NOTÍCIA

Edição 303

Povos indígenas e as reivindicações de espaço nas universidades

Instituto Insikiran já formou mais de 700 acadêmicos indígenas em Roraima, resultado das lutas do movimento da região

Publicado em 08/05/2024

por Ariene Susui

Por Ariene Susui*, de Roraima 

Era 4 de maio de 2001, na comunidade Canauanim, região Serra da Lua, localizada em Roraima, quando em uma assembleia da Organização dos Professores Indígenas (OPIRR) saía o documento denominado Carta de Canauanim, com assinatura das organizações indígenas e parceiras demandando à Universidade Federal de Roraima uma formação superior indígena. 

Foi assim que naquele ano nasceu o Instituto Insikiran (nome em macuxi, um dos filhos do guerreiro Makunaimî, que tem a origem na mitologia dos povos indígenas que moram nas proximidades do Monte Roraima). Em 2002, foi criado o curso de licenciatura intercultural indígena, e no ano seguinte, ocorreu o primeiro vestibular com 60 vagas. Atualmente há 640 alunos no Instituto, cuja entrada nos cursos oferecidos pelo Insikiran é feita por meio do vestibular específico chamado PSEI.  

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O professor José Francisco Amandes, do povo Wapichana, se formou em 2010, sendo um dos alunos da primeira turma. Ele ressalta dificuldades, mas reconhece que a abertura na universidade possibilitou sua formação no ensino superior. “No início houve muitos desafios, mas eu e meus colegas fomos estudando e aí consegui me formar. Sou graduado em comunicação e arte, retornei para minha comunidade. Hoje sou professor da língua indígena wapichana e incentivo meus alunos a irem estudar também”, relata Francisco. 

José Francisco

O professor José Francisco Amandes, do povo Wapichana, se formou em 2010. Hoje é graduado em comunicação e arte e é docente em sua comunidade
(Foto: Ariane Susui)

Como professor da língua materna, ele ajudou na tradução wapichana de redações de outros colegas professores que fizeram o vestibular na língua indígena para ingresso no Insikiran.  

O Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena possui três cursos: licenciatura intercultural; gestão territorial indígena; e gestão em saúde coletiva indígena, esses dois últimos são bacharelados. Todos apresentam em seus projetos político-pedagógicos (PPC) uma educação baseada no princípio da interculturalidade, com ensino específico e diferenciado. 

A história contada por nós 

A gestora territorial Alane Lima, do povo Wapichana, tuxaua (liderança) regional das mulheres indígenas da região Murupú — formada pela organização social do Conselho Indígena de Roraima—, afirma que o Instituto Insikiran nasceu da mobilização, sendo resultado da luta das lideranças indígenas que entenderam que era preciso ocupar a universidade. “Foram nossos ancestrais que lutaram para conseguir aquele espaço com curso diferenciado pensado pelas nossas lideranças. O Insikiran é uma porta que se abriu para muitos acadêmicos indígenas e hoje faço parte dessa história”, completa.  

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Em 2018, foi formada a primeira turma de gestão em saúde coletiva indígena, com 13 gestores concluintes, um marco histórico no Brasil. “Uma vitória alcançada, já existe em outras universidades o curso de gestão, porém não com a especificidade na saúde indígena e nós fomos protagonistas dessa conquista”, relata a gestora em saúde coletiva Lucirene Barbosa, formanda na turma de 2018. 

Gestores indígenas

Formatura dos primeiros gestores em saúde indígena
(Foto: Ariane Susui)

A estudante de gestão territorial, Aldelinda Batista, do povo Macuxi, tem 36 anos de idade e é da Comunidade Mangueira, região do Amajari, terra indígena Araçá. Está na fase final do curso e ressalta a relevância de atuar em um lugar que foi discutido pelas lideranças, principalmente os tuxauas, que passaram dias debatendo para poder conquistar aquele espaço na universidade. É uma caminhada que precisa ser lembrada sempre. A conversa para esta reportagem com Aldelinda ocorreu na 53a Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima, no Centro de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol.

“Somos os frutos da caminhada do movimento indígena pela educação no ensino superior, e é por isso que os alunos que atuam dentro da universidade participam das assembleias, reuniões comunitárias. Tudo isso traz uma grande importância, porque é através dessas participações que escrevemos histórias”, diz Aldelinda.

Aldelinda Batista

“Somos os frutos da caminhada do movimento indígena pela educação no ensino superior”, reconhece Aldelinda Batista, do povo Macuxi, que tem 36 anos e é estudante de gestão territorial (Foto: Ariane Susui)

Para o professor Herundino Ribeiro, do Insikiran, a participação dos alunos indígenas nas reuniões demonstra respeito e fortalecimento do laço com o movimento e a universidade. “O Insikiran surge da demanda desse movimento e a participação aqui na Assembleia é uma formação política. É muito importante tanto para os alunos, quanto para o movimento”, pontua.

Com mais de 700 professores indígenas formados em licenciatura, 65 em gestão territorial e cerca de 50 em saúde coletiva indígena, e com cinco docentes indígenas efetivos no Instituto, a diretora do Insikiran, professora Ise Goreth, descreve a caminhada do Instituto nos últimos 20 anos.

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“A criação do Instituto Insikiran, sucessor do Núcleo Insikiran de Formação Superior Indígena, é uma resposta às demandas dos povos e do movimento indígena em relação ao acesso e permanência de indígenas no ensino superior. Ao longo de seus mais de 20 anos, o Instituto é responsável pela formação profissional de indígenas, capital humano, para atuar nas áreas de interesse do movimento, comunidade e povos indígenas e demais setores da sociedade. O Instituto Insikiran é um aliado do movimento indígena, é um parceiro na luta pela garantia dos direitos indígenas historicamente conquistados”, reflete Goreth.

Frutos do Insikiran, hoje os egressos ocupam cargos tanto nas organizações indígenas, como em órgãos públicos, como é o exemplo da Marizete Macuxi, à frente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em Roraima.

*Ariene Susui é do povo Wapichana. É jornalista, ativista indígena e mestre em comunicação 

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Ariene Susui


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