Lideranças Pataxó, Huni Kuin, Guarani Mbya, Kumaruara e Aymara revelam o que as motivam a lutar, seus sonhos e obstáculos
Publicado em 08/03/2020
Nascer indígena é sinônimo de resistência. Já as palavras força e mulher caminham lado a lado e se ainda não são sinônimos precisam ser. Imagine agora mulheres indígenas que unem a resistência ancestral de seu povo pelos direitos mínimos como território e respeito, com a luta por igualdade e visibilidade das mulheres de suas comunidades. É potência em dobro e que só de pensar arrepia.
É tempo de somar. É tempo de união. Vivemos o momento da quebra de paradigmas como o de entender o impacto da invasão europeia — e não descobrimento — no Brasil e toda a América e, principalmente, de lutar contra a violência e opressão que a mulher é submetida. Seja resgatando a cultura e transmitindo conhecimentos para sua comunidade ou estando à frente da luta que pede um basta a tamanha violência, esta matéria busca apresentar seis mulheres indígenas que se dedicam a contribuir para o seu povo e, consequentemente, para toda a sociedade.
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Arissana Pataxó, BA, Hamangaí Pataxó Hã-Hã-Hãe, BA, Julieta Paredes, Aymara, Bolívia, Luana Kumaruara, PA, Ara Mirim Sonia Guarani Mbya, SP e Yaka Edilene Huni Kuin, AC, abrem seu coração e revelam sua trajetória.
A seguir, mergulhe no universo de cada uma dessas guerreiras (os textos foram organizados por ordem alfabética respeitando o nome inicial de cada uma). Confira:
É na primeira região brasileira invadida pelos portugueses que Arissana Pataxó veio ao mundo, em Porto Seguro, Bahia. Pataxó é o nome do seu povo. Professora em escola indígena desde os 19 anos, em 2005 iniciou a graduação em Artes Plásticas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador. Hoje, aos 36 anos, é mestra em Estudos Étnicos e Africanos e doutoranda em Artes Visuais, ambos também pela UFBA.
Tamanha dedicação e talento no universo das artes a fez ser indicada ao Prêmio PIPA, uma das principais premiações de arte contemporânea do país, em 2016. Sua primeira exposição, Sob o olhar Pataxó, aconteceu em 2007 no Museu de Arqueologia e Etnologia da UFBA. Mira ! Artes visuais Contemporâneas dos Povos Indígenas, realizada em Minas Gerais e Brasília entre 2013 e 2014 também consta em sua lista, dentre outras. Como professora, trabalhou em quatro escolas indígenas, sendo o Colégio Estadual Indígena Coroa Vermelha, que fica em Santa Cruz Cabrália, Bahia, o atual, mas pretende se afastar para se dedicar ao doutorado, já que o local que dá aula fica há cerca de dez horas de Salvador. Suas aulas se voltam para a arte-educação e o ensino do patxohã (língua originário dos Pataxó).
“Eu penso que a educação escolar foi uma luta dos indígenas mais velhos que reivindicaram a chegada da escola na aldeia por acreditarem que o acesso ao conhecimento, à leitura e à escrita poderiam ajudar na luta. Sou fruto dessa luta que os mais velhos acreditaram. E não só eu, outros professores e estudantes indígenas também são frutos dessa luta coletiva. Lutamos pela garantia do território e fortalecimento da cultura Pataxó – da identidade do nosso povo”.
Arissana sempre gostou de desenhar e pintar, motivo que a levou ao universo das Artes Plásticas. “Na arte o que me inspira é a minha vivência, o cotidiano. Tudo que eu vivo eu coloco um pouco”. Sua pesquisa de doutorado é uma continuidade do mestrado, e aborda as artes Pataxó, cuja produção é ampla e vai do trabalho com semente, fibra à madeira. “Aprendo muito com a pesquisa de campo, principalmente ao entrar em contato com os mais velhos”.
