NOTÍCIA
Nossos jovens estão se evadindo da escola por inúmeros motivos. Governo federal acerta com programa de incentivo financeiro, mas também é preciso políticas que dialoguem com diferentes ministérios e secretarias para darem perspectiva a todas as juventudes, inclusive as indígenas
Publicado em 11/03/2024
Diante das constantes transformações sociais e de futuros incertos, o valor da educação também está em jogo. Se há 30 anos era comum as juventudes se sentirem instigadas a concluírem a educação básica visando melhoria financeira para a família — impacto maior ainda se garantisse um diploma superior —, hoje não há mais essa garantia. Fato é que o mundo falhou nas promessas de garantir escola para todos e todas.
“Como permitimos 258 milhões de crianças e jovens fora da escola? Uma em cada sete crianças em idade escolar no mundo não está na escola. Metade sai da escola aos 15 anos sem ter adquirido aprendizagens mínimas. A Unesco diz que é preciso um novo contrato social de educação”, alerta o professor português António Nóvoa, que presidiu na Unesco global um comitê de pesquisa que gerou o relatório Reimaginar nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação, publicado em 2021.
António Nóvoa, que também é professor catedrático e reitor honorário da Universidade de Lisboa, afirma que um dos grandes problemas da educação é que os jovens têm de ter um sentido para aquilo que estão a aprender.
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“Sequer sabemos os empregos do futuro, sabemos que estão a acabar todos os dias. É preciso reencontrar um sentido. Antes a escola tinha uma razão de ser. Hoje a escola tem que construir a sua existência e a sua razão de ser, quer dizer: quando um aluno chega, temos que construir com ele uma razão de ser daquela aprendizagem, daquele trabalho, etc.”, exemplifica António Nóvoa.
Para qualquer ação educativa, Nóvoa destaca que, hoje, mais do que nunca é preciso conversar com os jovens, perguntar o que querem e o que não querem. “É isso que dá sentido ao que designamos muitas vezes por escola democrática, cujo aluno tem voz. Não é perguntar se querem matemática ou não, isso nós decidimos porque temos uma responsabilidade maior. Mas a escola democrática busca inscrever a voz deles no processo educativo”, orienta.
Em busca de combater a evasão escolar no ensino médio, o governo federal lançou este ano o certeiro programa de bolsa financeira Pé-de-meia, cuja previsão é a de começar no final de março. A iniciativa é similar ao que já acontece em estados como Alagoas, Santa Catarina e Goiás. Em resumo, funcionará da seguinte forma: o estudante receberá 200 reais por mês que podem ser sacados a qualquer momento; no final de cada ano concluído, mais 1.000 reais cujos saques só ocorrerão ao final da conclusão do ensino médio; e mais 200 reais pela participação no Enem.
Para além de políticas exclusivamente voltadas à escola, alguns atores sociais já compreenderam que é preciso olhar para as juventudes de forma ampla e via parcerias entre ministérios e secretarias. O desafio é entender quais políticas públicas e atividades para essa faixa etária podem gerar como resultado, além da conclusão da educação básica, qualificação profissional, saúde, bem-estar, lazer, etc., e/ou simplesmente a satisfação de viver. Pautas, inclusive, garantidas no Estatuto da Juventude, de 2013.
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João Marcelo Borges, gerente de pesquisa e inovação no Instituto Unibanco, aprova programas como o Pé-de-meia, mas sabe que é preciso ir além. Mais que ações intersetoriais, ele defende a construção de políticas públicas multissetoriais e multiníveis e que considerem as vontades das juventudes. “Anos de insucesso de políticas para esse público nos permitiram entender que se não houver formatação de uma oferta para as juventudes ligada aos seus interesses e sonhos, no caso, só ofertar e dizer: ‘faz aí’, não vai acontecer”, rebate.
Vale lembrar que essa fase da vida tende a ser de contestação e experimentação. “Portanto, as ofertas tampouco podem ser estáticas. Uma iniciativa que funciona este ano com algum grupo de jovens não funcionará daqui a cinco anos com outro grupo e talvez nem mesmo com os deste ano porque eles mudaram seus interesses nesse período de experimentações. Isso já sabemos, mas qual é o problema disso para o setor público?”, questiona.
