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Por Luciana Alvarez*: Estudos em todo o mundo indicam uma alta prevalência de problemas de saúde mental entre universitários. Uma conjunção de fatores contribui para o fenômeno: trata-se de um momento de mudanças na vida, durante uma idade crítica, com uma série de fatores que […]
Publicado em 13/02/2023
Por Luciana Alvarez*: Estudos em todo o mundo indicam uma alta prevalência de problemas de saúde mental entre universitários. Uma conjunção de fatores contribui para o fenômeno: trata-se de um momento de mudanças na vida, durante uma idade crítica, com uma série de fatores que provocam estresse. Ainda que a “culpa” não seja exatamente das instituições de ensino, acaba recaindo sobre elas grande parte da responsabilidade por identificar e encaminhar quem precisa de ajuda, assim como de pôr em prática trabalhos de prevenção.
O psiquiatra espanhol Vicent Balanzá-Martínez é um dos líderes de uma ambiciosa pesquisa sobre o tema. Graças a um consórcio entre dois ministérios e um centro de pesquisas, a Espanha realizou um levantamento de fôlego sobre os sintomas de depressão, ansiedade, insônia e abuso de álcool e drogas nos 1,7 milhão de estudantes de nível superior do país.
Todos os estudantes universitários da Espanha, de instituições públicas e privadas, de graduação e pós, foram convidados a responder uma pesquisa sobre saúde mental no final de 2022. O questionário incluiu perguntas sobre sintomas de depressão, ansiedade, ideias suicidas, insônia, abuso de álcool e drogas, além de variáveis sociodemográficas. O projeto de pesquisa é resultado de uma colaboração entre os Ministérios das Universidades e da Saúde com o CIBERSAM (Centro de Investigación Biomédica en Red de Salud Mental), que é o financiador do estudo. Vicent Balanzá-Martínez, que conduz o estudo, é professor e pesquisador do departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Valência, com Rafael Tabarés-Seisdedos. Participa também Beatriz Atienza na equipe de pesquisa, todos da Universidade de Valência.
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Vicent Balanzá-Martínez trabalha com temas como transtorno bipolar, esquizofrenia, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade em adultos e, desde 2018, tem realizado estudos sobre a prevalência de problemas de saúde mental entre universitários.
Ele conversou com a repórter Luciana Alvarez, em entrevista cujos principais trechos seguem abaixo.
Há dados muito consolidados mostrando que os estudantes universitários são especialmente vulneráveis aos problemas de saúde mental, que esse coletivo tem maiores riscos que a população geral. Um estudo da Organização Mundial da Saúde (World Mental Health Survey) apontou que 35% dos universitários de diversos países apresentavam sintomas de ansiedade ou depressão. Na Espanha, temos um estudo em cinco universidades públicas que chegou à mesma conclusão: um de cada três estudantes teve ao menos um problema de saúde mental nos últimos 12 meses. E entre eles, só um de cada oito recebeu algum tratamento.
É um fenômeno global, embora possa haver algumas diferenças por países. Em países mais vulneráveis a fatores como pobreza, violência e falta de acesso a tratamento, os problemas podem aumentar – mas também aumentam na população em geral desses países, não só entre os universitários.
Sabemos que ter um problema de saúde mental se relaciona com mais dificuldades para estudar e com desempenho acadêmico pior. Acarreta ainda mais dificuldades para encontrar emprego e um pior desempenho profissional. A depressão se associa a um maior risco de suicídio e de abuso de álcool e drogas. Sabemos também que a detecção precoce dá um melhor prognóstico. Então, a detecção é uma oportunidade rara. Nem todos os universitários com problemas de saúde mental buscam e recebem ajuda.
