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Formação docente

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Redacao

Publicado em 02/04/2015

Escolas das redes pública e privada de SP contam como produzem adubo natural

A partir de projeto da Prefeitura de São Paulo que leva composteiras para o ambiente escolar, as escolas ressignificaram o seu uso e ampliaram suas possibilidades pedagógicas

© Gustavo Morita
Escola Quintal do João Menino: alunos adoram “dar comida para as minhocas”

“Humm, que cheiro bom!”, diz a sorridente Ana Badi, de 3 anos, ao se debruçar sobre a pilha de caixas que fica no pátio de sua escola, a Quintal do João Menino, na Vila Madalena, em São Paulo (SP). Quem ouve o comentário da pequena aluna nem imagina que o tal odor agradável é de uma composteira, na qual restos de materiais orgânicos são transformados em adubo com a ajuda de minhocas. “Não pode pôr cebola, nem limão, nem cocô de cachorro. Ah, e nem guardanapo”, ensina a menina, que tem um exemplar idêntico ao da escola em sua casa. O cheiro vem dos restos de frutas e legumes colocados na última de três caixas que fazem o processo de compostagem.

A novidade entrou na vida de estudantes, pais, professores e funcionários de 27 escolas públicas e 13 privadas (como a de Ana) no segundo semestre de 2014 por meio de um projeto da Secretaria de Serviços da Prefeitura de São Paulo, definida pelo Plano Municipal de Gestão de Resíduos Sólidos do Município de São Paulo (PGIRS). “O Composta São Paulo faz parte do programa municipal SP Recicla, que reúne todas as ações de coleta seletiva realizadas no município”, explica Silvano Silvério da Costa, presidente da Amlurb (Autoridade Municipal de Limpeza Urbana).

Responsável pela idealização e execução da empreitada, a organização Morada da Floresta distribuiu as duas mil composteiras domésticas cedidas aos paulistanos e escolheu algumas instituições de ensino como centros de apoio, para fazer a interlocução com as comunidades locais. “A escola é a base de toda transformação. É onde conseguimos plantar uma sementinha que dará frutos mais permanentes. Seria incongruente o projeto não estar nesse ambiente tão rico para troca de informação e conhecimento”, define Cláudio Spínola, diretor da Morada da Floresta.

O contato com as escolas particulares se deu em uma via de mão dupla, e em muitos casos foi a própria diretoria que procurou a organização e o projeto. No setor público, o diálogo começou nas Diretorias Regionais de Educação dos bairros Butantã e Penha, escolhidas estrategicamente pela proximidade física com a sede da Morada da Floresta. Depois, foram convidadas escolas das zonas leste e oeste que já tivessem ações de sustentabilidade em sua proposta pedagógica.

Transformações na escola

Destinadas ao uso doméstico, as composteiras foram entregues a pais de alunos, professores e funcionários, ficando a cargo dos centros de apoio a distribuição dos exemplares e a mediação na troca de informações sobre o processo de compostagem. Em novembro, os locais também sediaram oficinas de plantio urbano, que ensinaram os participantes a usar o adubo produzido em casa. “O projeto começa em casa e acontece paralelamente na escola, então a criança vive a experiência em casa e em sala de aula”, avalia Mirtes Moreira Silva, assistente técnica de educação da Diretoria Regional de Educação da Penha.

As escolas da Penha que entraram no Composta São Paulo também participaram da última Conferência Nacional Infantojuvenil pelo Meio Ambiente. A adesão ao projeto desencadeou e reforçou movimentos como coleta de material reciclável, cuidado com praças do entorno e atividades de plantio. “A ideia para o ano que vem é fazer composteira em todas as unidades. Já fizemos um levantamento tanto da quantidade de resíduo produzido em cada uma quanto do espaço útil para a construção”, diz Mirtes.

Por outro lado, há novos contornos surgindo a partir do projeto. Alguns professores contemplados decidiram ceder seus kits de compostagem para a escola, e estão usando o material para preparar aulas e incluir a prática na rotina dos estudantes. É o caso da Quintal do João Menino, mencionada no início da reportagem. Adepta da metodologia Waldorf, a escola pratica a vivência sem muita explicação e conscientização.

A cada semestre, quatro das nove salas de crianças com 1 a 6 anos mexem com a composteira. “Depois do lanche, os alunos picam as sobras de frutas junto com os professores e em seguida colocam nas caixas. Para eles é o máximo dar comida para as minhocas”, conta a diretora Valéria Rocha. O adubo produzido é usado nos canteiros, também com a ajuda dos pequenos. “São atividades práticas, bem lúdicas. Tem sido tudo bem tranquilo e natural.”

