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Colunista

José Pacheco

Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

Publicado em 06/05/2024

Educação como meio de controle social

Não há apenas ‘dificuldades de aprendizagem’; há, sobretudo, inconfessáveis ‘dificuldades de ensinagem’

Caldas da Rainha, 13 de fevereiro de 2044 

Nos idos de 20, proliferavam ‘inovações’ na internet. Psicólogos protagonizavam ‘lives’ de autoajuda. Médicos davam formação sobre ‘neuroeducação em sala de aula’. Economistas introduziam o ‘e-learning em sala de aula’. Filósofos discorriam sobre ‘computação ubíqua em sala de aula’. Universitários, que jamais haviam produzido algo inovador, eram pagos para proferir palestras sobre… ‘inovação’. E colaboravam com empresas oportunistas no ‘negócio da China’ dos grandes congressos e cursos online.  

Uma crise ética se instalara. E um sindicato atento à voracidade de “grupos abutres de educação a distância” (sic) lançava avisos:  

“Em tempos de crise, podem aparecer alguns, tentando se aproveitar do desespero das escolas, para vender. Este é um alerta que nós temos a obrigação de fazer pois essas pessoas usam informações e pesquisas para tentar convencer os mantenedores a comprar seus serviços”. 

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A educação continuava ainda a ser justificada mais como meio de controle social do que como instrumento de aperfeiçoamento pessoal. Com efeito, a teoria e a prática educacional tinham transferido a base filosófica da educação do político para o técnico, cuja primazia era entregue à eficácia e ao controle.  

A organização do trabalho escolar continuava centrada em tarefas que tinham uma base de informação igual para todos, o mesmo tipo de meios e técnicas para todos, provas individuais de adaptação ao padrão exigido para o ‘aluno médio’ (padrão de capacidade ao qual se compara cada aluno individualmente).  

Um dos maiores óbices à mudança residia no permanente julgamento e classificação do aprendiz, que invalidava qualquer esforço no sentido da autorresponsabilização.  

O conceito de ‘classes’ (ou da eufemística designação de ‘ano de escolaridade’) estava associado a uma suposta homogeneidade organizada em sucessivas etapas. Infelizmente, a psicologia, que se alheara de dimensões que estiveram na sua génese como ciência, sancionava ‘cientificamente’ situações em que o aprendiz que, num tempo pré-estabelecido pelo ensinante, não absorvera a parte do programa correspondente, repetisse, desde o início, um mesmo ciclo de estudos.   

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A insistência na constituição de classes ‘homogêneas tomava por referência o argumento de que seria possível agrupar indivíduos com um nível intelectual comum. Mas, o processo de autoconstrução do conhecimento era inconciliável com a ideia de classe ‘homogênea’.  

Muito menos se poderia admitir a manutenção paralela às classes ‘normais’, de grupos ditos ‘especiais’. A inadaptação não era exclusiva do aluno. Ela era, sobretudo, uma inadaptação da escola. Não havia apenas ‘dificuldades de aprendizagem’; havia, sobretudo, inconfessáveis ‘dificuldades de ensinagem’. 

Como estava escrito no início do texto do projeto da Ponte, em 1976:  

“Nós, professores, deveremos ter mais dúvidas do que certezas”. 

Entre os ensinantes ainda existia uma forte tendência para considerar os aprendentes como entidades fechadas sobre as quais se pode agir exteriormente e não como ‘sistemas auto-organizados’ que promovem o seu ‘fecho’, num ‘fenômeno de auto-eco-organização extraordinariamente complexo que produz autonomia’. 

Era, mais uma vez, o mestre Morin a questionar a eficácia e eficiência dos adeptos da ‘programação’ refletida na produção dos ‘bons alunos’ desprovidos de iniciativa. Impedia-se o jogo dos opostos, em que se temperavam dependências e autonomias não-programáveis. Afinal, o que conferia dignidade ao ato educativo?  

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