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Alexandre Le Voci Sayad

Alexandre Le Voci Sayad é jornalista, educador e escritor. Mestre em inteligência artificial e ética pela PUC-SP e apresentador do Idade Mídia (Canal Futura)

Publicado em 14/10/2024

Internet virou Las Vegas para estudantes brasileiros

O crescimento dos jogos de apostas online, como as bets, reafirma a complexidade da regulação de telas no Brasil, discutida atualmente em forma de uma legislação nacional

A hora do recreio se tornou uma preocupação para famílias e educadores não só por conta do ‘mergulho’ nas telas dos celulares. O pouco dinheiro que levam no bolso, para uma água ou um lanche, tem se dissolvido em jogos de apostas online. O fato de adolescen­tes menores de 13 anos não poderem, por regulamento interno, abrir conta em redes sociais não impede que o façam. Da mesma maneira, as apostas esportivas online, liberadas desde 2018, são proibidas para menores de 18 anos. Entretanto, o Datafolha registrou que 30% dos jovens do país entre 16 e 24 anos já realizaram algum desses jogos.

As bets, como são chamadas, estão aos poucos fazendo parte do cenário de mazelas sociais — e cabe ao Brasil enfrentá-las, seja com políticas públicas preventivas ou ações punitivas. Até a verba do Bolsa Família tem tido destino das bets. A mesma pesquisa do Datafolha mostrou que a média de valor de aposta por jogador é de R$ 263 por mês.

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A linguagem digital fez com que o glamour e a decadência, que por décadas caminharam juntos em Las Vegas, sejam agora encontrados nos celulares dos brasileiros. Desde 1931, a cultura de jogos ocupou as terras indígenas do deserto do Mojave, no estado de Nevada, Estados Unidos. Não é incomum encontrar por lá transeuntes embriagados pedindo esmolas para comprar uma passagem de ônibus para casa (com os bolsos vazios depois de tanto apostar), sob as luzes coloridas de neon e o som da voz de cantoras como Adele.

apostas online bets

O argumento de que retirar a tela da criança e do jovem no tempo da escola irá resolver todasas questões mostra-se cada vez mais frágil (foto: Shutterstock)

O crescimento do jogo nos Estados Unidos foi acompanhado de pujança econômica, mas não deixou de lado o fortalecimento do crime organizado, da prostituição, do tráfico de drogas, o endividamento pessoal e a decadência repentina de cidades inteiras, como Atlantic City.

Segundo um relatório da AGA (American Gaming Association), publicado pela revista Forbes, o mercado de jogos de azar ultrapassou nos últimos dois anos US$ 60 bilhões de faturamento nos EUA. Isso inclui roletas, jogos de cartas e, sobretudo, caça-níqueis. Entretanto, são outros dados da mesma pesquisa que aproximam o Brasil de um cenário também distópico.

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As apostas esportivas movimentaram US$ 7,5 bilhões em receita nos Estados Unidos durante 2022, um aumento de 72,7% em relação ao ano anterior. São justamente empresas norte-americanas e britânicas deste ramo que fixaram seus olhos no Brasil desde 2023. Por volta de 20 marcas nacionais devem mudar de mãos até janeiro de 2025, a partir de quando apenas empresas credenciadas pelo governo federal poderão operar no mercado brasileiro. A americana Flutter, por exemplo, pagou quase R$ 2 bilhões por 56% da brasileira NSX, dona da marca Betnacional.

O crescimento das bets reafirma a complexidade da regulação de telas no Brasil, discutida atualmente em forma de uma legislação nacional. O argumento de que retirar a tela da criança e do jovem no tempo da escola irá resolver todas as questões mostra-se cada vez mais frágil. Com atrativos que não param de surgir, as questões ligadas ao uso de internet já são culturais. Tratá-las apenas com medidas restritivas é um convite explícito para justamente burlá-las.

Políticas públicas, práticas educativas na escola e ações sistêmicas no entorno da vida do estudante parecem ser uma boa combinação de ações. Para isso, há uma série de fatores interconectados que precisam ser examinados, entre eles:

• O Brasil não regulou as apostas online de maneira efetiva, faltam atribuições para fiscalização e punição, sobretudo no acesso de crianças e jovens. Falta também transparência nos processos de premiação e chances de ganho e na fiscalização de fraudes.

• A saúde pública deve fazer parte do quebra-cabeça: desde janeiro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou o comportamento obsessivo associado a jogos eletrônicos como transtorno mental, o chamado distúrbio de games (gaming disorder). Este passou então a ser diagnosticado e receber tratamento especializado.

• Compreender o universo digital como uma linguagem para expressão, mas também com ameaças tal qual o mundo físico, é uma atribuição das práticas de educação midiática na escola. Ações do tipo estão previstas dentro da competência de cultura digital da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), dentre outros, e não são restritas a uma única disciplina. Há um necessário e urgente plano de formação docente a cargo do Ministério da Educação e da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República).

• Também atrelado à questão das bets está a percepção, valorização, administração e compreensão do dinheiro no sistema capitalista, por parte dos estudantes; práticas de educação financeira também devem se debruçar sobre o tema. O Instituto DataSenado apurou que o percentual de apostadores com dívidas em atraso há mais de 90 dias é de 58% das pessoas que gastaram com bets.

• A questão começa a ser levada a sério até por países que têm mercados gigantes de games. A China, o maior deles, decretou um tempo específico para que crianças e adolescentes possam se dedicar a jogos digitais de maneira geral: três horas por semana, limitadas a uma hora por dia, das 20h às 21h, apenas nas sextas-feiras, fins de semana e feriados. A universidade brasileira, por sua vez, deve dedicar mais pesquisas sobre o comportamento de viciados em jogos e como o contato precoce com as bets pode influenciar a vida adulta.

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