NOTÍCIA

Políticas Públicas

Autor

Laura Rachid

Publicado em 11/11/2024

Charles Fadel, da OCDE: países devem apoiar docentes em um redesenho curricular que dê espaço à adaptabilidade

Em tempos de IA, aprendizagem autodirecionada é o melhor presente que o sistema educacional pode oferecer, afirma Charles Fadel, presidente do Comitê de Educação da OCDE. Nesse processo, para ele, os professores não podem ser abandonados

Pesquisador e futurista, o francês Charles Fadel se apresenta como um engenheiro educacional. Presidente do Comitê de Educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), atua em iniciativas globais como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). 

A editora e repórter conversou pessoalmente com Charles sobre como modernizar o currículo escolar, impactos da inteligência artificial (IA) na educação, entre outros assuntos. Ele esteve em São Paulo, em outubro, para o lançamento de seu livro gratuito Educação para a era da inteligência artificial, o qual faz parte da comemoração dos 25 anos da Fundação Telefônica Vivo, parceira da publicação junto com Fundação Santillana e Instituto Península (clique aqui para ler).

Professor visitante de Harvard e MIT, Charles Fadel é fundador e presidente do Centro de Redesenho Curricular (Center for Curriculum Redesign, em inglês), em Boston, EUA, que entre as pesquisas, foca na aprendizagem dos estudantes perante a era da inteligência artificial. 

Confira, a seguir, a entrevista que contou com os intérpretes cedidos pela Fundação Telefônica Vivo, Meg Batalha e Érico Sanvicente.

Redesenhar os currículos escolares implica em alterar o papel da escola? 

A escola parou de modernizar o seu currículo em vários países. Neste tempo, nesta onda que vem, nós precisamos modernizar. Por exemplo, por que tanta trigonometria e tão pouco ciências de dados? Por que não ensinamos também improvisação? No mundo atual precisamos ter mais matemática relevante, literatura relevante, mais história, mesmo no campo das artes é necessário técnicas diferentes. 

O mundo da inteligência artificial vai continuar mudando, o que pede que se treine a adaptabilidade e a melhor forma de fazer isso é por meio de técnicas de improvisação, de vender, de velejar. 

E por que velejar? As questões estão mudando, os ventos estão mudando, as correntes mudam, as ondas mudam, e você precisa ser mais adaptável. Então qualquer coisa que possamos fazer para treinar a adaptabilidade vai ajudar a longo prazo.

Em resumo, a primeira coisa que disse é modernizar o conteúdo. A segunda é aumentar as competências que são necessárias para uma educação moderna.

Charles Fadel

“A fase atual da IA é a de um ‘Google bombado’. Mas cada tecnologia tem fases, age rápido, tem platô, sobe e desce”, analisa Charles Fadel (Foto: divulgação Fundação Telefônica Vivo)

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O que o Centro que o senhor é fundador e presidente, em Boston, EUA, tem feito?

Simplesmente, a nossa linha básica é fazer com que a educação seja mais relevante. Eu comecei a carreira como engenheiro, fui para a área de tecnologia da educação e para políticas educacionais. Estou, de certa forma, utilizando a técnica da engenharia pra o setor da educação de modo explícito, sistemático e também fácil de ser demonstrado. Em todas as estruturas que recomendamos fazemos muita pesquisa, mas também muita síntese e as traduzimos por meio de recomendações para as salas de aula e recomendações de currículos, os quais somos bastante precisos. Chamo de engenharia na educação e eu sou engenheiro educacional.

Como implantar as quatro dimensões na educação defendidas por você? Há escolas brasileiras fazendo isso? Que tipo de suporte o professor(a) necessita receber?

Com certeza eles precisam se preparar, mas a responsabilidade, em primeiro lugar, é dos países que devem, como disse, remodelar os currículos e depois temos que trazer um planejamento explícito e claro para ajudar os professores. Notem quanta responsabilidade os países têm em fazer essas mudanças; os professores, posteriormente, podem realizar [parte desse processo]. Mas não é justo jogar toda a responsabilidade no professor e dizer: vai lá, faça isso.

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O Pisa começou a avaliar a criatividade dos jovens, inclusive, o Brasil ficou entre os 15 países com resultados mais baixos. Como se avalia a criatividade e como o senhor analisa o resultado brasileiro? 

Cada uma das competências, como pensar de forma criativa e coragem, podem ser avaliadas por meio de vários mecanismos e com estrutura específica e clara. A criatividade, por exemplo, tem cinco subcompetências, cada uma delas possuem estruturas que dividem os verbos, por exemplo, responsabilidade, compartilhar; para cada uma temos manifestações internas e externas — eu posso ser convencido em colaborar, mas talvez não saiba como. Ou talvez saiba como colaborar, mas talvez não queira. Quando você passa por uma série de aspectos você pode procurar mecanismos na sala de aula utilizando várias fontes de dados. Temos professores, projetos, etc. Então a cada três meses há um relatório que o professor pode compartilhar com os estudantes para aperfeiçoar o seu desempenho. É uma forma complexa de responder algo que estamos simplificando, porque os professores precisam apenas fazer uma entrada a cada três meses e oferecer informação ao estudante. 

Quando falamos especificamente do Brasil, é importante lembrar que há mais do que uma competência. Nós [Pisa] fizemos essa pesquisa com 50 países e sabe qual é o número um em coragem? O Brasil. E quem é o primeiro em mindfulness/atenção plena? A Tailândia. 

