NOTÍCIA

Arte e Cultura

Autor

Laura Rachid

Publicado em 26/01/2019

Livro recém-lançado abre espaço para indígenas relatarem suas lutas

‘Literatura indígena brasileira contemporânea’ traz falas de mais de cinco lideranças indígenas e discute a importância desse tipo de literatura para o movimento indígena e sociedade

O Brasil não tem raízes só portuguesa, italiana, japonesa ou de origem africana. Antes de tudo o Brasil foi e ainda é indígena. A “descoberta/colonização” do país — que na verdade deve-se falar invasão, indiocídio, etnocídio — ocorreu há quase 519 anos e ainda hoje o indígena é praticamente apagado da história contada na escola e, consequentemente, apagado da sociedade.

A história contada na sala de aula, de maneira geral, é sob a visão europeia, etnocentrista. Livros como o recém-lançado Literatura indígena brasileira contemporânea: criação, crítica e recepção (Ed. Fi), traz um pouco de luz para uma sociedade que muitas vezes parece cega, uma vez que não consegue valorizar e ter orgulho de suas próprias raízes.

A obra de 428 páginas e cuja arte de capa foi feita pelo artista indígena Denilson Baniwa (um dos idealizadores da Radio Yandê, a primeira rádio digital indígena do país) é dividida em três partes. Nos primeiros capítulos, o espaço individual de fala é de lideranças indígenas, como Ailton Krenak, Márcia Wayna Kambeba, Olívio Jekupe, Cristino Wapichana e Daniel Munduruku, que expõem um pouco da luta de seu povo pelo mínimo: dignidade.

Resistência

“A história e seus processos colonizadores foram contados “de fora”, não contemplando a voz do indígena e dentro de um lugar que construiu uma imagem antagônica, pejorativa e inferiorizada dos povos originários. Esse caminho de longa duração construiu uma imagem nacional deslocada da memória e da contribuição dos povos indígenas — tão necessária ao fortalecimento da identidade brasileira”, explica o artista indígena Denilson Baniwa, que complementa que “está na hora de mudar equívocos e reparar os danos que são perpetuados até hoje e este livro é uma prova de como os indígenas estão preparados, só lhes faltava uma oportunidade.

Baniwa é o nome de uma das mais de 300 etnias indígenas presentes no Brasil e a qual Denilson pertence. Indagado sobre a representação da arte da capa do livro, que possui lápis, pincel e flecha, o indígena explica que quis representar como os povos ainda possuem suas identidades firmes mesmo acessando o universo do homem branco.

“A capa desse livro objetiva contar esta narrativa do ponto de vista indígena, pois por motivos diversos nós indígenas tivemos que nos adaptar e aprender estas ferramentas para sobreviver — ir à universidade e dominar as linguagens sem esquecer quem somos. A ilustração é a representação disto: de como os indígenas conseguem manter sua cultura ao mesmo tempo que podem acessar conhecimentos não indígenas, incluindo conhecimentos considerados intelectuais como a literatura e arte”, conclui Baniwa.

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Literatura indígena

A literatura indígena desenvolvida na década de 90 nasce de dentro do movimento indígena como mais uma ferramenta de luta para a sociedade compreender as injustiças que ocorreram e continuam ocorrendo com os seus povos. É uma forma de ativismo cuja voz daqueles que sempre foram massacrados agora podem ser ouvidas.

Em um dos parágrafos de considerações iniciais da obra, há a seguinte explicação: “É nesse sentido que a literatura indígena não é um fim em si mesmo, senão um meio para uma práxis político-pedagógica de resistência, de luta e de formação em que as diferenças assumem protagonismo central e escrevem outras histórias do Brasil, seu passado e presente, nos convidando a pensar o país a partir de sua condição como minorias, como diferenças. Por outras palavras, além de um fenômeno estético-literário singular, merecedor de avaliação e de publicização, além de uma estrutura paradigmática alternativa às formas paradigmáticas calcadas na racionalização, a literatura indígena é também práxis político-pedagógica de resistência e de luta, marcada pelo ativismo, pela militância e pelo engajamento das próprias vítimas de nossa modernização conservadora.” A segunda parte aborda textos teóricos de não indígenas e a terceira pesquisadores também não indígena avaliam os textos escritos por indígenas e não indígenas.

“Lembro, em primeiro lugar, que as raízes da história do Brasil estão fundadas na guerra de conquista do Estado se consolidando em cima dos nossos territórios, tomando os nossos lugares de riqueza e de fartura e nos reduzindo a lugares que são chamados de parques, reservas, aldeias ou terras indígenas. Isto já é uma redução absoluta do sentido de liberdade, de soberania e de qualidade de vida que o nosso povo sempre experimentou e viveu durante gerações e gerações. Perder os territórios, perder a tranquilidade e perder o sossego foi o fruto para o nosso povo desta construção do Brasil, sendo que muitas das nossas tribos pagaram com suas vidas este processo de construção da nação brasileira”, Ailton Krenak, página 28. Krenak é escritor e jornalista e é um dos principais símbolos do movimento indígena. Participou ativamente da luta por garantir direitos aos povos originários na Constituição Federal de 1988.

O livro Literatura indígena brasileira contemporânea: criação, crítica e recepção está disponível de forma gratuita na internet, mas também é possível comprar o exemplar impresso. Mais informações clique aqui.

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