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Com livros oferecidos como entretenimento, recreação, curiosidade, as crianças ganham novo ambiente de relacionamento diante do crescimento de livrarias voltadas para esse público. Inclusive, livro impresso, ilustrado não compete com tecnologia, oferece outro olhar
No Brasil, a literatura para a infância é subestimada e poucas universidades brasileiras realizam pesquisas na área. Com isso, o livro de literatura permanece apenas ligado à escola como um objeto utilitário a serviço de um projeto educacional. Claro que há importantes aspectos pedagógicos desenvolvidos por meio da leitura, como o contato com a linguagem literária e a ampliação do vocabulário, mas é essencial enxergá-la como arte.
“Capaz de ampliar nossos olhares, nos colocar no lugar de pessoas, nos emocionar com seus textos e imagens e com a possibilidade de outras existências, o livro ilustrado nos desloca do nosso próprio mundo, contribuindo para a construção da subjetividade”, ilustra Julia Souto Guimarães Araújo, pedagoga pela USP, especialista em literatura para infância pela Casa Tombada e sócia-fundadora da livraria Miúda, na Pompeia, bairro de São Paulo, junto com Tereza Grimaldi, também pedagoga e graduada em artes visuais.
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Além de propostas diferenciadas e atendimento personalizado, a contribuição mais potente que as livrarias de rua oferecem é a curadoria, fruto de estudos, pesquisas e rigorosa análise de catálogos para formar um acervo diverso, tanto nas temáticas, quanto nas abordagens.
Segundo Julia, que foi professora por 10 anos da educação infantil e ensino fundamental 1, atuando também na formação de professores, subestima-se a capacidade de a criança entrar em contato com algo elaborado – em termos estéticos e de texto – que um bom livro ilustrado traz e que constrói o olhar da criança. “Nossa curadoria é específica e temos como característica a bibliodiversidade em toda a cadeia do livro (temas, editoras, autores e autoras, ilustradores e ilustradoras e projetos gráficos)”, expõe.
Outra particularidade dessas livrarias é priorizar as pequenas editoras, como as que acreditam que a criança e o jovem devem ter acesso a livros de qualidade e possuem projetos mais ousados, temas reflexivos e considerados difíceis para a criança. Editoras que entendem a leitura como arte, fruição, sem a obrigação de ensinar algo. “A pequena editora entende que a criança é capaz de entrar em contato com textos literários e poéticos e assim realiza um trabalho rico para a formação do leitor”, destaca Julia.
A Faz de Conta, livraria no bairro do Bixiga, em São Paulo, fundada por Zeco Montes, editor da Ôzé Editora e um dos pioneiros na cidade em criar livrarias especializadas para crianças e jovens, atua também como uma biblioteca para a comunidade. Uma sala para a livraria e outra para a biblioteca.”Todos os livros que a gente vende estão disponíveis para as crianças. Não tem desculpa de não poder comprar, vai levar o livro pra casa, se quiser”, esclarece Zeco. A Faz de Conta trabalha exclusivamente com pequenas editoras que veem no livro uma obra de arte e que se dedicam à literatura que transforma.
“Trabalhei em projetos sociais com empresas multinacionais e tive a experiência de ver como o livro infantil transforma a vida das pessoas. Todas as artes transformam, cinema, teatro, música, mas o livro infantil é mais rápido e mais acessível”, demonstra Zeco.
A despeito das tecnologias que bombardeiam crianças e adultos por todos os lados, o livro não perdeu o poder de sedução. “Tive uma tia que me dava livros quando era criança e isso me deixou apaixonado por eles. Me tornei quem sou por conta de todas essas histórias”, conta Alfredo Caseiro, jornalista e fundador da Pé de Livro, também localizada na Pompeia. A Pé de Livro é especializada na infância e acredita que quem se encanta com a leitura na infância será leitor para a vida toda.
