Por Mayara Figueiredo*: Com seu extenso currículo na universidade e em instituições nacionais, Abílio Baeta Neves é um dos três presidentes que mais tempo permaneceram na Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Nos 71 anos da instituição, ele esteve 10 anos como […]
Publicado em 14/07/2022
Por Mayara Figueiredo*: Com seu extenso currículo na universidade e em instituições nacionais, Abílio Baeta Neves é um dos três presidentes que mais tempo permaneceram na Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Nos 71 anos da instituição, ele esteve 10 anos como presidente, o que o leva a concluir com propriedade que as universidades não se dão bem com a instabilidade, e nestes anos recentes elas viveram aturdidas.
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Embora sua atuação tenha sido no ensino superior, preocupa-se também com a educação básica: “Precisamos melhorar a experiência de professores e alunos, que motive e dê instrumentos para a formação em matemática. Sem formação em matemática é difícil fazer ciência, mesmo nas ciências humanas. É preciso fazer com que as crianças e jovens sejam capazes de usar a própria língua. Se elas não a dominam, não se expressam. E aí não conseguem manifestar curiosidade pelas coisas.”
Durante uma hora ele manteve conversa por videoconferência com a repórter Mayara Figueiredo, cujos principais trechos seguem abaixo:
A partir da década de 1960, com a introdução da pós-graduação na universidade brasileira, se institucionalizou a pesquisa. Nesses 60 anos, criamos um sistema nacional de pós-graduação que tem sido responsável pela maior parte das pesquisas no Brasil, tanto básica quanto aplicada. São mais de 7 mil cursos, mais de 200 mil estudantes, integrados internacionalmente. Nossos melhores grupos têm vinculação e expressão internacional; cobrimos todas as áreas e regiões do país com um sistema muito atuante. Há desafios importantes, mas o Brasil tem resultados significativos e um grande potencial.
O Brasil é um país com um ensino básico com deficiências e o ensino médio comprometido por uma série de problemas. Precisamos melhorar a experiência de professores e alunos, que motive e dê instrumentos para a formação em matemática. Sem formação em matemática é difícil fazer ciência, mesmo nas ciências humanas. É preciso fazer com que as crianças e jovens sejam capazes de usar a própria língua. Se elas não a dominam, não se expressam. E aí não conseguem manifestar curiosidade pelas coisas.
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Estamos vivendo uma associação de crise no financiamento (um dos piores momentos) e consequente queda grande na capacidade de produção. Se não temos um sistema com recursos capazes de satisfazer os trabalhos dos pesquisadores, isso causa desânimo. Por conta disso, há falta de perspectivas e a saída de jovens pesquisadores do Brasil, segundo o noticiário. Sem o recurso público, os aportes privados não sustentam um sistema nacional de pesquisa, e hoje estamos numa conjuntura muito desfavorável. Temos uma redução muito grande de projetos de pesquisa sendo apoiados com esses recursos. Mesmo com essas oscilações, a curva era de crescimento contínuo; agora ela está mais embaixo porque a produção brasileira diminuiu e o impacto da produção científica brasileira também caiu. Espero que se possa superar isso logo e voltemos a ter um sistema fluido de financiamento da pesquisa no Brasil, exigente, apoiado na avaliação de mérito e do potencial dos trabalhos.
A Capes tem uma peculiaridade em sua história. Ela surgiu em 1951. Em metade de sua existência teve apenas três presidentes: Anísio Teixeira, fundador, Jorge Guimarães, de 2004 a 2015, e eu fiquei na década de 1990, por oito anos, e depois permaneci mais dois anos e meio. Nos últimos três anos, a Capes teve três presidentes. Isso é um problema de governo. A instabilidade no Ministério da Educação se reflete na Capes. Quando houve estabilidade na Capes é porque houve estabilidade na condução do órgão, do ministério e do governo de modo geral. A continuidade é importante porque o sistema de pós-graduação precisa de estabilidade. A universidade não gosta de instabilidade, não vive bem com turbulências, indefinições e incertezas com relação ao que vai acontecer.