Só a sua trajetória acadêmica já comprova o quanto é uma mulher quebradora de paradigmas, uma vez que, ao pisar na universidade mostra que o ensino superior também é lugar de indígena e que todas e todos são capazes, basta ter oportunidade. É nítido também que essa caminhada não é só uma busca de conhecimento para si própria e sim, uma forma que encontrou de zelar, fortalecer e cuidar dos frutos cujos mais velhos plantaram e que ela transmite por meio de suas pinturas e durante suas aulas para as meninas e meninos Pataxó. Vale destacar que Arissana teve que morar em outra cidade para estudar, contudo, a cada etapa concluída, sempre voltou para sua região de origem para contribuir junto a seu povo. “Eu acredito que os povos indígenas vivem em constante luta, em diversos espaços e lugares. A gente tem que deixar essa luta viva, seja ajudando nas escolas, seja na discussão de políticas afirmativas no âmbito dos estados, universidades e outras instituições. Nossa missão enquanto indígena é esta: ajudar como podemos em questões que a vida nos coloca”.
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O mundo é repleto de diversidade e no Brasil não seria diferente. A jovem Hamangaí, de 22 anos, é um desses exemplos, uma vez que tem sangue Terena pela parte materna e Pataxó Hã-Hã-Hãe pela paterna. Sua avó era benzedeira e deixou um legado para toda a comunidade, trazendo inspiração, fé, coragem e sabedoria para a neta. Para completar, sua mãe é parteira.
Hamangaí nasceu e cresceu na Terra Indígena Caramuru/Paraguassu, no município de Pau Brasil, Bahia. Há três anos saiu da aldeia e hoje faz Medicina Veterinária na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), contudo, sempre que pode volta para casa. Foi em sua primeira participação no Acampamento Terra livre em Brasília, em 2015, que sentiu a importância da luta dos povos indígenas e o quanto ela também precisava contribuir. Já em 2016, conheceu o Engajamundo, rede brasileira de jovens que dissemina mudanças em seus entornos. Foi convidada a entrar e hoje trabalha na área de Clima e Gênero da rede.
Como parte da delegação do Engajamundo, em 2018 foi à Polônia participar da 24ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP24). No ano seguinte, esteve em Roma participando do Villagio Ler La Terra, onde falou para jovens italianos da importância de se unirem em defesa da mãe Terra. Ainda no fim de 2019, foi à Suíça em cerimônia que reuniu jovens mulheres ativistas do mundo todo.
“A luta maior é dentro de casa porque para a minha mãe certos espaços não é para a mulher. O meu pai me incentiva, mas minha mãe não. Isso me deixa mal, porque eu não consigo fazer outra coisa a não ser contribuir em algo. Motivar outros jovens e principalmente outras meninas. Eu nasci para isso. Estou organizando um encontro na minha aldeia para podermos compartilhar experiências e contribuir no protagonismo dos jovens locais em defesa do nosso território e direito. Quero muito que dê certo, pois é uma forma de motivar e encorajar outros jovens.”
Pelo Engajamundo, a jovem liderança vai em escolas falar com meninos e meninas sobre o papel da juventude nas mudanças que almejam. “Essa mudança só vai ser possível quando nós reconhecermos que mudando a si mesmo e se engajando politicamente, os espaços de tomada de decisões, o nosso entorno e nossa realidade pode sim serem mudados. É trabalho de formiguinha, mas é muito importante. Muitos falam que o jovem é o futuro.”
Sobre a mudança que precisa ser feita em relação a como a mulher é vista e tratada hoje, a Pataxó conta que já passou por situações constrangedoras. “Tive um professor que sempre trazia a mulher indígena como um ser exótico a ser explorado. Sem contar que a mulher é sempre deixada de lado, não botam fé no que propomos e tentam nos silenciar. Muitas guerreiras sofrem caladas. É preciso que todos reconheçam a força de nós mulheres. Não importa a idade. É preciso reconhecer essa força ancestral. Não queremos caminhar sozinhas. Os homens precisam caminhar junto conosco, porque só assim vamos avançar.”
Ela também nota que as mulheres precisam ocupar os espaços políticos, ainda dominado por homens. “Nós temos essa força de poder eleger uma mulher e eu estou aqui para fazer esse papel de encorajamento e para que, quem sabe algum dia, eu venha ser uma vereadora também, ou prefeita. Tudo é possível, basta acreditarmos em nós mesmas.”