Alfredo ensina que devemos entender de que assuntos a criança gosta, no que está disposta a se aprofundar, quais temas são relevantes e o que desperta sua curiosidade para que ela se disponha a olhar para aquilo. “Vejo pais e mães que tentam empurrar para o filho livros que foram fascinantes na infância deles e isso quase nunca funciona. É preciso dar liberdade para que escolham livros relacionados com seus nichos de interesse.”
Escolas buscam enriquecer projetos culturais e descobrem, nas livrarias de rua, diversas oportunidades de ações.
Fomentar reflexões sobre temas latentes e contemporâneos por meio de um conteúdo programático sólido, criando discussões significativas, é uma das ações que a livraria Pé de Livro realiza nas escolas. Alfredo conta que é procurado para ter estande em eventos culturais de escolas, como fez no Colégio Brasil Canadá, mas sabe que pode ir além e ser um parceiro de conteúdo.
“Fizemos um evento na Escola Vera Cruz, em São Paulo, para professores, pais, mães e alunos com o tema refugiados e apresentamos as dificuldades de quem é obrigado a abandonar sua terra e escolhe o Brasil como destino. Convidei o professor de relações internacionais Reginaldo Nasser, uma das referências no tema, a escritora Maísa ZakZuk, autora de um livro sobre refugiados, uma menina de 17 anos que veio de Angola, um palestino e a ONG Mais, dedicada ao acolhimento e a ações voltadas aos refugiados. Um evento com discussões de alto nível, onde todos participaram com perguntas elaboradas e depoimentos emocionantes”, discorre o fundador da Pé de Livro.
Outro projeto da livraria fundada por Alfredo para formação de novos leitores é um Clube de Leitura para crianças a partir dos sete anos realizado em parceria com a Casulo Literário e mediado pela professora Laura Fernandes que seleciona, todo mês, obras com diferentes perfis. Livros contemporâneos, antigos, mas que tenham o potencial de promover reflexões.
A livraria Miúda também abre as portas para as escolas, inclusive, semanalmente recebe visita das localizadas em seu bairro. As crianças exploram os livros, fazem roda de leitura no quintal da livraria, vivem esse espaço dentro da cidade, que é delas.
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Desconstruir a ideia do consumo é um posicionamento da Miúda, que embora tenha como principal negócio a venda de livros, proporciona experiências que vão além. “Tem gente que visita a livraria, lê e vai embora. Uma família pode vir comprar livros uma vez no mês e, em todas as outras visitas, viver diferentes experiências, pensar possibilidades, explorar e ampliar repertórios, participar das oficinas aos sábados, ouvir contações de histórias que são mobilizações que acontecem”, detalha Julia. Ela coloca a livraria como um lugar de referência para escolas e professores e oferece cursos noturnos para profissionais envolvidos com educação, literatura e infância. Com diferentes formatos, sobre literatura negra, indígena, sobre livro ilustrado, entre outros assuntos que envolvam livro, infância e educação.
“Já realizamos feiras literárias em escolas como a Builders e a Arapoti. Escolas visitam a livraria para a compra de livros visando o aumento do acervo de suas bibliotecas e é um braço nosso trabalhar a formação de professores”, declara Julia.
Não há nada mais emocionante do que estar perto dos autores dos quais gosta. Desmistifica a figura do autor entre as crianças, que o veem como alguém distante. Conhecer a pessoa que fez o livro, que despertou diversos sentimentos, é tão excitante que incentiva os alunos a buscarem outros livros daquele mesmo autor, a conhecerem novos escritores, fazendo a catraca da leitura rodar.
‘De onde veio a ideia da história?’, ‘Como foram criados os personagens?’, ‘Quanto tempo levou para escrever?’ são brechas para que os alunos se envolvam e se entusiasmem com a prática da leitura. Quando a escola se aproxima das livrarias do seu bairro, tende a coroar a certeza de que está fomentando a literatura entre os alunos.