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Entrevistas

“Professor inexperiente na periferia é assinar a desigualdade”

A baiana Anna Penido se resume nas redes sociais como uma jornalista por formação, educadora por vocação e idealista por compulsão. Atuante na área da educação há 30 anos, hoje está à frente de mais um desafio: é diretora executiva do recém-lançado Centro Lemann de […]

Publicado em 17/12/2021

por Laura Rachid

A baiana Anna Penido se resume nas redes sociais como uma jornalista por formação, educadora por vocação e idealista por compulsão. Atuante na área da educação há 30 anos, hoje está à frente de mais um desafio: é diretora executiva do recém-lançado Centro Lemann de Liderança para a Equidade da Educação, com sede em Sobral, Ceará.

O centro, vinculado à Fundação Lemann, atuará por meio de dois braços: Programa de Formação de Lideranças Educacionais, voltado a secretários de Educação de diferentes regiões, técnicos e diretores escolares, a princípio de municípios com alto índice de desigualdade, e o Programa de Pesquisa Aplicada, que visa colaborar com pesquisas nacionais e internacionais e ainda apoiar a formação de jovens pesquisadores – sempre com estudos voltados à redução das desigualdades educacionais.

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Penido já coordenou o escritório do Unicef para os estados de São Paulo e Minas Gerais, participou do programa de desenvolvimento de lideranças sociais da Universidade Harvard e da formação em direitos humanos da Universidade Columbia, também nos EUA. Foi diretora do Instituto Inspirare, voltado a inovações educacionais e é fellow Ashoka empreendedores sociais.

Anna Penido: não queremos replicar o modelo de Sobral
(foto: divulgação)

Confira, a seguir, uma entrevista coletiva com Anna realizada em Sobral no último dia 8, em que participaram a nossa jornalista Laura Rachid, Naiara Galarraga Gortázar, do El País, Victor Santos, da Nova Escola, e Vinícius de Oliveira, do Porvir.

Por que um centro que foca em equidade?

Você precisa entender, no caso da educação, a especificidade de cada estudante para garantir que cada um aprenda sem que ninguém seja deixado para trás. Isso parece uma coisa óbvia, mas não é. Quando a gente tem, inclusive no Brasil, um contingente tão grande de estudantes, a tendência é oferecer o padrão para atender em escala. Então a granularidade das dificuldades socioeconômicas, étnico-raciais, das crianças e adolescentes com deficiência, questões regionais, questões emocionais, todas essas coisas muitas vezes ficam negligenciadas e o resultado é que os estudantes não aprendem. Inclusive nas questões pedagógicas, porque alunos com perfis diferentes aprendem de maneira diferente e se oferece a mesma aula, o mesmo pacote padronizado para todo mundo.

O que acontece é que em algum momento aqueles que estão “mais abarcados” à aquela metodologia avançam, mas muitos vão ficando de lado. Aí o professor passa a olhar só para aquele que acha que consegue tocar, engajar, ensinar. É um processo não tão intencional, começa a acontecer e vai sendo naturalizado e as pessoas vão dizer: é, tem pessoas que não aprendem mesmo. Educação, escola, não é para eles. O que é uma forma de alguns educadores e dos sistemas se apaziguarem com a sua própria frustação: eu faço o meu melhor, mas eles não têm condição.

O que queremos aqui [com o centro] é justamente romper com essa naturalização do fracasso e criar altas expectativas em relação à aprendizagem de todos, todo mundo tem potência, todo mundo tem condições de aprender e precisamos encontrar as formas de assegurar que todos aprendam.

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Como se aproximar de lideranças como prefeitos, secretários e diretores por meio de um diálogo construtivo para a conversa avançar e mudanças acontecerem de forma efetiva na educação?

Para todo mundo aprender eu preciso desenvolver as estratégias que realmente assegurem esse direito para cada um e isso passa pela crença, passa pelo eu também me incomodar para que eu desnaturalize. Tem uma segunda camada que é a capacidade de visão sistêmica, porque a questão da equidade é multifatorial. A desigualdade é gerada por muitos fatores: acesso, nível socioeconômico, preconceito, uma série de coisas. Então não dá para ser linear no enfrentamento da desigualdade. É preciso ver as coisas por um outro patamar e buscar articular soluções, porque é complexo. Não é trivial, não é qualquer gestor que consegue fazer isso. E tem uma parte da tomada que é a operação propriamente dita. Temos muita política, programa legal que não conseguem ser bem implementados porque falta também uma capacidade de gestão operacional. Entendemos que muitas vezes essas lideranças conversam em algumas ou todas essas dimensões. Mas quando o prefeito e governador, secretário de Educação, diretor de escola, conseguem transitar por esses três níveis eles fazem uma diferença brutal na vida dos estudantes.