Outro sonho de Hamangaí é conhecer a pajé Putanny, do povo Yawanawa, localizado na Amazônia Acreana. Putanny quebrou o machismo dentro de sua aldeia e trouxe autonomia para as mulheres, além de abrir espaço para também acessarem práticas espirituais como rapé e ayahuasca.
“Espero muito que algum dia ninguém mais sangre por lutar pelo que acredita e para isso o autocuidado ele precisa ser diário. Fortalecer nosso espírito para que possamos seguir com sabedoria na luta.”
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Igualdade de gênero e a proteção das raízes indígenas da América fazem parte da luta da Aymara Julieta Paredes Carvajal, 50 anos, nascida em La Paz, Bolívia. Poeta, escritora, grafiteira, cantora e compositora, Julieta busca expandir o feminismo comunitário, movimento que ganhou força em 2006 e hoje está presente em seis países da América Latina, propondo novos conceitos de despatriarcalização, sendo um contraponto à visão dominadora eurocêntrica.
“O feminismo tem data de nascimento que é a Revolução Francesa [1789] e surge com a proposta de igualdade das mulheres burguesas da França. Tem sua razão de ser na Europa. Sendo assim, o feminismo é fundamentalmente eurocêntrico. Para nós que somos de outro território e que os invasores chamaram de América, mas que chamamos de Abya Yala [Terra Viva para o povo Kuna], é muito importante falarmos com base em um pensamento próprio e em sintonia com a nossa origem. Quer dizer, somos feministas, mas feministas comunitárias porque a nossa luta não teve início na Revolução Francesa. Lutamos contra um patriarcado colonizador desde quando os espanhóis e portugueses invadiram o nosso território. Não estamos fazendo competição com as feministas, estamos colocando nossa proposta como mulheres indígenas que lutam contra o machismo dentro do universo indígena, mas também desde as invasões territoriais.”
Esse feminismo comunitário, Julieta explica que é para todas as mulheres, indígenas, brancas e negras e não é uma forma de ir contra a Europa, mas sim, de mostrar que houve violência e quebrar paradigmas impostos. “Também escrevemos livros, fazemos encontros de mulheres, atividades educativas, trabalhos com a saúde, alimentos e música.”
Quando uma mulher ama
A Terra faz
Além de rotações e translações
Revoluções
Poema do movimento que Julieta participa e que está espalhado em grafites pelas paredes da Bolívia.
“O meu sonho é ver minhas parentas bem. O dia em que eu chegar em uma aldeia e elas não me procurarem pedindo socorro, querendo uma orientação e não existir mais violência aos seus corpos pelo simples fato de serem mulheres estarei feliz. Mas isso tudo só quando acabarem as denúncias, os casos de assédio, estupro e morte”, conta emocionada Luana Kumaruara, da aldeia Solimões, localizada às margens do rio Tapajós, na Reserva Extrativista (RESEX) Tapajós Araipiuns, Pará.
Aos 34 anos, Luana é uma das lideranças indígenas de seu povo, os Kumaruara, e integrante do Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI) de sua região. Ano passado se tornou a primeira indígena graduada em Antropologia na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Santarém, e no mesmo ano emendou o mestrado também em Antropologia, mas na UFPA (Universidade Federal do Pará), em Belém, sob uma pesquisa voltada à rede de mulheres indígenas na região do rio Tapajós.
A porta de entrada na UFOPA aconteceu em 2012, pelo Processo Seletivo Especial Indígena, que pede uma declaração assinada pelas lideranças da aldeia. “Eu digo que esse é o primeiro compromisso formal que temos com o nosso povo. Porque antes da gente pedir a carta, a gente passa por uma assembleia na aldeia e explica os motivos de querermos ir à universidade. Disse que queria estudar Antropologia para ter conhecimento para ajudar nosso povo. Isso cria um laço, um compromisso com a luta. Quem ama seu povo sela e honra esse compromisso.”
De 2014 a 2016, enquanto coordenadora do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), que responde por 13 etnias do Baixo Tapajós, acompanhou muitos casos de violência contra a mulher, sem contar o não respeito à voz das mulheres durante as reuniões. “Quando teve outra assembleia do CITA eu não quis mais ficar na coordenação e firmei o compromisso de ativar um Departamento de Mulheres do CITA para fortalecer nossa autonomia. Há um tempo já teve um grupo de mulheres, mas não tratava da violência. Elas se reuniam para fazer e vender artesanatos e remédios caseiros. Era uma forma econômica e não tinha um alinhamento político.”
