Educação sexual: silêncio das escolas priva crianças de autoproteção
Crença equivocada de que a educação sexual pode erotizar crianças e jovens e acelerar a iniciação sexual inibe escolas de utilizar a melhor arma contra a violência sexual infantil
É direito dos alunos e alunas e responsabilidade da escola incluir temas de educação sexual no currículo, determina a Constituição brasileira e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas a visão distorcida sobre a educação sexual e as notícias falsas contribuem para a reprodução do mito de que ela erotiza as crianças e facilita o acesso de abusadores aos seus corpos.
Dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos apontam que cerca de 75,9% dos casos de abuso sexual infantil ocorrem no ambiente domiciliar, onde 40% dos episódios são cometidos pelos próprios pais ou padrastos. Esse estudo mostra que, se a educação sexual continuar reservada à esfera familiar, crianças não terão acesso à informação que pode protegê-las dos abusos.
A prevenção da violência sexual e o caminho para a proteção das infâncias e das juventudes acontecem através do diálogo de qualidade, com profissionais preparados e materiais didáticos adequados. Segundo Caroline Arcari, pedagoga e mestra em educação sexual pela Unesp e consultora na área de educação sexual e enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes, foi comprovado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), por meio da análise de mais de 1.000 relatórios sobre os efeitos da educação sexual no comportamento de jovens, que quanto mais informação de qualidade sobre sexualidade, mais tarde os adolescentes iniciam a vida sexual.
“A educação sexual não se refere apenas ao conhecimento dos genitais e de onde vêm os bebês, mas aos conceitos de autoproteção, consentimento, integridade corporal, sentimentos, emoções, sonhos, identidade, tipos de toques que adultos estão autorizados ou não em relação ao corpo da criança e do adolescente, escolhas, higiene, saúde, relações – tudo isso é educação sexual”, ensina Caroline, que trabalhou na formação de educadoras(es), psicólogas(os), profissionais de saúde, conselheiras(os) tutelares e assistentes sociais no Brasil, na Inglaterra, em Portugal, na Espanha, nos Estados Unidos e em Cabo Verde.
“Precisamos fornecer as ferramentas de autoproteção antes de a criança precisar, para que ela saiba dizer não e detectar um ato abusivo”, orienta Caroline Arcari, consultora de enfrentamento à violência sexual Foto: arquivo pessoal
Em todas as escolas da rede municipal de ensino da cidade de Itumbiara, em Goiás, do 1º ao 9º ano do ensino fundamental 1 e 2, há uma disciplina chamada PQV-AE (Prevenção e Qualidade de Vida com Amor Exigente), ministrada uma vez por semana, onde são trabalhados os temas da educação sexual. Sentimentos (identificar as emoções e conseguir verbalizar o que sente), prevenção ao abuso sexual com material especializado, toque do sim e toque do não (toques de amor trazem sensação boa; toques abusivos são desconfortáveis e tristes), violência, prevenção às drogas, mídias, empoderamento feminino, entre outros. No início do ano a escola identifica o professor apto a trabalhar essa disciplina com crianças e adolescentes e inicia a formação para capacitá-lo, de acordo com a faixa etária dos alunos.
“Desde 2008, quando foi criada a disciplina para dar educação sexual aos alunos, todo ano é realizada a formação de novos professores, para que sejam preparados para o cargo”, conta Tânia Regina Martins e Sousa, coordenadora pedagógica na Secretaria Municipal de Educação de Itumbiara.