O mesmo ocorreu na EMEI Emir Macedo Nogueira, no bairro Vila Gomes, que manteve a composteira de uma professora no local para agregá-la a um projeto de hortas coletivas, desenvolvido há três anos. “Cada classe tem o seu cantinho, onde cultiva cenouras, verduras, tomate. A compostagem enriqueceu essa prática, porque aumentou o conhecimento dos alunos e professores sobre os cuidados com a terra e como prepará-la para o plantio”, afirma o diretor Emilio Celso de Oliveira.

De acordo com a coordenadora pedagógica Cristina Mariko Matsubara, o engajamento dos professores tem contribuído muito com os novos desdobramentos. “Fazemos leituras semanais referentes a compostagem e educação ambiental. Partindo disso, elaboramos jogos e brincadeiras para levar o assunto para a sala de aula.” E as crianças já estão incorporando os conceitos trabalhados no projeto. “Elas são muito observadoras e participativas. A fala que mais ouço dos alunos é ”vamos devolver para a natureza”. Na cabeça deles está claro esse processo: o que vem da natureza volta para a natureza”.

Para Quézia Bombonatto, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia, a composteira pode proporcionar diferentes abordagens pedagógicas, que vão além do ensino sobre sustentabilidade e ecologia. Cidadania, alimentação saudável e até cooperação são temas relacionados ao processo. “Se a criança vê a questão ambiental na escola, não como discurso, mas como ação, isso vai fazer sentido para ela. É preciso mostrar no dia a dia”, explica.

Além de favorecer a educação social, a compostagem fortalece o papel da escola, que não deve ser apenas acadêmico, avalia o jornalista Dal Marcondes, diretor do Instituto Envolverde. “É uma retomada da instituição de ensino como um ambiente de experimentação e curiosidade, porque trata de temas que têm relação direta com o cotidiano e ao mesmo tempo proporcionam a exploração do saber.”

Outro aspecto trabalhado é a relação do aluno com o natural, algo complicado principalmente em cidades grandes. “As crianças só veem a natureza pela janela do carro, do ônibus, do apartamento. A compostagem muda a visão das crianças sobre a essência da vida”, conclui Dal. Para ele, é importante incentivar soluções descentralizadas para problemas ambientais, como tratar o lixo orgânico em casa. “Isso faz parte de uma nova maneira de encarar os impactos da sociedade na natureza. É algo global e essencial.”

Recuperação diferente

Algumas escolas realmente extrapolaram a função de centro de apoio proposta pelo projeto. Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Teófilo Benedito Ottoni, na região do Butantã, um grupo de alunos do 9o ano está usando a compostagem em aulas de recuperação. O mais curioso é o conteúdo da disciplina: língua portuguesa. “Eu estava com uma grande insatisfação de que o conteúdo do reforço seria apenas o trabalho com textos”, diz o professor Luis Alves Miguelez, responsável pela composteira e pelas aulas.

Luis conta que o processo com o minhocário é usado como conteúdo de pesquisa e elaboração de texto. Às terças e quintas-feiras, os estudantes coletam as sobras de material orgânico da cantina, separado em baldes pelos funcionários da escola, e levam para a sala em que ficam as caixas com minhocas. Lá, eles separam e picam os restos de alimentos, revolvem o composto e, em seguida, cobrem os resíduos com as folhas secas recolhidas por eles mesmos na área externa.

© Gustavo Morita
EMEF Teófilo Benedito Ottoni: o minhocário é usado como conteúdo de pesquisa e elaboração de texto

Como o volume de restos produzidos pela cozinha é muito grande, o que não cabe na composteira do professor Luis é colocado em um outro local de compostagem, construído há 12 anos nos fundos da escola. Lá, o processo é 100% vegetal, ou seja, não há minhocas. “Esse espaço é cíclico, porque nem sempre os professores escolhem a compostagem como projeto anual­ de ensino. Este ano, eles optaram pela horta. Mas sempre tem alguém depositando material lá”, afirma a coordenadora Ana Cristina Moraes Azevedo.

Assim que a atividade com a composteira termina, a aula teórica começa. “Enquanto as minhocas trabalham na compostagem, a gente trabalha a escrita”, brinca Luis. O trabalho de conclusão da matéria consiste em um diário de todo o processo, que será apresentado da mostra cultural de fim de ano. Enquanto isso, o professor aproveita outras produções de texto para avaliar os jovens.

