NOTÍCIA
Olivio Jekupe defende uma literatura nativa, escrita pelos povos originários e da qual ele a representa com 17 obras com ênfase no universo Guarani
O Dia do Índio é todo dia, mas no calendário a data é oficializada em 19 de abril. Em uma sociedade cuja maioria das pessoas ainda diz que o Brasil foi descoberto, no lugar de invadido, a importância de conhecer a luta, a sabedoria e respeitar a diversidade dos mais de 300 povos originários é essencial, ainda mais quando se atua na área educacional.
Educação entrevistou o professor e escritor Olívio Jekupe, originário do povo Guarani Nhandeva, no Paraná, e que atualmente vive junto aos Guarani Mbya na aldeia Krukutu, localizada na região de Parelheiros, São Paulo.
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Jekupe é autor de 17 livros, dentre eles: a Ajuda do saci Kamba’i (ed.DCL), com edição bilíngue, em português e guarani, e que apresenta a história de Verá, uma criança indígena que queria estudar na escola de não indígena. Já em Xerekó Arandu – a morte de Kretã (ed. Peirópolis), Jekupe conta de sua viagem ao Paraná e apresenta ao leitor Ângelo Kretã, cacique do povo Kaingang, reconhecido pela coragem de lutar pela terra de seu povo e união dos povos indígenas.
O que significa Jekupe?
No mundo Guarani há vários deuses, como Tupã que é o Deus Trovão e Kuaray que é o Deus Sol. Jekupe é uma dessas entidades e é um apaziguador.
Qual a importância de escrever sobre a sabedoria Guarani para os juruá (não indígenas)?
Eu sei que escrever sobre os índios eles [não indígenas] escrevem desde 1500, só que em alguns casos escrevem o que pensam sem conhecer a realidade indígena. E é essa minha preocupação, porque não é só escrever sobre índio. Tem gente que escreve sobre o indígena sem nunca ter ido a uma aldeia, sem nunca ter tido contato com alguma comunidade indígena, quer dizer, são pessoas que não têm noção do que são povos diferentes, o que é uma etnia, como se vive um povo indígena. Por isso que acho que a literatura nativa, escrita pelos indígenas, tem esse grande valor que é trazer conhecimento com mais qualidade.
E quando e por que o senhor começou a escrever?
Comecei a escrever em 1984, era garoto, via muitos problemas que acontecia no Brasil e escrevia histórias críticas. Só que passei muito tempo sem experiência de como publicar um livro e quando comecei a ter um pouco de experiência percebi que não adiantava tentar publicar livros críticos para jovens e adultos porque as editoras não queriam e na época não tinha ou não se conhecia escritor indígena. A partir de 2000 comecei a pensar em uma literatura infantil. Então hoje escrevo mais literatura infantil e acho importante mostrar o nosso conhecimento e histórias para a sociedade porque às vezes as pessoas não têm noção e é por isso que falo literatura nativa, que é diferente da literatura indígena.
Por meio da literatura nativa as pessoas começam a valorizar mais o nosso pensamento, porque começam a entender melhor o nosso modo de vida e de ver o mundo.
O senhor explicou a importância da literatura nativa, escrita por indígenas, para os não indígenas. E para os indígenas, qual a magnitude?
Na minha casa todo mundo é escritor, meus três filhos homens já têm livros publicados e minha mulher também.
Hoje em dia temos escolas dentro das aldeias e eu acho muito importante surgirem escritores indígenas para suas obras chegarem às nossas escolas. Todo ano o governo do estado distribui na aldeia um monte de livro que vem da cidade e se os professores só trabalharem com esses livros escritos em português e fora da nossa realidade pode prejudicar nossas crianças que possuem o modo de vida Guarani. Os nossos pequenos precisam escutar e ler histórias Guarani e de preferência em guarani. Então eu acho que esses livros poderiam vir nas duas línguas e chegar também na cidade para as pessoas saberem que índio tem capacidade de escrever.
Já que estamos falando de escola, qual a relevância das suas obras e de outros indígenas para os professores da cidade?
Acredito que o meu trabalho pode ajudar os professores a terem mais conhecimento da cultura Guarani porque no Brasil os professores sabem pouco da cultura indígena. E por saberem pouco eles criam imagem e começam a fazer histórias acompanhando livros que às vezes falam absurdos e fazem com que eles cometam erros. E a literatura nativa tem essa missão de trazer também conhecimento para professores conversarem com as crianças.
Na Copa do Mundo de 2014, na Arena Corinthians, seu filho e rapper Werá Jeguaka Mirim, estendeu uma faixa vermelha escrita “demarcação já”. Para os povos indígenas, qual a importância da terra ser demarcada?
Eu não sabia da faixa, ele combinou com o cacique Fabio e não em falaram porque acharam que eu poderia ficar com medo e não deixar. Foi uma surpresa e hoje fico orgulhoso e damos até palestras.
A demarcação é importante para nós indígenas, mas é importante para todo o mundo porque enquanto o branco vive destruindo a floresta e, mesmo a gente recebendo o título de vagabundo, a gente preserva a natureza. O branco, o fazendeiro faz com que a floresta suma e vire deserto, então a demarcação é importante para todo mundo.