênese, ocorria apenas durante a vida intrauterina. Costumo perguntar aos meus alunos de graduação o que eles aprenderam a respeito em seus cursos pré-vestibulares e muitos relatam o mesmo: neurônios não são formados após o nascimento.

É curioso como o conhecimento científico atualizado muitas vezes demora a chegar às aulas da educação básica. A primeira evidência de que novos neurônios são produzidos no cérebro humano adulto surgiu há mais de 20 anos, em artigo publicado pela revista Nature Medicine, em 1998. Um grupo de pesquisadores suecos e norte-americanos liderado pelo neurocientista Fred Gage mostrou o aparecimento de novos neurônios no hipocampo – região cerebral importantíssima para a formação das memórias – de indivíduos adultos.


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A demonstração da existência de neurogênese após o nascimento sugere que a plasticidade cerebral não se limita a mudanças na configuração das redes neurais, mas inclui a incorporação de novos neurônios a essas redes. Situações de novas aprendizagens seriam estímulos à formação de novos neurônios. A técnica utilizada no estudo de Gage permitiu a identificação de novos neurônios apenas após a morte dos pacientes que participaram do estudo. De lá para cá, novas técnicas surgiram facilitando a investigação na área, possibilitando a identificação de novos neurônios ainda em vida.

Em 2018, um estudo publicado na revista Nature colocou em dúvida os resultados obtidos pelo grupo de Gage ao mostrar que a produção de novos neurônios seria grande na infância, mas praticamente indetectável em adultos. Alguns meses depois, outro estudo publicado na também importante revista Cell Stem Cell mostrou que a neurogênese persiste na idade adulta.

É importante ressaltar que os estudos identificaram a neurogênese em apenas uma área cerebral, o hipocampo. Ainda não há evidências de que ela ocorra em outras regiões cerebrais, como o córtex, por exemplo. Uma possível explicação para esses resultados aparentemente contraditórios é a diferença nas técnicas utilizadas para detecção da neurogênese.

Mais recentemente, em março de 2019, estudo realizado por um grupo espanhol também publicado na revista Nature Medicine fortaleceu a ideia de neurogênese em adultos. Os pesquisadores mostraram que ela é abundante em adultos saudáveis, mas declina significativamente em pacientes com a doença de Alzheimer. Novamente a área cerebral investigada nesse último estudo foi o hipocampo.

Ainda há muitas perguntas sem resposta. Uma delas é se a neurogênese também ocorreria de maneira abundante em outras áreas cerebrais. Outro desafio é entender como ocorre o controle da formação de novos neurônios, o que seria um grande passo para intervenções médicas em doen­ças cardiovasculares e neurodegenerativas.

Podemos nos perguntar quais as implicações desses achados para a educação. Em primeiro lugar, há implicações relacionadas ao ensino. É fundamental que os conceitos de biologia sejam atualizados e, nesse caso específico, permitam aos alunos reconhecer que a plasticidade neural é mais ampla do que se imaginava.

Proporcionar uma discussão a partir de resultados aparentemente contraditórios ao longo da história pode ser bastante rico para a compreensão do processo de produção de conhecimento científico. Outra implicação refere-se ao prognóstico de transtornos neuropsiquiátricos, incluindo aqueles associados a dificuldades de aprendizagem.

A constatação da existência de neurogênese na infância e na vida adulta mostra que a plasticidade cerebral pode ser maior do que imaginávamos.  Apesar de sabermos que a plasticidade é maior na primeira infância, ela ainda é grande na adolescência e tudo indica que persiste de maneira significativa na vida adulta.

Além disso, pesquisas que utilizam técnicas das neurociências podem, num futuro próximo, identificar como e quais intervenções médicas, psicológicas ou pedagógicas podem produzir efeitos mais positivos sobre a configuração neural e, consequentemente, contribuir para um desenvolvimento cognitivo e emocional mais saudável.  Em outras palavras, o potencial de transformação do cérebro é enorme, talvez bem maior do que pudéssemos conceber há algumas décadas. Um argumento a mais em defesa da relevância dos processos educativos nas mudanças que desejamos para a sociedade.

*Fernando Louzada é doutor em Neurociências e Comportamento pela USP e pós-doutorado pela Harvard Medical School

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Fernando Louzada


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