Em um caso recente, quando surgiu um ácaro branco na composteira, o aluno Guilherme escreveu uma mensagem no grupo do Facebook criado pelo Composta São Paulo para troca de informações entre os participantes. Depois, seu texto foi corrigido em sala.Para Otto Frederico Santos Ferreira de Lima, 14 anos, as aulas têm sido um grande aprendizado. “Nunca tinha ouvido falar em composteira e achava que as minhocas não eram importantes”, confessa o aluno, que adora a atividade.

O professor está muito satisfeito com o desempenho da turma. “Esse é com certeza o meu grupo de alunos mais animado. Antes eles tinham sérios problemas de comportamento. Agora chegam antes do horário e já fazem tudo sozinhos. Eles mesmos se organizam e buscam soluções”, conta Luis, que acredita no poder da questão prática. “Ter o objeto concreto de estudo dá uma outra perspectiva e torna o conteúdo mais interessante.”

Composteiras antigas

Assim como a EMEF Teófilo Benedito Ottoni, há outras instituições educativas com projetos próprios de compostagem. No Colégio Joana D”Arc, também no Butantã, a ideia surgiu há dois anos. “Os alunos do jardim, pré e primeiro ano comem frutas duas vezes por dia, e sempre sobravam cascas e resto que eram jogados no lixo. Então começamos a pensar em como reaproveitar esse material orgânico”, conta a professora Débora Figueiredo, que orienta os alunos sobre a prática de compostagem.

Construída há 15 anos, a composteira da Escola Vera Cruz, no Alto de Pinheiros, foi inspirada em um modelo feito por uma creche da Universidade de São Paulo. “É uma experiência que tem dado certo e que faz parte do nosso projeto de educação ambiental, um tema com o qual trabalhamos desde 1980”, afirma Teruco Hayashida, assessora pedagógica de ciências do ensino fundamental.

Os alunos do 6o e 7o anos são responsáveis pelo tratamento e manutenção da composteira, então recolhem as sobras da cozinha da escola, depositam o material nas caixas, cobrem com folhas secas e estudam o processo, medindo até a temperatura do composto. As crianças menores também participam do projeto, visitando a composteira e recebendo aulas dos alunos envolvidos no projeto. “Depois utilizamos o adubo no jardim da escola e na praça, para mostrar que esse é um bem comum. Os alunos também se divertem vendendo pequenas amostras do produto na festa ”Feito por nós”, que acontece sempre em setembro”, conta Teruco.

Para a pedagoga, aprender sobre compostagem é fundamental para estimular a cultura de redução de lixo e reciclagem. “Em princípio, os alunos têm nojo dos resíduos orgânicos, mas quando veem o produto final, se impressionam com a diferença, e falam: ”Isso aí não é mais resto, tem cheiro de terra.” Isso muda a visão deles com relação ao desperdício de alimentos e faz com que eles repensem o próprio consumo.”

O que é o Composta São Paulo
O Composta São Paulo faz parte do planejamento da Prefeitura para atingir as metas do Plano Municipal de Gestão de Resíduos Sólidos do Município de São Paulo (PGIRS), aprovado em 2014. Entre as metas estabelecidas pelo documento está a implementação da coleta seletiva de resíduos orgânicos em todas as instituições de ensino municipais até o final de 2016, a partir da adesão ao Programa Escolas Sustentáveis, que destina recursos financeiros do governo federal a escolas públicas da Educação Básica.

Complementar ao esforço de ampliação do uso de composteiras está previsto, a partir do primeiro semestre de 2016, o início da introdução de coleta seletiva de orgânicos, atendendo 11 distritos ao final de 2016, 62 ao final de 2020 e 96 distritos ao final de 2024.

Segundo a Morada da Floresta, organização responsável pela idealização e execução do projeto, cada composteira doméstica utilizada no projeto piloto tem capacidade para reciclar de 1 a 2 quilos/dia de resíduos orgânicos e pode reduzir pela metade o volume de resíduo gerado por família. Somando as duas mil famílias participantes, o projeto prevê proporcionar a compostagem descentralizada de 2 a 4 toneladas/dia de resíduos orgânicos domésticos. Para a recuperação dos resíduos orgânicos, o PGIRS prevê alcançar 1.600t/dia de redução na origem por meio de compostagem em condomínios, casas, parques e áreas de difícil acesso.

A intenção é dar continuidade à ação junto às escolas em 2015. Para acompanhar o planejamento e solicitar inscrição, acesse o site www.compostasaopaulo.eco.br.


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