Uma escola com bom diretor é uma escola que funciona. Uma escola com mal diretor ela não funciona.

Tem pouca pesquisa sobre isso. Mas todos os casos que estão estudados têm ali um diretor que faz a diferença, tem um secretário, tem um prefeito como Veveu Arruda [prefeito de Sobral 2011-20166] que se envolvem e fazem a diferença. Então a gente escolheu intervir nessa questão da equidade a partir da formação dessas lideranças.

E a formação continuada dos docentes? A valorização do professor parte dessas lideranças?

A formação do professor é promovida pelo gestor. Quem desenha a formação do professor, quem define recursos para que essa formação aconteça, quem garante que esse professor vá seguir formação, tenha orientação, seja acompanhado, tenha condições que ele precisa para exercer bem a docência é o gestor. Se ele está preocupado com isso, a tomada de decisão será toda canalizada para garantir que esse professor possa fazer um bom trabalho e garantir a aprendizagem desse estudante. Se ele não está conectado com e preocupado com o estudante e com o professor que vai formar esse estudante, aí ele vai priorizar outras coisas e certamente não vamos ter aprendizagem e muito menos com equidade. Ele é a condição sine qua non [do latim, indispensável] para que a formação continuada, por exemplo, aconteça.

Leia: Cátedra da USP: cidades médias impactam na qualidade educacional do país

Qual resultado de Sobral vocês querem replicar em outras regiões do país?  

Não queremos replicar o modelo de Sobral. Nossa intenção é muito mais entender quais foram os princípios e as alavancas que fizeram com que Sobral desse esse salto qualitativo. O que aprendemos com Sobral: na hora que o prefeito se viu com os dados de desigualdade [anos 2000] viu que metade dos seus estudantes eram analfabetos e se importou com esses dados, assumiu um compromisso público. Tinha uma questão de desnaturalização do fracasso. Em seguida fizeram um grande programa de seleção e formação de diretores escolares porque tinham que ter gente com esse mesmo compromisso em cada escola, fazendo a coisa acontecer em cada lugar. Não ia ser o secretário ou prefeito que fariam isso acontecer.

É isso que queremos inspirar e levar para as lideranças de outras redes, essa ideia de que ao empoderar as lideranças, elas serão capazes de resolver os seus problemas na sua realidade e não necessariamente importando soluções. Claro, soluções encontradas em vários lugares vão ser consideradas, não queremos todo mundo no empirismo de ‘vamos inventar’. Tem um monte de coisa com evidência mostrando o que funciona, há muitos dados que ajudam na tomada de decisão, mas a ideia é que essas lideranças sejam realmente capazes de encontrar suas próprias soluções e fazerem a sua revolução do seu jeito de forma contextualizada.

“Escola reproduz desigualdade” (foto: divulgação)

Como a pandemia impactou todas as atividades e planejamentos do centro?

Não é que a gente veio por causa da pandemia, mas talvez isso tenha deixado ainda mais relevante o que a gente veio fazer.

Eu brinco que a equidade educacional no Brasil é aquele elefante debaixo do tapete: todo mundo está vendo o elefante, mas não quer olhar para a cara dele porque não sabe o que fazer com ele.

A pandemia não só tira o tapete como joga o holofote nesse tapete, está todo mundo vendo a desigualdade educacional, ela está escancarada.

Mas ver é uma coisa e todas as pesquisas, a grande maioria nessa área revelam os dados: a desigualdade é racial, socioeconômica, territorial, de gênero, etc., só que pouquíssimas pesquisas existem para apontar soluções. O que eu faço com esse elefante, como desmonto tudo isso? Porque é um sistema que gera iniquidade.

