NOTÍCIA

Políticas Públicas

Arma contra a pobreza

Seminário Internacional realizado em Brasília apontou o ensino público de qualidade como chave para o desenvolvimento nacional

Publicado em 10/09/2011

por Redacao

Em um cenário de exclusão social, miséria e crise do ensino brasileiro, o Seminário Internacional Educação, Pobreza e Desenvolvimento descartou a possibilidade de discutir a educação como política pública isolada, e a pautou como foco e principal meio para o desenvolvimento da nação.


Maria José Feres, do ProJovem: política de Estado, e não de governo, "norteada pelo pressuposto de igualdade de oportunidades educacionais"

Realizado pela ONG Missão Criança entre 22 e 24 de agosto, em Brasília (DF), o encontro reuniu representantes do setor público, privado e de entidades da sociedade civil, com destaque para a participação do ativista indiano Kailash Satyarthi, coordenador da Marcha Global contra o Trabalho Infantil (leia entrevista na pág. 6), do cineasta norte-americano Len Morris, diretor do filme Infâncias Roubadas, e do economista indiano Vinod Thomas, representante do Banco Mundial.

"A maldade do mercado contemporâneo não nos deixa o direito de adiar a solução para o problema da exclusão social, e a solução está na educação e na garantia de toda criança na escola e toda escola de qualidade", afirmou Gladys Buarque, presidente da Missão Criança.

Diogo Souto Maior, oficial do programa de educação e representante da Oxfam no Brasil, um grupo internacional composto por 12 ONGs, questionou se a qualidade da educação é o fator gerador da pobreza ou vice-versa. "A educação vai além. Ao mesmo tempo em que se fortalece como fim e direito, também atua como meio capaz de gerir e permitir algumas mudanças importantes, entre elas o engajamento político, acesso à informação, inclusão no mercado de trabalho, aumento da produção e da distribuição de renda."

Os temas principais de debate do seminário foram políticas sociais e educacionais, trabalho infantil, combate à pobreza mundial e programas federais de transferência de renda. Mais especificamente na educação, o destaque foi para a qualidade de ensino e a Bolsa-Escola.


Avanço nas políticas –

Diversos diagnósticos foram propostos para explicar a crise do sistema de ensino básico público do Brasil. As observações centrais foram feitas sobre avaliação, formação de professores, diretrizes curriculares e políticas públicas.

As políticas educacionais representaram um avanço para o setor nas últimas décadas, segundo defendem Manuel Palácios, diretor do Departamento de Desenvolvimento da Educação Superior do Ministério da Educação, e Maria José Feres, coordenadora do Programa de Inclusão de Jovens (ProJovem).

De acordo com Palácios, as experiências bem-sucedidas do passado são capazes de auxiliar na melhora da qualidade futura, porque formaram uma base sólida de conhecimento. "Dispomos hoje de um conjunto mais interessante de políticas eficazes e de um grande arcabouço institucional."

Um impasse para o trabalho desenvolvido na educação, porém, é imposto a cada quatro anos, com a troca de governo,


Diogo Souto Maior, da Oxfam: educação está relacionada a engajamento político, acesso à informação, inclusão no mercado de trabalho, aumento da produção e da distribuição de renda

como criticou Maria José. "Precisamos entender a educação como política de Estado, e não de governo, que deve ser norteada pelo pressuposto de igualdade de oportunidades educacionais."

Para isso, ela acredita que seria necessário um regime de colaboração entre municípios, estados e União, que trabalham sem conexão e muitas vezes com objetivos diferentes e conflitantes. Assim, o governo federal deveria coordenar as ações localizadas e ajudar a manter a qualidade do ensino em regiões ricas e pobres, "respeitando a diferença, mas combatendo a desigualdade".

Outro ponto defendido por Maria José é a importância de diretrizes curriculares nas escolas, que não sabem trabalhar os conteúdos e seus prazos e se eximem da responsabilidade quando os resultados não são satisfatórios. "É necessário discutir com cada sistema de ensino, municipal, estadual e federal, que conhecimentos, competências e habilidades os alunos devem adquirir, e quando."

A avaliação constante também foi colocada como uma questão-chave para a melhora da qualidade da educação. Para o consultor em educação João Batista, esse processo deve ser seguido de conseqüências. "Se o objetivo não foi atingido, algo deve acontecer com o aluno, o professor ou com o diretor", argumentou. Feres complementou que é importante também ter sistemas de avaliação estaduais, para fortalecer ações localizadas.