Em 2016, dedicou-se ao trabalho de base nas aldeias e já no ano seguinte aconteceu três encontros de mulheres indígenas. A região que Luana atua é grande, com 70 aldeias em 18 territórios, contudo, não foi impedimento para que, com apoio de outras mulheres, organizassem oficinas, rodas de afetividade, discussão sobre violência, Lei Maria da Penha e demais direitos. Em 2018 acontece a primeira assembleia das mulheres indígenas do Baixo Tapajós, momento em que o Departamento de Mulheres é ativado. “Não quis ficar à frente do Departamento porque todas essas ações que fizemos tiveram resultado. As mulheres começaram a denunciar e isso incomodou os homens indígenas e não indígenas. Sofri ameaças e outras questões, todas relacionadas ao machismo. Mas hoje já superei. Na verdade, superamos, pois tudo o que passei minhas parentas sentirem junto comigo. Foi massa porque sem saber que isso ia acontecer a gente já estava fortalecida. Eu tinha um exército de mulheres para me defender e hoje temos o nosso espaço, temos nosso lugar de fala, respeitam nossa posição, quem somos, o que queremos e para onde vamos. É um processo que ainda estamos trabalhando, mas que já mudou muito o cenário aqui dentro do movimento indígena.”
Esses relatos são contados por Luana com a voz trêmula, emocionada, afinal, ao se deparar com tamanhas injustiças seu corpo vibrou e ainda vibra por mudanças. Outra inquietude da guerreira paraense é com a falta de acolhimento das universidades com as estudantes mães. Seus filhos, Yara, cinco anos, e Kauê, três anos, nasceram durante a graduação, período em que ela também se separou do marido. Luana sente falta de uma estrutura oferecida pelas instituições de ensino superior, como uma creche.
“Não falo nem pela questão das indígenas e sim, pelas diversas mães que entram na universidade, mas que acabam abrindo mão de seu sonho para cuidar dos filhos e da casa. Sem contar que para mim foi uma decisão muito difícil iniciar o mestrado ano passado na UFPA, em Belém, já que a UFOPA não oferta. Minha mãe e irmã me apoiaram e disseram que cuidariam dos meus filhos para eu ir. Nisso, passei por julgamentos de outras pessoas, até mesmo de mulheres que diziam que eu não tinha amor pelos meus filhos porque estava os deixando. O pai dá suporte financeiro, só que é professor nas aldeias e não para na cidade, mas sempre que pode fica com nossos filhos. Mas é isso, ele nunca foi julgado por isso, já eu sim. Só que pensei: eu tenho uma filha mulher que é a Yara e se eu desistisse dos meus sonhos eu diria o que para a minha filha lá na frente, quando ela se entendesse? Que a partir do momento que a gente é mãe a nossa vida acaba ali, a gente não pode realizar nossos sonhos porque os filhos atrapalham? Não foi isso que eu tomei para mim. Então ignorei todas as críticas, todos os apontamentos que fizeram para mim e segui atrás do meu sonho. Agora já faz um ano que estou na UFPA.”
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São Paulo é um dos maiores estados do mundo e um dos carro-chefes da economia brasileira. Por isso, muitos brasileiros e estrangeiros acreditam que nesse território não existe mais indígenas e se existem perderam a cultura. Contudo, e muito pelo contrário, os Guarani Mbya resistem firmemente em diversas áreas, como é o caso da Terra Indígena Jaraguá, localizada na Zona Norte da capital, a menor área indígena demarcada do país. Sobreviver entorno da realidade urbana não é tarefa fácil. Seus direitos estão a todo instante ameaçados, forçando os Guarani a ficarem atentos. É nesse contexto de luta por dignidade que algumas lideranças indígenas se destacam, como a Ara Mirim Sonia, da aldeia Tekoa Ytu. Ara Mirim que aceitou participar da reportagem, mas por conta de neste momento seu povo estar ocupando uma área vizinha à aldeia, cuja construtora Tenda derrubou mais de 500 árvores e anunciou a construção de prédios na área, a jornalista não conseguiu mais contato. Assim que a comunicação for feita este texto será atualizado.
