NOTÍCIA
Estudo do Insper mostra que investimento é importante, tanto que traz resultados, mas não garante a reversão do grave quadro de jovens fora da escola ou prestes a saírem. É preciso um conjunto de ações
Ao final deste ano, se permanecer a história contada pelas estatísticas oficiais, perto de 700 mil estudantes do ensino médio terão sido reprovados ou simplesmente abandonado a escola pública. Parte deles engrossará a fileira dos chamados nem-nem, jovens entre 15 e 29 anos que não trabalham ou estudam, um contingente, segundo o IBGE, de 11,5 milhões de pessoas, maior do que a população de Portugal. Em 2022, apenas 67,3% dos jovens de até 19 anos tinham conseguido completar o ensino médio. Na tentativa de conter esse cenário trágico, agravado nos anos de pandemia, um número crescente de estados vem lançando programas de bolsas estudantis. Inclusive, está em estudo no Ministério da Educação um programa nacional no mesmo sentido.
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Em linhas gerais, o desenho dos programas se assemelha: são transferências de renda de R$ 100,00 a R$ 500,00, que chegam aos estudantes do ensino médio — universalmente ou com foco nos mais vulneráveis — com o duplo objetivo de estimular a frequência e melhorar o desempenho escolar. Todos trazem, em sua origem, a necessidade de reforçar o suporte social dado às famílias, diminuindo a pobreza e remediando o impacto do desemprego e da crise, efeitos colaterais da covid-19.
Agora, a eficácia das políticas começa a ser avaliada por formuladores de políticas públicas, pesquisadores e institutos de pesquisa. As primeiras análises mostram que os programas de bolsa têm efeito rápido e positivo, devem permanecer, mas não serão a bala de prata para reter os adolescentes na escola. Um dos mais completos trabalhos a respeito será publicado em breve. Trata-se do estudo Desenho de programas de bolsas de estudos para redução da evasão escolar no ensino médio, realizado pelos pesquisadores Ricardo Paes de Barros, Laura Muller Machado e Laura de Abreu, do Centro de Evidências da Educação Integral do Insper.
O estudo fez uma revisão de 2,1 mil estudos internacionais sobre o impacto de políticas de bolsa, mas apenas dois deles foram produzidos no Brasil. De acordo com a pesquisadora Laura Muller Machado, estima-se um impacto médio de 8 pontos percentuais de aumento sobre taxa de conclusão.
“Ou seja, é um remédio que ajuda, mas não resolve em um país com taxas de evasão muito elevadas, como é o caso do Brasil”, diz.
Entre as experiências brasileiras, o estudo considerou o Programa Renda Melhor Jovem, do Rio de Janeiro, que registrou a elevação em 9,5 pontos percentuais da taxa de aprovação, a redução da reprovação e do abandono em 3,9 e 5,6 pontos percentuais, respectivamente.
Como seria de esperar, o valor importa. Segundo o estudo, a cada R$ 100,00, o efeito almejado dos programas de bolsa tem um impacto suplementar de 2,8 pontos percentuais.
O estudo do Insper traz, também, um conjunto de recomendações para os estados — e chegou a oferecer uma ferramenta para cálculo do impacto de futuras iniciativas em um curso especialmente desenvolvido para os gestores estaduais. O trabalho foi apresentado ao Ministério da Educação em junho.
Mas, ao mesmo tempo, as evidências mostram que é preciso investir simultaneamente na qualidade da escola. “Não adianta pagar se a escola continua ruim”, alerta Laura Muller. Além disso, não pode ser um controle de mentirinha. Os estudos mostram que as redes precisam impor (e cobrar) contrapartidas dos jovens. “A bolsa é menos efetiva se não houver uma checagem do cumprimento das contrapartidas. A ação precisa ter consequência”, diz.
Conforme Laura, não se pode afirmar que políticas de bolsa para o ensino médio configurem uma tendência internacional. No exterior, a maior parte das iniciativas analisadas tiveram início anterior à pandemia, e, no Brasil, o receio de uma evasão descontrolada a partir da covid-19 foi o grande impulsionador das políticas.
Hoje, pelo menos uma dezena de estados deram início a programas de transferência de renda para estudantes do ensino médio. Goiás, por exemplo, lançou o seu programa em novembro de 2021. “O objetivo era diminuir a evasão e atenuar os efeitos econômicos”, conta Márcio Capitelli, superintendente do Programa Bolsa Educação. Segundo ele, Goiás tem perto de 200 mil alunos nessa etapa escolar, e todos recebem R$ 111,92 mensais, atendendo a dois critérios: 75% de frequência e média escolar equivalente a 6,0. O estado comemora 6% no aumento da frequência, e registrou o segundo menor índice de abandono no último Censo Escolar, em comparação com os demais estados brasileiros.
Conforme relatórios internos, cerca de 70% dos recursos recebidos pelos estudantes são gastos com alimentação. “Ao mesmo tempo que se faz um incentivo à aprendizagem, chega-se com mais apoio às famílias”, considera o gestor. Por isso, Goiás agora trabalha na extensão do programa também para todos os alunos do 9º ano do ensino fundamental. Proporcionalmente aos demais investimentos, os programas não têm peso excessivo nos orçamentos estaduais da educação, avalia Capitelli. Para ele, o custo-benefício é muito bom.
Por isso, muitos estados estão aderindo às iniciativas, alguns focando o público já cadastrado em programas sociais, outros universalizando a transferência de renda.