Não é só que iniquidade na escola reproduz a desigualdade socioeconômica brasileira. A gente sabe que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e isso reflete em tudo, inclusive na escola. Mas a escola, em grande medida, que deveria equalizar as diferenças, potencializa, porque na hora que se coloca um professor mais inexperiente na escola de periferia você está assinando a desigualdade. Na hora que vem a pandemia e há condição de oferecer aula online para quem tem acesso só que há também quem não tem acesso à tecnologia, se acirra essa desigualdade. Então, como revertemos isso? É mudança, como falei, de crença e de estrutura, não é ação simples. E aí é preciso inteligência para enfrentar e desmontar o elefante, entender como que faz e as pessoas, de fato, não agem muitas vezes por má fé, é ignorância literal do termo de não saber o que fazer com ele e corre do elefante.

Queremos que a pesquisa gere soluções, gere referências e ajude a liderança, que está lá muitas vezes desassistida, a tomar boas decisões e agora mais do que nunca temos que agir.

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Qual é o principal problema histórico da educação pública no Brasil?

Difícil apontar um. O principal, vamos dizer, é que a educação foi negligenciada. É um problema de fundo. Como durante muitos séculos a ideia não era educar a população mais vulnerável, só se preocupou em educar a elite, geramos um passivo muito grande e na hora que decidiu democratizar o acesso à educação, vieram aquelas milhões de pessoas que nunca tiveram acesso à educação de uma vez para a escola e precarizou. Porque havia uma condição de atendimento que era x e isso se potencializou, se multiplicou e corremos atrás até hoje do prejuízo de tentar atender toda a população só que não tem recursos, infraestrutura, professores qualificados para esse atendimento.

Antes de 1988 não era um direito universal, a educação básica só vira compulsória já nesse processo de retomada democrática após a ditadura militar e realmente ela só vira compulsória de quatro a 17 anos, como é hoje, em 2009, é muito recente…mas não quer dizer que por ser compulsório é de qualidade. Todo mundo vai ficar na escola nessa faixa compulsória, mas não quer dizer que esteja aprendendo. Então o esforço seguinte foi o de qualificar -e que ainda estamos por meio de um processo em gerúndio lento. Acontece que foi qualificando mais para uns do que para outros. Às vezes há escolas muito bacanas e escolas muito precárias no mesmo município pequeno ou no mesmo bairro.

E o principal problema dos últimos três anos?

Bem ou mal lentamente, estávamos avançando visivelmente. Estou na área da educação há 30 anos e vi as coisas melhorarem, as políticas sendo estruturadas, as escolas de fato sendo melhor equipadas, vi muita coisa avançar e ao longo desses três últimos anos, para o nosso desespero, estamos vendo tudo isso ser desmontado. Tudo retrocedendo. Quando aparece uma crise como essa da pandemia, quando tudo já estava ameaçado, aí é uma bomba perfeita porque não tem quem ajude a desarmar, ao contrário, o que se viu foi um desencontro de informações, uma omissão que fez com que realmente os efeitos da pandemia fossem muito maiores do que poderiam ser houvesse um sistema de educação mais estruturado e com um Governo Federal pronto para fazer essa coordenação e entender que no Brasil, dos 5 mil e 500 municípios, têm uns muito pequenos, com muito pouco acesso a tudo. E muitas vezes é o Governo Federal e estadual que podem ajudar. Sem essa coordenação ficou muito salve-se quem puder.

Eu diria que os últimos três anos para quem está lidando nessa área há muito tempo é bem frustrante e desanimador, mas também me dá mais vontade de fazer alguma coisa.

O Bolsa Família foi fundamental para a permanência na escola de alunos de classe socioeconômica baixa. Existe algum programa nesse sentido a nível regional?

Eu não conheço um outro programa de incentivo de acesso à escola fora do Bolsa Família – que foi uma política muito importante de fazer com que as pessoas garantissem que seus filhos estivessem na escola. Porque quando falamos do direito à educação, falamos de acesso, permanência, aprendizagem e conclusão. Se ele não está na escola ou vai e depois abandona ele não tem como aprender. Se ele estiver na escola tem aprendizagem e se ele precisa de algum suporte como bolsa para a família, para ele não ter que trabalhar, está valendo muito. Estando lá a chance acontece, sem estar lá não tem milagre.

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Autor

Laura Rachid


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