A unanimidade na discussão, proposta tanto como problema como solução para a crise educacional, é a formação de professores e valorização do magistério. Para Palácios, é preciso estabelecer padrões nacionais para a formação docente. Feres concorda: "Não é possível ter formação sem instrumentos de regulamentação sobre a qualidade dos cursos por parte da União." Os dois acreditam que deve haver formas de verificar e certificar os resultados. Da mesma forma, Maria José defende que é fundamental valorizar os professores, de forma a estabelecer um piso salarial comum em todo o país, garantir planos de carreira e um sistema nacional de formação continuada.

João Batista afirmou que pequenas ações não são a solução para a educação brasileira, e que o problema é mais sério e vai além. "Não há sensação de crise, todos estão confortáveis, não há reivindicação forte da sociedade por uma educação de qualidade." Para ele, não são apenas os alunos que não aprendem, mas os sistemas de ensino também, porque não sabem avaliar a razão de sua ineficiência.

Gustavo Ioschpe, especialista em economia da educação, complementou Batista e discordou de Feres, dizendo que o ensino não é uma questão de Estado porque a sociedade não o exige. Além disso, ele defende que é preciso olhar para a educação comparada a outros países do mundo. "Achamos que a situação no Brasil é normal porque somos subdesenvolvidos, e que vamos alcançar os outros países dentro em breve, mas o que vemos é o contrário, estamos nos distanciando cada vez mais."


Acesso à cultura –

Depois da ofensiva, uma esperança. Algumas propostas foram discutidas para um futuro com educação de qualidade. Ioschpe propôs ações em um universo macro e micro. No macro, seria necessário acabar com o desconto que existe no Imposto de Renda para o ensino privado. Esse dinheiro, segundo o economista, faz com que as famílias de classe média e média baixa consigam colocar seus filhos nas escolas particulares.


Carlos Henrique Araújo, da Missão Criança: Bolsa-Escola mudou a idéia de assistência social

Assim, o rendimento das classes na rede pública cai e diminui a pressão para mudança na qualidade de ensino, porque, segundo Ioschpe, alunos com mais dinheiro têm mais acesso à cultura e elevam o nível das aulas. Além disso, seus pais tiveram mais acesso à educação do que as famílias mais pobres, por isso sentiriam-se mais à vontade de cobrar a escola e os professores pela falta de qualidade.

Ainda no nível macro, o economista propôs a Lei da Responsabilidade Educacional, que vincularia a transferência de recursos de acordo com o desempenho das escolas nos exames nacionais e na diminuição das taxas de repetência. Dentro do sistema educacional, no nível micro, Ioschpe acredita na aplicação de dever de casa, no conhecimento dos conteúdos ensinados, no aumento do tempo de ensino e em provas constantes. "A avaliação força o aluno a estudar sempre e faz com que o professor consiga identificar o problema no aprendizado assim que ele nasce."

Para Manuel Palácios, a melhora do ensino está intimamente ligada ao estabelecimento de metas, com políticas que induzam a responsabilização de gestores e professores pelos resultados. Maria José Feres concorda e vai além: seria necessário a criação de um Pacto Nacional pela Qualidade da Educação, gerido pelo governo federal, de forma que acorde com os estados e municípios metas, prazos, ações e diretrizes.


Auxílio aos "mais pobres" –

As idéias sobre o programa federal Bolsa-Escola, que vigorou de 2001 ao final de 2003, foram convergentes entre os debatedores. Carlos Henrique Araújo, secretário executivo da Missão Criança e ex-diretor de Avaliação da Educação Básica do Inep-MEC, defende que a Bolsa-Escola mudou a idéia de assistência social. "Era muito confuso, pulverizado, os municípios não trabalhavam direito com as pessoas, então se formava um círculo vicioso, e os recursos não chegavam aos indivíduos."

Para ele, o programa é inédito porque tem um desenho claro de política social e um mecanismo de implantação preocupado em alcançar "os mais pobres entre os pobres". A Bolsa-Escola consistia na transferência de renda para a família que garantisse a freqüência de seu filho na escola. Assim, para cada filho matriculado e assistindo às aulas, os pais receberiam determinada quantia. Com a Bolsa-Família, a partir de 2004, desvinculou-se a escola do auxílio monetário, que passou a ser oferecido apenas baseado no nível de pobreza da família.

Os resultados da Bolsa-Escola, segundo Araújo, puderam ser medidos não na diminuição das desigualdades sociais, mas no aumento das matrículas nas escolas públicas, ganho de coesão familiar, diminuição da violência doméstica, protagonismo maior da criança, maior noção de poupança e planejamento, e ganho de crédito comercial. Além disso, teria aumentado também uma certa consciência pela escola no Brasil, porque as famílias veriam na educação uma possibilidade de ascensão social do filho.

A repórter Carmen Guerreiro
viajou a convite da ONG Missão Criança

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Redacao


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