Há muitos fatores interligados. Temos que pensar de uma perspectiva biopsicossocial (fatores biológicos, psicológicos e sociais). É uma etapa da vida crítica em dois sentidos. De uma parte, a maioria das doenças mentais começam na juventude. Um número importante de casos se apresenta antes dos 25 anos. Mas, além disso, o período de trânsito para a universidade coincide com anos de mudanças sociais, econômicas e de autonomia pessoal. Muitos universitários se mudam, vão para outra cidade, deixam suas famílias, assumem mais responsabilidades. Para os sintomas depressivos, há relações semelhantes ao que se dá na população em geral: mais propensão no gênero feminino, para quem sofreu eventos de caráter estressantes no último ano, ter sintomas depressivos prévios.
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Os estudantes têm os estresses acadêmicos como um extra, as cobranças, a insatisfação com os resultados. Também é importante relacionar o aumento dos sintomas com as mudanças nos hábitos de vida saudáveis, que se pronunciam nessa etapa da vida. Em geral dormem poucas horas, passam muito tempo conectados digitalmente, fazem pouca atividade física; os próprios estudos levam a uma vida mais sedentária. Cada vez mais temos dados que relacionam problemas de saúde mental com hábitos de vida pouco saudáveis. Parecem interferir ainda outras variáveis sociais, como preocupações econômicas, a procura por trabalho, a falta de apoio social. Ainda contribuem alguns traços de personalidade.
Não há consenso. Temos estudos que encontraram prevalência maior em cursos como medicina, ou na área da saúde, mas outros não. Sou professor numa faculdade de medicina, onde os estudantes são selecionados com a maior nota de corte. Imagino que no Brasil seja o mesmo. Temos que pensar que ingressam em medicina estudantes com um perfil de personalidade com traços um pouco diferentes… Quem pontua alto tende ao perfeccionismo, ao neuroticismo – e este é um fator de risco.
Também assinalo que as faculdades de medicina são mais competitivas e têm fatores estressantes como grande carga acadêmica, exigência de muito tempo de estudo. Pode ser que tenham menos satisfação com os resultados acadêmicos, porque as expectativas eram mais altas. E ainda situações estressantes como ter de lidar com a morte. Precisamos de mais estudos comparativos. Nossa pesquisa visa contribuir para essa questão. Vamos perguntar por variáveis como horas de estudos, dificuldades para conciliar os estudos com a vida pessoal, a satisfação com a academia, o apoio familiar, problemas psicológicos prévios.
A pandemia agravou os problemas de saúde mental em crianças e nos adolescentes também. Trabalho como psiquiatra em ambulatório e lidamos com um aumento disparado de irritabilidade, ansiedade, autolesões e tentativas de suicídio entre os mais jovens. Alguns estudos apontam um aumento de problemas de saúde mental na pandemia entre os universitários, mas esse não é um problema novo. A pandemia talvez tenha tornado mais visível a magnitude dos problemas de saúde mental entre os universitários.
É importante que a sociedade fale mais, com mais normalidade sobre as enfermidades mentais. À medida que foram se difundindo dados, cifras, o problema entrou na discussão pública. Creio que muitos estudantes universitários ainda não percebem que é algo que pode acontecer com qualquer um, que não deveria ser um motivo de vergonha. A doença mental é como outras doenças, não é algo que se tenha que esconder.
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Falo de conceito de autoestigma, que é um preconceito que uma pessoa tem ao pensar que falar de seus problemas de saúde mental e pedir ajuda profissional é uma demonstração de fraqueza ou fracasso pessoal. O autoestigma é uma das principais barreiras para se pedir ajuda profissional. Quem pensa que vai ser considerado diferente, frágil ou fracassado, não pede ajuda. Se com este estudo contribuímos para a visibilidade do problema, para normalizá-lo, desativar esse estigma, isso já será muito positivo.
O questionário é para todos os estudantes universitários do país, mas não chega diretamente ao email de cada estudante, porque há questões de confidencialidade. Os questionários foram sendo divulgados nas redes sociais dos ministérios, de associações de estudantes e grupos de pesquisa.