João Marcelo, que atuou no desenho das Fábricas de Cultura do estado de SP quando trabalhava no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), explica que são três problemas: o primeiro é buscar entender quais são os interesses das juventudes; o segundo, desenhar um conjunto amplo, cambiável, flexível e diverso, já que, no geral, as políticas são padronizadas. E o terceiro problema é refletir o tempo de duração das novas ofertas — porque a demanda é diversa, mas a oferta não dá conta de que seja assim, mas, se não for, segundo ele, os jovens não se engajarão.
“A solução é: abra-se para o desenho dos jovens, eles vão desenhar plataformas para modelarem essas ofertas. Por exemplo, em vez de abrir um edital de oficinas artístico-culturais desenhando quatro áreas — dança, música, teatro e audiovisual —, faça isso e desenhe mais duas categorias em aberto — qualquer coisa que vocês queiram. Isso é deixá-los modelarem, porque eu [formulador de políticas públicas], não posso tudo. E continue ouvindo porque ano que vem pode ser que teatro para aquele grupo não faça o mais sentido, mesmo que a região tenha o melhor espaço de teatro”, orienta João Marcelo, do Unibanco.
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Ou seja, estratégia multissetorial e multinível, segundo João Marcelo, é aquela que abarca uma política em nível país, mas também para estados e suas variações, e depois para os municípios respeitando as microrregiões. “Há região que gosta mais de funk, outra que tem espaço físico de esporte que precisa ser aproveitado. Não adianta pensar em uma estratégia de só um nível, precisa ser multinível e ter uma parte micronível”, orienta.
Outra defesa de João Marcelo e, com certeza, de boa parte da população, é o fortalecimento dos Pontos de Cultura, programa sociocultural criado na gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura e que beneficiou cidades e até aldeias amazônicas. “Não poderiam anunciar um programa em tempo integral nas escolas sem a inclusão de um Ponto de Cultura dentro delas. É uma grande oportunidade para os estudantes e também para os já formados que podem frequentar ali, ressignificando a escola que passa a não ser apenas o locus da obrigação do estudo”, conclui.
Fortaleza, CE, é referência em políticas públicas para os jovens e um dos motivos é o orçamento: este ano, a prefeitura investirá 58 milhões de reais na Secretaria da Juventude, tornando-a a capital com mais recursos para esse público. Como exemplo, a Secretaria Especial da Juventude Carioca, do RJ, cuja cidade tem mais que o triplo de habitantes que a cearense, tem a previsão de receber este ano 33,3 milhões de reais. Outra grande causa de Fortaleza ser referência é o desenho bem estruturado da Rede Cuca (Centros Urbanos de Cultura, Arte, Ciência e Esporte), criada em 2009, e que atualmente possui cinco unidades, todas em regiões periféricas da capital cearense — Barra do Ceará, Mondubim, Jangurussu, José Walter e Pici, com mais uma em construção.
A Rede Cuca é mantida pela Secretaria Municipal da Juventude e a gestão é do Instituto de Cultura, Arte, Ciência e Esporte (IC Fortaleza), tendo um contrato de gestão de 32 milhões de reais por ano, quase o valor total que a cidade do RJ destina a esse grupo.
“Os equipamentos da Rede Cuca são localizados em áreas de baixo IDH, em locais onde há a maior população jovem da cidade, e também nas regiões cujos índices de homicídios e violência são maiores entre os jovens”, esclarece o secretário da Juventude de Fortaleza, Davi Gomes.
Cada unidade/equipamento da Cuca possui salas multiuso, estúdios de rádio, música, TV e fotografia, salas de artes cênicas, teatro, cinema, ginásio poliesportivo, piscinas semiolímpica e infantil, quadra de areia, salas de artes marciais e biblioteca. Há também presença de psicólogo e projetos nas áreas de direitos humanos, meio ambiente, esportes, trabalho e empregabilidade, artes e cursos de formação em comunicação, tecnologias e linguagens. Mensalmente, são ofertadas gratuitamente mais de 6 mil vagas em cursos de formação e esportes e a Rede toda atende cerca de 40 mil pessoas.
“A Rede Cuca talvez seja a política mais longeva em relação às redes de equipamentos voltadas exclusivamente para a juventude no Brasil. Ela é pioneira e a maior rede de equipamentos voltados para essa faixa etária no Brasil”, garante o secretário Davi Gomes, o qual afirma que o modelo da Cuca é baseado no protagonismo juvenil, uma vez que há conselho de jovens e o programa Comunidade em Pauta, que realiza reuniões mensais em todas as unidades com coletivos juvenis.