É importante notar como os países podem brilhar em alguns aspectos e em outros nem tanto, assim como as pessoas. Destacamos que todos podem melhorar nesse processo, porque é uma avaliação formativa para os estudantes, então a cada dois ou três meses a diferença de onde deveriam estar será notada para o rumo ser corrigido.

 

Charles Fadel

O francês pontua que governos devem fazer mais materiais e cursos para os docentes. Na imagem, com seu livro sobre IA lançado em outubro no Brasil. Versão digital é gratuita (Foto: divulgação Fundação Telefônica Vivo)

Em seu livro recém-lançado Educação para a era da inteligência artificial, de que maneira apresenta a atuação da escola, docente e estudante? 

Com inteligência artificial a gente tem duas fases, a primeira: ela é muito poderosa e força a adaptarmos as técnicas de ensino. 

A fase atual da IA é a de um ‘Google bombado’. Mas cada tecnologia tem fases, age rápido, tem platô, sobe e desce. Agora estamos chegando no platô, no entanto, nos próximos 20 anos, 30 anos, vamos passar por mais platôs

Nossos filhos e talvez alguns de nós conseguiremos observar a inteligência artificial generalizada. Não temos ideia de como será isso para a humanidade, mas podemos dizer quais são as características que nos permitem prosperar na era da inteligência artificial. Não é apenas o que sabemos, mas também como usar o que conhecemos. Você sabe suas habilidades? Como se comporta no engajamento com o mundo? Isso também é um caráter, além de como aprende a aprender, a adaptar-se e se tornar uma pessoa que tem uma autodireção para o seu aprendizado. Porque no final das contas a única coisa que vai nos manter seguindo adiante é a adaptabilidade e o aprendizado autodirecionando. É o grande desafio para a humanidade.

Os sistemas educacionais estão apenas em nossas vidas por alguns anos. Portanto, eles precisam se adaptar, mas, primeiro, dar aquele gostinho de aprendizagem autodirecionada — é o melhor presente que o sistema  educacional pode oferecer ao ser humano. 

Mas os sistemas educacionais não fazem isso porque estão presos no passado e eles só entregam conteúdo. Claro que não estamos dizendo que o conteúdo não importa, mas tem que mudar, se adaptar, para que as outras camadas de conhecimento, cognição, também se tornem importantes e não apenas a memorização. 

É como se fosse quando a escrita foi inventada, o alfabeto, Sócrates dizia que os seres humanos conseguiriam memorizar cada vez menos. É verdade. O cérebro se adapta ao que é necessário. Por exemplo, os jovens não sabem como ler um mapa porque têm o Google Mapa.

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Quais práticas pedagógicas interessantes de IA nas escolas pelo mundo os governos estão fazendo que fortalecem as relações e reflexões humanas? 

Há milhares de experimentos por toda parte do mundo, dos professores da educação básica às universidades, cada um está tentando. É como se me perguntassem qual é o uso do mecanismo de busca do Google — é muito amplo. Mas posso dizer coisas boas que envolvem IA e que estão tentando colocar luz, mostrar como as nossas avaliações foram desenhadas, definidas. Porque nossas avaliações tinham mais a ver com memorização e a inteligência artificial exige perguntas mais complicadas do que apenas de memória. É como os testes com livro aberto — sempre são mais difíceis porque não é memória, é o que está à sua frente e você tem que pensar muito mais. E é este o desafio atual. 

O senhor afirma que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) brasileira é boa quando aponta o que quer que os estudantes aprendam, mas não é clara, inclusive, tem um trabalho sobre isso no Brasil. Fale a respeito.

Quando vi a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) nós estávamos trabalhando com a Somos [empresa educacional brasileira] e começamos a analisar que recomendações mais tangíveis, mais práticas, poderíamos fazer. Normalmente essa é a dificuldade, [padrões] que vêm dos governos são quase declarações políticas longas para satisfazer cada necessidade. Mas se você entregar e afirmar: ‘faz isso aí professor’, ele não tem a menor ideia do que fazer. 

Por isso que digo que precisamos ter um currículo mais detalhado e também um planejamento de aulas mais detalhado para ajudar os professores. 

A analogia que faço é que no passado pedíamos aos professores para construírem um celeiro, tinha que ser arquiteto e construtor. Não era tão difícil. Mas agora a gente pede que faça um arranha-céu — olhem a complexidade. É difícil ser arquiteto e construtor para o arranha-céu. 

Por esse motivo que os governos precisam fazer muito mais no que diz respeito a um material melhor e também cursos melhores. Dessa forma os professores podem focar em se especializar no contexto e também na localidade que vão atuar e também personalizar para cada estudante. É isso que deveria acontecer. 

O projeto Educação 2030: o futuro da educação e das habilidades foi lançado em 2015 pela OCDE. Quase 10 anos depois, as matrizes curriculares, foco desse projeto, estão se transformando e se atualizando nos países? Se sim, de que forma? 

O projeto 2030 não merece este nome porque ele dá a impressão que está olhando adiante, para a frente, compara com países. Ele traz matrizes para comparar, mas não passa recomendações das coisas do futuro. Apenas está catalogando e não recomendando. 

Não tem grande poder de mudança?

Não nesse projeto. Para ser justo, a OCDE não tem esse poder de sugerir coisas. Países são muito protetivos nessa área devido às suas responsabilidades; aceitam conversar, mas falam: ‘não passe dessa barreira, esse é meu limite protetivo’.  


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