Em Santa Catarina, o programa Bolsa Estudante oferece aos alunos previamente incluídos no Cadastro Único Federal um auxílio anual de até R$ 6.250 em 11 parcelas. Em Alagoas, um dos programas mais intensivos, o Cartão Escola 10 chega a todos os estudantes em três modalidades: são R$ 150,00 para os alunos da rede estadual de ensino integral com frequência mínima de 90%; R$ 100 para os de ensino médio regular com frequência mínima de 90%, e uma bolsa-conclusão, que dá R$ 2 mil para os concluintes do 3º ano. O programa alagoense recebeu, inclusive, o Prêmio Darcy Ribeiro, concedido pela Câmara dos Deputados.
Prestes a completar 18 anos, Jean Vitor recebe R$ 150,00 do governo de Alagoas. “É significativo. Minha mãe e pai não podem dar esse valor na minha mão.” Questionado sobre o que já fez com o dinheiro, conta que experimentou comidas diferentes, adquiriu fantasia e ainda conseguiu juntar para a compra de um notebook. Ele está no 3º ano do ensino médio em tempo integral da Escola Estadual Prof. José da Silveira Camerino, em Maceió. “Com a pandemia, o pessoal não queria voltar para a escola. Quando lançaram esse projeto, no final de 2021, muitos retornaram”, recorda.
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Jean também participa de outra iniciativa do governo, o Programa Professor Mentor, que lhe oferece R$ 250,00. “Fui monitor da coordenação, auxiliava outros alunos monitores. Agora consegui a monitoria da sala.” Ainda este ano pretende prestar Enem, pois está de olho no ensino superior, quer fazer serviço social.
Já um estudante do 1° ano de uma outra escola de Alagoas, e que preferiu ocultar o nome, diz: “É um bom incentivo, principalmente no combate à evasão escolar. O ponto negativo é o atraso que de vez em quando acontece”.
Programas de transferência de renda são importantes, ainda mais em um país com problemas estruturais como o Brasil, mas sempre exigem cuidados, alerta o pesquisador Thomaz Edson Veloso, doutor pela Universidade de Copenhague, na Dinamarca, e consultor para a implementação do novo ensino médio. Na sua visão, todas as políticas do gênero precisam ter mecanismos de controle de qualidade para aferir a eficácia do investimento, e nem sempre isso é feito. “Será que o recurso investido está mesmo melhorando a aprendizagem, aumentando o engajamento? Se essa for a intenção, é preciso ter instrumentos que avaliem isso”, explica.
Sua experiência mostra que o sucesso de políticas semelhantes se deve mais à consistência dos processos de acompanhamento e monitoramento do que ao seu desenho inicial, que não deixa de ser importante. Um exemplo é o próprio controle da frequência pela escola, que não pode ser burlado.
“É o conjunto da obra que dirá se a iniciativa dará certo ou não, mas não pode ter um viés meramente econômico, sem um olhar pedagógico”, acredita. Da mesma forma, alerta Veloso, é preciso ter instrumentos de avaliação da aprendizagem.
Isso tem uma importância imensa em um país com péssimos indicadores de aprendizagem. Segundo dados da avaliação do Saeb de 2021, ao final do 3º ano do ensino médio na rede pública estadual, apenas 30% dos alunos apresentavam a aprendizagem esperada em língua portuguesa, e não mais do que 4%, em matemática. Até 2021, também, o Ideb seguia estagnado, ficando 1 ponto percentual abaixo dos 4.9 projetados em 2005.
Na visão de Veloso, paralelamente a iniciativas de transferência de renda, o país também precisa investir de fato na oferta de educação profissional para que os estudantes possam ser remunerados em trabalho logo após o término do ensino médio. “Isso terá aspectos econômicos e educacionais simultâneos”, avalia.
João Marcelo Borges, gerente de Pesquisa e Inovação do Instituto Unibanco e mestre pela London School, avalia a necessidade de uma política intersetorial e multinível, em três eixos: o educacional, envolvendo ensino médio, educação profissional e ensino superior; o eixo de engajamento e participação, que trata do protagonismo juvenil e dos espaços de expressão e de protagonismo; e o de renda e trabalho. Foi nesse contexto que o Instituto Unibanco apoiou o desenvolvimento de projetos em Alagoas, incluindo o Cartão Escola 10.
Na visão de Borges, a destinação de recursos financeiros para programas de bolsas é apenas parte da solução e está além da responsabilidade única das secretarias de Educação. A integração entre diferentes ações de áreas governamentais diferentes também é importante, e tem seus desafios, como a da governança, do orçamento e do cadastro. Mas, enfatiza, nenhum programa será completamente efetivo se não abrir espaços genuínos de escuta e de participação para os estudantes. “Os jovens não vão se conformar às regras e à oferta das políticas oficiais”, acredita.
Segundo Borges, os governos ainda não acordaram para o fato de que os jovens precisam de políticas próprias e de espaços não governamentais fora da escola, com liberdade, segurança e autonomia para que participem do mundo, sem tutela ou a concessão dos adultos, em seus próprios territórios e a partir de seus próprios interesses. São espaços para a música, teatro, esportes, produção artística, enfim, áreas e projetos dos quais possam se apropriar e construir seus caminhos de expressão.
“Assim, eles deixam de ser vistos como um conjunto e passam a ter nomes. Protagonismo não é elemento de vaidade, mas uma conquista crucial para o desenvolvimento pessoal”, diz.
A seu ver, finaliza, a sociedade e as políticas públicas precisam olhar para os jovens como um caminho para o futuro, e prover condições para que desenvolvam plenamente todas as suas potencialidades — e não se limitar a tratá-los como beneficiários de políticas assistenciais.