Segundo o secretário Davi Gomes, um dos maiores obstáculos da Rede Cuca é aplicar e desenvolver uma política pública que melhore todos os aspectos sociais da vida do jovem em situação de vulnerabilidade extrema. “As juventudes sofrem com problemas de vulnerabilidade social, vulnerabilidade territorial, vulnerabilidade de protagonismo e, muitas vezes, não chegam a ter acesso às políticas de bem-estar social oferecidas pelo equipamento. O maior desafio é como adentrar e oferecer para os jovens oportunidades que vão além das que já são oferecidas”, analisa.
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Davi Gomes se preocupa com o aumento das facções criminosas, que tem gerado mais violência e contato com as drogas — não só em Fortaleza, mas em outras regiões do país —, contudo, são questões que fogem da responsabilidade da prefeitura, mas que atrapalham para uma melhor efetivação dos projetos.
Se o sentimento de injustiça e tristeza por ainda tratarem a invasão do Brasil de descobrimento são grandes entre os povos indígenas, imagine o desafio que é lutar contra a invasão de território, assassinatos, preconceito, exigir educação escolar indígena e diferenciada e outras violações das mais variadas. Com os direitos negados e a imposição de um único modo de vida, o capitalista, falta perspectiva de vida para eles.
“Hoje, vejo os nossos jovens indígenas mais tristes por presenciarem tanta violência, tanta intolerância e falta de respeito. A discriminação atinge o espírito do nosso povo”, desabafou, em um evento da revista Educação de 2022, Marcio Vera Mirim, cacique Guarani Nhandeva da aldeia Yvy Porã, da Terra Indígena Jaraguá, SP.
Com base em mais de 1 milhão de dados, pesquisa recente da Fiocruz Bahia em colaboração com pesquisadores de Harvard alerta que de 2011 a 2022, no Brasil, a taxa de suicídio entre as juventudes cresceu 6% ao ano e autolesões entre pessoas de 10 a 24 anos aumentaram 29% ao ano no mesmo período. Ao olhar os dados por pessoas brancas, amarelas, negras e indígenas, o número de suicídios e autolesões entre povos indígenas é o maior, com mais de 100 casos a cada 100 mil pessoas.
É no Mato Grosso do Sul que parte dos Guarani Kaiowá luta contra um etnocídio. Expulsos de suas terras, há quem fique na beira da estrada. Houve casos de pistoleiros a mando de fazendeiros que chegaram atirando em áreas retomadas pelos indígenas, matando e ferindo. Tais atrocidades podem voltar a acontecer a qualquer momento.
Após passagem pelo Brasil em maio do ano passado, inclusive onde vivem os Guarani Kaiowá, a subsecretária-geral das Nações Unidas e Assessora Especial para Prevenção do Genocídio, a queniana Alice Wairimu Nderitu, declarou publicamente: “Eles são discriminados no acesso a serviços básicos. Fiquei chocada com a extrema pobreza deles…Enquanto estive no Mato Grosso do Sul, recebi vários relatos e testemunhos do tratamento humilhante e degradante recebido pelos Guarani Kaiowá, o que leva a um intenso aumento de suicídios entre os jovens dessa comunidade… Agricultores pulverizam pesticidas nocivos em suas plantações, que são inalados pelo povo Guarani Kaiowá, causando sérios problemas de saúde e morte de crianças. A taxa de mortalidade infantil aumentou significativamente, segundo a OMS”.
A professora Tainara Castelão Ricardo tem 28 anos e é do povo Guarani. Ela vive na aldeia Te’yíkue, dos Guarani Kaiowá, localizada em uma reserva indígena criada em 1924 em Caarapó, Mato Grosso do Sul. “Aqui na tehoka [aldeia na língua tradicional], os jovens e adolescentes têm sonho. Mas sem suporte é difícil. A falta de atenção para esse público-alvo é grande. Principalmente no suporte para faculdade, no requisito transporte. Muitos passam no ensino superior e não vão adiante por conta da parte financeira. Aí tem que escolher entre trabalhar, trazer algo pra casa ou correr atrás de seus sonhos.”
“Meu sonho é que a juventude tenha espaço no mercado de trabalho, consiga concluir a faculdade. Tenha um suporte para seus sonhos”, compartilha a indígena Tainara Castelão.
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