Na minha trajetória pesquisando o tema aprendi uma coisa muito importante: temos que encontrar um equilíbrio entre o número de variáveis que quer avaliar e o tempo que se leva para responder. Sabemos que se o questionário é grande demais, a participação diminui. A participação é voluntária – para os estudantes jovens o tempo é muito valioso. O tempo vai variar de acordo com os problemas que o jovem apresenta, mas vai ser em média 12 minutos. Além dos sintomas de problemas, perguntamos alguns dados sociodemográficos e há questões sobre pontos que podem ser variantes de risco e protetoras.
Até agora, a maioria dos estudos era sobre algum sintoma concreto e não incluía todos. Muitos se limitavam a uma etapa do ensino superior, outros a uma só universidade. E praticamente todos eram só de um momento, uma foto fixa. Queríamos fazer um estudo que tentasse superar essas limitações. Como também nos interessa o aspecto longitudinal, as mesmas perguntas voltarão a ser enviadas por volta de março/abril (segundo semestre letivo na Espanha). É pouco tempo, só cerca de seis meses de diferença, mas queremos ver se há alguma variação. Nossa expectativa é seguir realizando pesquisas longitudinais, para ver se alcançamos algum tipo de mudança.
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As instituições têm desenvolvido intervenções e estratégias. Na Espanha, a maioria das universidades dispõem de serviços de apoio para a saúde mental, ou oferta de tratamento psicológico. É sobretudo o que chamamos de atenção secundária: intervêm quando os problemas de saúde mental já ocasionaram uma lesão pessoal ou têm uma interferência na vida cotidiana do jovem. Os estudantes podem se dirigir a esses serviços, mas uma parte importante dos alunos não sabem aonde ir, desconhecem a existência desses serviços. Não sei se é igual no Brasil, mas vejo que uma coisa que as universidades poderiam fazer é divulgar mais a assistência que já oferecem.
A saúde mental é uma preocupação crescente por parte de toda a comunidade educativa. As iniciativas podem vir de várias instâncias, de consórcios de universidades, do governo, ou de cada instituição. Há universidades que têm iniciativas de assistência online ou linhas telefônicas, como na universidade de Glasgow ou o conjunto das universidades de Paris. Em diversas universidades anglo-saxônicas, os estudantes organizam grupos autogeridos de apoio a companheiros – em Oxford, por exemplo, isso já existe há muitos anos. Parecem interessantes as iniciativas dos próprios estudantes, que se organizam em grupos de autoajuda, porque eles detectam os gatilhos. Na faculdade de medicina de Valência, os alunos estão desenhando oficinas para melhorar a gestão de estresse, gestão de tempo, para fomentar hábitos de vida saudável.
Tratar os alunos não é um trabalho dos professores, mas se eles tiverem conhecimento dos locais para atendimento psicológico, podem indicar para os estudantes, dizer a quem pedir ajuda. As faculdades devem organizar atividades de prevenção e promoção da saúde mental. Agora se espera um aumento das intervenções psicológicas online – embora os dados sejam limitados, já há estudos que mostram a eficácia desse modelo. Isso vai facilitar muito que as faculdades cheguem a mais estudantes. E em todas essas questões que comentamos, não nos esqueçamos da comunidade universitária: professores e pessoal de administração e serviços têm problemas de saúde mental próprios.
Atividades pontuais podem ajudar rapidamente, sobretudo se respondem às demandas dos estudantes e se estão dirigidas a melhorar as variáveis mais sérias. Mas todos sabemos que abordar os problemas de saúde mental é uma tarefa de longo prazo, que faz falta um esforço que seja mantido ao longo do tempo, e crie estruturas estáveis destinadas a tratar da saúde mental. E acredito que também priorizar a prevenção dos problemas, a promoção do bem-estar emocional, da vida saudável entre os universitários deve caminhar ao lado da oferta de tratamento quando os problemas aparecem.
Esta entrevista realizada pela jornalista Luciana Alvarez faz parte da edição janeiro/fevereiro da revista Ensino Superior. Leia outros conteúdos sobre a educação superior.