NOTÍCIA

Edição 283

Dinheiro privado garante inovação e continuidade na educação pública

Empresas, institutos e fundações, agrupados no Gife, investiram 5,3 bilhões, dos quais, 70% foram para a rede pública

Publicado em 29/03/2022

por Edimilson Cardial

dinheiro-privado-educacao Sem recurso, inovação no setor público depende de instituições particulares (foto: Gustavo Morita)

Os investimentos sociais realizados pela iniciativa privada em 2020 tiveram um crescimento expressivo de 56% em relação a 2019. Passou de 3,1 bilhões de reais para 5,3 bilhões de reais. Esse aumento está relacionado ao enfrentamento dos efeitos gerados pela pandemia da covid-19 e se reflete na expectativa futura de investimento das organizações. Em 2021, ainda que o investimento previsto não terá se reduzido aos patamares verificados nos últimos anos, tampouco tende a se manter no patamar de 2020.


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Esses dados constam do último Censo Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), com 131 organizações respondentes, que significam 81% do quadro associativo. Desses 5,3 bilhões de reais, em 2020, estima-se que 70% são destinados a projetos de educação (não houve declaração especificando as áreas de investimento). A pesquisa é realizada a cada dois anos e mostrou também que 51 empresas, que representam 39% do total, aportam anualmente em projetos valores de até 6 milhões de reais. Em 2021, a estimativa é que tenham sido investidos um total de 4,2 bilhões de reais, uma queda em relação a 2020 por não terem mais valores usados em ações emergenciais para o combate às consequências da pandemia.

Ao analisar esses dados, Mozart Neves Ramos, que foi o primeiro presidente do Todos pela Educação e hoje dirige a Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Instituto de Estudos Avançados da USP Ribeirão Preto, comenta sobre a importância do investimento de empresas na educação pública. “Mais do que qualquer outra coisa, essa atuação está provocando a inovação na educação, porque o setor público tradicional tem que arcar com 80% das matrículas da educação básica. É pressionado por uma agenda extenuante no dia a dia e que normalmente não tem nem o tempo necessário para pensar fora da ‘caixa’, porque precisa resolver problemas do cotidiano, em geral muito pesados. São raras as situações em que o setor público sozinho fez a mudança de qualidade em escala”, diz.

Mozart Ramos, que foi também secretário de Educação de Pernambuco e reitor da federal do estado, destaca: “Todas as grandes e importantes experiências, mesmo quando você pega Sobral, por exemplo, foram fruto também da atuação do terceiro setor. O prefeito de Sobral lá atrás era o Cid Gomes, que foi ao Instituto Ayrton Senna pedir apoio pra fazer a correção do fluxo. Tem a Fundação Lemann também atuando, o Itaú Social; em Pernambuco, tempo integral de ensino médio, eu era o secretário, quem fez na verdade e trouxe o modelo pedagógico não fui eu, foi exatamente o terceiro setor, no caso comandado por Marcos Magalhães. A gente teve a coragem de implantar, implementar, ou seja, quem está fazendo a inovação no campo da educação básica é o terceiro setor, e faz isso a partir de pequenas iniciativas. Então, para mim, não é o dinheiro que chama a atenção, é o papel na inovação da educação”.

Há cerca de 15 anos, segundo Mozart, essa atuação cresceu muito, com várias secretarias de educação com projetos de instituições, inclusive aquela em que depois foi diretor, o Instituto Ayrton Senna. Cita ainda Se Liga e Acelera, Fundação Bradesco e outros. “O Todos pela Educação foi uma alavanca importante porque deu escala ao papel do terceiro setor desde sua criação em 2006 e trouxe o debate da educação muito forte para as instituições. Se analisar antes e depois do Todos pela Educação, o papel do terceiro setor passou por uma importante transição.”

Mozart Ramos, também membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), diz que esse valor investido de mais de 3 bilhões de reais é muito rico porque é colocado sobretudo para geração de um produto a partir de um processo, então é um dinheiro muito nobre. “Não é o volume de dinheiro, embora seja importante se considerar. Mas não é para pagamento de pessoal e custeio, mas sim para investir em ações, sem as amarras que normalmente o dinheiro público tem.”

Existe um outro ponto que chama a atenção, segundo ele. Quando o terceiro setor se move, há maiores chances de evitar a descontinuidade da política pública. Isso ocorre na mudança de governo, às vezes nem muda o governo, mas o novo secretário estabelece outras prioridades, há uma reversão de medidas.

“Agora, com o terceiro setor envolvido, aí o cara pensa duas vezes para romper. As escolas de tempo integral do ensino médio começaram na nossa gestão como secretário do governo Jarbas Vasconcelos. Na transição para Eduardo Campos, uma transição política muito complicada, só se manteve o programa porque Marcos Magalhães, do ICE, pernambucano com grande prestígio social, foi lá no Eduardo e disse: ‘Olha, a gente tem que manter esse programa’. Então, o papel do terceiro setor são várias facetas, não é só o dinheiro, não é só a inovação, é também a importância política da continuidade da política pública”, conclui Mozart.

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Autor

Edimilson Cardial


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