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Alexandre Le Voci Sayad

Jornalista, educador e escritor. Mestre em inteligência artificial e ética pela PUC-SP e apresentador do Idade Mídia (Canal Futura)

Publicado em 30/06/2025

Sem tabus: como avaliar a educação midiática?

A União Europeia tem seu modelo de avaliação midiática; Estados Unidos também. E, recentemente, a OCDE anunciou que o Pisa 2029 avaliará a alfabetização midiática e algorítmica

O desenvolvimento de competências para a leitura crítica do mundo, mediada pelas lentes da mídia — incluindo sua interseção com a inteligência artificial (IA) —, vem ganhando destaque nas políticas públicas de educação em diversos países. Em tempos de avanço acelerado da IA, proliferação de desinformação e uso intensivo de telas, a educação midiática torna-se ainda mais crucial.

No Brasil, desde a década de 1950, a comunicação popular abriu espaço para que estudantes se aproximassem do universo da mídia de forma prática — ou seja, vivenciando a comunicação em seu fazer. O mais recente Encontro de Educação Midiática, promovido em Brasília pelo Instituto Palavra Aberta, evidenciou que, décadas depois, há um ecossistema vibrante de experiências. E, de forma auspiciosa, não faltam, no atual governo federal, propostas e tratativas em prol de políticas públicas para o setor. 

No entanto, um aspecto segue carente de atenção — não apenas no Brasil, mas também em outras nações: como avaliar a eficácia das práticas e das políticas públicas de educação midiática?

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Afinal, quantidade nem sempre é sinônimo de qualidade e profundidade. Especialistas em avaliação afirmam que tudo é passível de mensuração — até mesmo a criatividade. Contudo, a avaliação nunca é neutra: há resistências, especialmente às abordagens que não sejam exclusivamente processuais ou autorreferenciais. Toda avaliação parte de parâmetros e rubricas previamente definidos, os quais, em certa medida, são sempre questionáveis. Ainda assim, é inegável que muitos indicadores educacionais são úteis para balizar políticas públicas diante de desafios socioeconômicos compartilhados. Para os gestores, isso representa a oportunidade de estruturar metodologias abrangentes e comparáveis. O fortalecimento do Inep na década de 1990, por exemplo, permitiu que o Brasil avaliasse sua educação básica segundo critérios próprios e contextualizados.

À primeira vista, o caminho mais simples para aferir a eficácia da educação midiática pareceria ser a análise do grau de desinformação em diferentes populações — ou seja, quem consome notícias falsas e por quê. Mas essa abordagem revela apenas uma fração do processo, gerando muitas vezes resultados imprecisos ou mesmo grosseiros. A saúde informacional de uma sociedade responde a uma multiplicidade de variáveis que exigem avaliações mais amplas e integradas.

educação midiática

Torna-se imperativo avaliar se os estudantes estão, de fato, desenvolvendo as competências necessárias para compreender criticamente o funcionamento das ferramentas digitais e da IA (Foto: Shutterstock)

Avaliação da educação midiática: experiências ao redor do mundo

A União Europeia, por exemplo, adota um conjunto de indicadores para mensurar a inclusão da educação midiática nos currículos escolares — índice que coloca países como Finlândia e Estônia na liderança do bloco. Um caminho promissor. Já o Portulans Institute, sediado em Washington (EUA), propõe uma abordagem distinta: avalia políticas de educação midiática com base em indicadores como prontidão tecnológica, formação profissional em tecnologia, liberdade de imprensa e acesso da população à banda larga, oferecendo, assim, um olhar alternativo sobre o contexto social e tecnológico.

Polêmicas à parte, é o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), realizado pela OCDE, que tem pautado a correlação direta entre educação e desenvolvimento social em mais de 50 países. Seus indicadores orientam, em grande medida, políticas educacionais mundo afora. E uma notícia recente trouxe entusiasmo aos defensores da educação midiática: a partir de 2029, o exame incluirá, entre seus componentes, a alfabetização midiática e algorítmica (educação para a inteligência artificial).

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Uma leitura apressada e descontextualizada dos resultados do Pisa equivale a ‘passar os olhos’ pela tabela de um campeonato de futebol. O ranking global de desempenho em leitura, matemática e ciências, se não analisado com profundidade e conhecimento técnico, oferece um retrato distorcido da realidade educacional de cada país. Desde 2000, o Pisa tem se transformado: deixou de focar apenas em conteúdos disciplinares para incluir competências, resolução de problemas e habilidades ligadas à educação financeira e à cidadania. Como era de se esperar, nem sempre agradando a todos.

O exame reconhece, agora, o papel crescente da alfabetização midiática e tem incentivado iniciativas que vão desde programas educativos até o desenvolvimento de jogos e diretrizes internacionais sobre competências digitais. Diante disso, torna-se imperativo avaliar se os estudantes estão, de fato, desenvolvendo as competências necessárias para compreender criticamente o funcionamento das ferramentas digitais e da IA, seus impactos sociais e éticos, e para analisar os conteúdos midiáticos com autonomia e discernimento.

Pisa 2029: novidades

Para dar conta dessa tarefa, o Pisa 2029 — que incluirá o módulo denominado Media and AI Literacy (MAIL) — propõe uma avaliação baseada em simulações realistas, como interações em redes sociais e uso de ferramentas de inteligência artificial. O objetivo é medir tanto competências funcionais quanto críticas dos estudantes. Essa abordagem promete compreender se os jovens estão preparados para atuar com ética, responsabilidade e consciência em um mundo profundamente mediado por tecnologias digitais.

Os parâmetros adotados pela OCDE serão baseados no guia de educação midiática elaborado há alguns anos para a Organização Internacional do Trabalho (OIT). O instrumento avaliativo será apresentado até o final deste ano. O fato de o Pisa ‘entrar em campo’ pode estimular o surgimento de outras iniciativas avaliativas que forneçam diretrizes e referências de qualidade para a educação midiática, evitando que ela se torne uma terra sem lei.

Os dados mais recentes do INAF (Indicador de Analfabetismo Funcional) mostram números alarmantes no Brasil. E, paradoxalmente, todas as escolas públicas incluem aulas de interpretação de texto. Esse é o tamanho da contradição que devemos enfrentar — e superar — com seriedade e, sobretudo, sem tabus.

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