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José Pacheco

Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

Publicado em 05/12/2012

A medida do termômetro

Nas escolas brasileiras só se avalia a temperatura, sem se dar o diagnóstico

A pergunta era maliciosa: na sua escola não fazem avaliação?

Respondi que fazemos avaliação. O que não fazemos é prova, porque pouco ou nada prova. Provas são instrumentos precários, quase inúteis e até mesmo prejudiciais. Existe uma crença ingênua nas virtudes de tais instrumentos. Mas os sistemas de ensino que os privilegiam não melhoram, porque medições não são sinônimos de mais qualidade no ensino. Muitos alunos chegam ao ensino médio incapazes de fazer uma interpretação de texto. E apenas 15% dos titulares de diploma de direito conseguem aprovação no exame da Ordem dos Advogados…

Um sistema burocratizado impõe estruturas curriculares rígidas e modos de organização do trabalho escolar obsoletos. As escolas mantêm-se coniventes com o estímulo da competitividade e a exigir decorebas de “piroclásticas”, e “crivos de Eratóstenes”… Para um ensino excludente, uma avaliação seletiva! Confunde-se avaliação com classificação, e a repetência escolar baseada em nota continua a produzir sucedâneos, como as classes de reforço, a excluir e a deixar marcas para o resto da vida. A “avaliação” que ainda se faz nas salas de aula deste país é geradora de uma longa lista de absurdos, da qual vos deixo alguns excertos. Prescindo de comentário, porque os absurdos falam por si.

Sabemos de encobertos e ilegais vestibulinhos, reprodutores de darwinismo social. Vemos alunos a ingerir Lexotan antes da prova, temos notícias de perda de bolsas, porque há alunos que não conseguem obter boas notas. Escutamos o político que, solenemente, afirma que, se não se aplicar cada vez mais provas, poderemos estar a formar analfabetos, como se a aplicação de mais provas fosse solução para 14 milhões de analfabetos funcionais que a Educação do Brasil produziu. Um secretário de Educação obrigou as escolas a colocar na porta da unidade a nota que obtiveram no Índice da Educação Básica (Ideb) expondo os alunos a constrangimento e vexame vetados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pela Constituição Federal. Uma secretaria estadual propõe a elaboração de um banco de itens, para que os professores apliquem provas a cada dois meses. Identificada a necessidade de “recuperação”, sugere que essa “recuperação” seja feita no contraturno. Ou “que se paralisem as aulas uma semana para recuperação”. A mesma secretaria criou (mais) uma prova padronizada, para aplicar ao meio do ano letivo, “com o intuito de melhorar o desempenho dos alunos ao meio do ano”, isto é: estabeleceu-se a ideia do ciclo, sem romper com o modelo seriado. Outra secretária de Educação confunde “aprovação automática” com progresão continuada e adota “períodos de recuperação trimestral”, insistindo na obsoleta lógica das classes de “reforço”, que são subprodutos de uma prática de ensino obsoleta. Mais provas não é sinónimo de mais qualidade no ensino. Fazer prova é como medir a temperatura. O termômetro que registra a febre não dá o diagnóstico, nem prescreve a terapêutica, apenas sinaliza o estado febril. A solução não está no termômetro. A preocupação com o termômetro não faz baixar a temperatura.

* José Pacheco é educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

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