NOTÍCIA
Colégio maranhense compartilha o processo de implantação desta abordagem que já ocorre desde 2017, enquanto dois especialistas mostram como percorrer esse caminho
Publicado em 05/03/2024
Diariamente, crianças e adolescentes, de seis a 17 anos, matriculados no Colégio Marista Araçagy, no Maranhão, seguem a mesma rotina. Ao chegar na escola, de orientação católica, se recolhem em um momento de espiritualidade e que também tem função de serenar os ânimos, separando o mundo externo das experiências naquele ambiente. Na sequência, seguem para as salas de aula… ou para outros espaços de aprendizagem, onde podem se dedicar a atividades que vão da robótica ao trabalho artesanal da cultura maker, passando também por laboratórios de informática.
Esse conjunto dinâmico de atividades, que extrapola a lógica convencional do ensino, geralmente mais restrita à interação verticalizada entre professor e aluno, é parte do cotidiano na instituição desde 2017, quando, a partir de um documento norteador da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), houve a implementação, no lugar, do pensamento computacional — abordagem que, na definição da BNCC, “envolve as capacidades de compreender, analisar, definir, modelar, resolver, comparar e automatizar problemas e suas soluções, de forma metódica e sistemática, por meio do desenvolvimento de algoritmos”.
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“Entendemos o pensamento computacional como uma competência necessária para a atualidade, capaz de estimular o desenvolvimento de outras habilidades”, sustenta Lana Cunha, vice-diretora do Colégio Marista Araçagy, cujos alunos são introduzidos a essa lógica desde a educação infantil. “Nos anos iniciais, temos um programa de educação tecnológica que aborda a robótica, possibilitando que eles aprendam enquanto se divertem”, detalha, indicando haver também atividades com foco na cultura maker com atividades ‘mão na massa’, envolvendo alunos de todas as faixas etárias.
“Para os que estão nos anos finais, nossos professores têm o compromisso de realizar essas atividades fora da sala de aula, quinzenalmente”, detalha. O objetivo, diz, é desenvolver nos estudantes competências como criatividade, cognição, pensamento lógico e a autonomia. “Assim, quando chegam no ensino médio, já conseguem, por si, escolher que tipo de material didático será o ideal — se vídeo, áudio ou texto, por exemplo —, e podem construir sua própria trilha de aprendizagem”, aponta. “Vai muito além da programação de computador”, enfatiza.
A professora e consultora de inovação Débora Garofalo, colunista desta revista Educação, assinala que o pensamento computacional é importante não apenas por trabalhar com temas como a informática e a robótica, mas, sobretudo, por trabalhar a linguagem. “É preciso desmistificar a ideia de que essa abordagem está exclusivamente associada à programação: estamos falando de algo que trabalha com a mentalidade de coisas do cotidiano, buscando a solução de problema a partir do pensamento lógico — não necessariamente visando formar profissionais da tecnologia da informação”, elucida.
Débora, que é reconhecida por conta de seu projeto de robótica com sucata como uma das melhores professoras do mundo pelo Global Teacher Prize, tido como o Nobel da Educação, situa que o pensamento computacional pode ser trabalhado como uma disciplina à parte ou transversalmente, abrangendo diferentes áreas do conhecimento, como propõe a BNCC. Ela pondera ainda considerar prematuro um debate que, necessariamente, vincula a abordagem a uma disciplina, pois estados e municípios ainda estão se estruturando para a sua implementação.
O exemplo mais usado de aplicação desse sistema de aprendizagem em disciplinas tradicionais do currículo escolar é na matemática. “Neste caso, vai ajudar o estudante a compreender o que está por trás de fórmulas e códigos”, explica o pesquisador e cientista da computação Izaquiel Lopes, que já atuou como professor no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG).
Débora Garofalo vai além: “Até mesmo em língua portuguesa é possível fazer essa aplicação, como ao criar uma storytelling, observando seus padrões, pontos que estão na base dessa construção”, sugere.
Vale registrar, ambas atividades mencionadas trabalham eixos que estão na base do pensamento computacional, como a sistematização de padrões a partir de semelhanças e regularidades entre os dados ou as partes do problema, e a elaboração de algoritmos, que vão definir uma sequência de passos a serem seguidos para se elucidar uma questão.
Quanto aos instrumentos para trazer a abordagem para as aulas, o cientista e pesquisador cita a gamificação como opção. “Neste caso, o professor pode transmitir o conhecimento aos alunos por meio de jogos ou simulações, por exemplo”, menciona. Outro pilar é a robótica e a cultura maker, quando os estudantes vão construir artefatos, plugados ou desplugados, indo da eletrônica à marcenaria e costura.
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“O fundamental é respeitar os diferentes ritmos de aprendizagem, de forma que, na educação infantil, podemos explorar a questão do corpo e do lúdico, e, no ensino médio, estimular a solução de problema”, avalia Débora, acrescentando que a implantação do pensamento computacional ainda esbarra em um grande desafio: a formação docente no Brasil. “Muitos professores não se sentem preparados por achar que não foram formados para isso, acreditando, erroneamente, que se trata de algo muito complexo”. Para ela, sem um projeto de formação continuada, que capacite esses profissionais, não há como esse projeto pedagógico ser bem-sucedido.
No colégio do Maranhão, a aplicação do pensamento computacional envolveu adaptações tanto em termos de forma quanto de conteúdo. “O colégio se preparou física e pedagogicamente para isso”, lembra Lana Cunha. “Do ponto de vista físico, estruturamos ambientes, por exemplo, para receber atividades de educação tecnológica, com tecnologia de robótica, em que temos ilhas, permitindo trabalho de cinco grupos de cinco alunos, ou para as atividades da cultura maker, onde temos impressora 3D, impressora de corte, mesas e estruturas para o trabalho em grupo”, detalha.
“Pelo viés pedagógico, firmamos parceria com uma empresa de tecnologia que estruturou um programa de aprendizagem a partir das nossas matrizes curriculares, de forma que, seja para o ensino fundamental ou médio, temos cargas horárias específicas para essas aulas”, explica, complementando que o trabalho de assessoramento e formação continuada do corpo docente é o pilar de todo esse processo. “Antes de trazer essa proposta aos alunos, precisamos capacitar nossos professores para que se sentissem seguros para introduzir esse pensamento em suas aulas”, garante.
Olhando para trás, Lana Cunha entusiasma-se com os resultados colhidos até aqui. “Os alunos se envolvem muito. Eles se engajam tanto que há um aumento do interesse até pelas aulas mais tradicionais”, comemora. Segundo ela, contribui para esse fenômeno o fato de boa parte dos seus alunos serem nativos digitais. “São crianças que já nasceram em um mundo tecnológico. Para elas, essa interação é natural e intuitiva”.
“Além disso, para os adolescentes, características dessa fase do desenvolvimento também entram em conta, como o florescimento de um espírito ao mesmo tempo competitivo e cooperativo”, examina. Diante disso, diz, o colégio busca participar de torneios internos e externos, como a Olimpíada Brasileira de Robótica (OBR). “Em 2023, uma equipe nossa saiu vencedora na fase remota dessa competição nacional”, orgulha-se.
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