O ponto mais exemplificador dessa confusão é a falta de clareza de como conduzir determinados assuntos, como a questão da avaliação. A avaliação quadrienal dos cursos de pós-graduação de 2017 deveria ter sido concluída na metade de 2021, mas houve uma judicialização do processo. O Ministério Público (MP) acatou documentos feitos pelos representantes de cursos de pós-graduação, inclusive de universidades grandes como a UFMG, e entrou como uma ação pedindo a suspensão do processo de avaliação, pois sofreria mudanças de regras e parâmetros ao longo do próprio processo de avaliação, o que prejudicaria as instituições de ensino. E pode parecer algo como “a administração da Capes não pode controlar o MP”, mas poderia ter atuado, sim, porque o MP andava na Capes desde o final de 2018.
Eu ainda estava lá quando foram pela primeira vez e estabeleceu-se uma rotina de conversa com eles. Depois voltaram em 2019 e 2020 várias vezes, mas durante 2020 a Capes não tinha nem diretor de avaliação, por quase um ano. Como se discute a avalição se não tem nem o titular? Não é que o MP acordou um dia com uma ação contra a Capes. Houve várias tentativas de conversas e isso não aconteceu, nem com Anderson Ribeiro Correia, nem com Benedito Guimarães Aguiar Neto. Isso provoca oscilação orçamentária, instabilidade. Há um entendimento básico, consensual e histórico, entre Capes e MEC, de que o financiamento da Capes para a pós-graduação é fundamental, é prioridade do MEC. Se isso começa a ser posto em questão, então fica difícil. Trocar de presidente não é bom, mas trocar de presidente num cenário em que há outros fatores que afetam a preservação da Capes, cria uma tempestade perfeita.
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O entendimento de que a pesquisa científica e tecnológica é parte constitutiva da missão das universidades nem sempre ajuda a entender a diversidade de perfis e missão de nossas universidades e aparece como algo artificial. Exigir que uma universidade tenha quatro mestrados e dois doutorados é uma exigência arbitrária que pode não refletir real engajamento das universidades com a pesquisa de modo sustentável. Seria melhor aceitar que podemos ter universidades com missões diferentes e cobrar resultados de acordo com a missão declarada. De qualquer modo, há muitas universidades particulares com contribuição significativa para a pesquisa no Brasil. As PUCs têm uma contribuição para a pesquisa importante, algumas são referências nacionais e mesmo internacionais. Há instituições acadêmicas não universitárias, como a FGV e São Leopoldo Mandic em Campinas, também importantes em suas áreas de atuação. Ao contrário da graduação, a pós-graduação e a pesquisa sobretudo precisam de investimentos muito distintos e isso não é rentável, não se paga. Tem que ter o interesse das instituições de investir pelo prestígio, reconhecimento e pela contribuição que podem prestar à sociedade.
Acredito que mesmo que a gente conseguisse fontes privadas consideráveis de financiamento, isso não iria dispensar o financiamento público, de modo algum, sobretudo para a pesquisa básica. Em São Paulo, a Fapesp não faz distinção de pesquisadores de instituições privadas ou públicas, ela investe no projeto do pesquisador, não na instituição, mas deveríamos conseguir mobilizar mais recursos privados. A filantropia privada é responsável por, no mínimo, algo em torno de R$ 3 bilhões e meio dos recursos para o ensino básico porque é o gargalo da educação no Brasil. Mas deveria ser possível convencer uma parcela dos filantropos do setor privado para o investimento na pesquisa. O Instituto Serrapilheira é uma iniciativa do João Moreira Salles, do Unibanco, que criou um fundo patrimonial e sustenta o instituto com o rendimento desse. Um exemplo de investimento privado.
*Esta entrevista, da jornalista Mayara Figueiredo, foi produzida originalmente pela revista Ensino Superior (da plataforma Ensino Superior).
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