Vale lembrar que a ocupação acontece porque os Guarani Mbya alegam que a Tenda não realizou nenhum estudo de impacto socioambiental do empreendimento na comunidade indígena e que a construção se desdobrará em um impacto negativo para o modo de vida de seu povo.
A Floresta Amazônica acreana, no rio Jordão, localizado no município que leva o mesmo nome, é a morada de Yaka Edilene Sales, do povo Huni Kuin. Yaka tem 22 anos, é da aldeia Chico Curumim e junto de sua irmã Daní Rita Sales, de 24 anos, são jovens lideranças que ajudaram a criar em 2012 e, oficialmente em 2014, o Kayatibu, coletivo de jovens indígenas Huni Kuin que fortalecem a cultura de seu povo na música, pintura e palestras de conscientização, seja sobre a cultura, seja sobre igualdade de gênero. A sede do grupo é no município do Jordão, local que a todo instante seu povo transita e, assim como acontece com outras etnias, com o contato da cidade o acesso ao álcool chega, distanciando, em muitos casos, os indígenas de suas práticas culturais.
“A gente incentiva e fortalece os jovens, principalmente os que estão perdidos na cidade. Criamos o Kayatibu com 35 pessoas e hoje cada aldeia também tem seu grupo. Ficamos felizes quando vemos esses movimentos se espalhando. Pessoas que bebiam álcool não bebem mais. Hoje em dia o conhecimento da cultura está dentro de cada um, tomamos ayahuasca, nossa bebida sagrada e quando os jovens vêm para a cidade nem ligam para a bebida, ou bebem pouco, mas não como era na época.”
O machismo também está presente no universo Huni Kuin. “O conhecimento que vamos tendo também buscamos mostrar para os homens, como não separar as mulheres dos homens em algumas atividades. Agora eu também quero trabalhar ainda mais com as meninas para juntas a gente mergulhar mais em nossos conhecimentos e direitos.”
Outro papel do grupo é o contato com os não indígenas para estabelecer conhecimento e parcerias. “Hoje em dia estamos em um novo tempo, nova era, que em nossa língua chamamos de xinã bina, em que trabalhamos juntos com os nossos irmãos nawa [não indígena] . Para poder trabalhar com o nawa a gente tem que ter comunicação boa, qualidade para que a gente possa entender também os projetos, se não a gente não tem como se comunicar.” Yaka conta também que os moradores não indígenas do Jordão têm preconceito com eles indígenas e uma das missões do Kayatibu é acabar com isso.
Yaka não guarda toda essa conquista como um resultado exclusivo dela. A indígena sabe e deixa claro que é fruto de um resgate que seu pai, o artista Ibã Sales e outras lideranças mais velhas deixaram e que hoje ela e os demais jovens da aldeia fortalecem. A jovem de apenas 22 anos é também pintora e costuma traduzir em arte a origem e o universo espiritual de seu povo. Como artista e junto com outros Huni Kuin, pintou em 2017 as paredes do Itaú Cultural, em São Paulo, para a mostra Una Shubu Hiwea – Livro Escola Viva do Povo Huni Kuĩ do Rio Jordão e no ano seguinte, teve suas pinturas expostas na Galeria Estação, também em São Paulo.
Contudo, todo esse caminho que, tanto Yaka quanto sua irmã Daní percorreram (Daní também participou das dessas duas exposições), foram repletos de julgamentos. “Quando começamos, muita gente nos julgou por sermos mulheres e que por isso não podíamos fazer essas coisas, falavam que era trabalho para homens. Só que nunca demos ouvidos e sempre seguimos o que sentimos. Desde pequenas nós sempre fomos diferente das outras meninas, por exemplo, as mães das outras falavam que elas não podiam brincar de algumas coisas porque era só para menino e elas escutavam. Só que a gente não. A gente brincava mesmo assim. Pior que a gente não sabia que a mulher tem voz. Se a gente soubesse antes, desde pequenininhas, estaria mais diferente.”
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