NOTÍCIA
Em comum, o exercício de equilibrar questões administrativas com um projeto de escola coletivo em que se exige cada vez mais inovação
Quem é gestor escolar sabe que se trata de uma função que requer dedicação absoluta: acordar com a escola na cabeça, almoçar e jantar com a sala de aula no prato, dormir planejando o dia seguinte e sonhar com a educação do futuro. Não bastasse isso, os tempos contemporâneos tornam tudo mais complexo e urgente: relação com as famílias estressadas pelo ambiente de polarização, necessidade de inovar com poucas certezas, competição acirrada, consolidação econômica do setor, reformas curriculares – tudo junto, misturado e para já.
Leia também
Diretora e diretor escolar falam de seus desafios e conquistas
Escolas de baixo custo preocupam as isoladas
O cardápio é diversificado e tem todos os sotaques. A revista Educação ouviu mais de uma dezena de diretores de escolas privadas de diferentes estados para saber sobre suas angústias e conhecer suas dores e destacamos alguns desses gestores aqui. “O problema é que dói tudo”, resume Esther Carvalho, diretora do Colégio Rio Branco, em São Paulo, gestora que não apenas toca o dia a dia de duas grandes unidades, mas também se dedica a estudar sobre gestão e inovação, tema de seu mestrado e livros.
Para Esther, trata-se de um cenário que requer múltiplas perspectivas. Por um lado, diz, as escolas precisam se posicionar diante de um contexto novo, agressivo e complexo, em que a dimensão pedagógica clara e consistente seja acompanhada por uma gestão profissional em termos administrativos e financeiros.
Ao mesmo tempo, enquanto constroem um projeto coletivo, as escolas lidam também com a realidade das demandas próprias de cada família – nem sempre possíveis de serem contempladas. “É fundamental ter um olhar atento sobre essas expectativas, trazendo a comunidade escolar para perto e ao mesmo tempo estabelecer os limites do coletivo e da proposta da escola”, acredita a diretora.
Como é comum em cenários complexos, há múltiplas leituras possíveis, mas também há convergências entre o pensamento dos gestores. Entre elas, a convicção de se avançar na profissionalização da escola e da sua gestão. O sonho de escolas que se sustentam apenas sobre ideais pedagógicos, tão comum na origem, cai por terra no cotidiano difícil. Para os diretores, a gestão global é necessária até mesmo para que o valor de um posicionamento pedagógico mais consistente seja percebido. “O posicionamento estratégico sustentável depende de um projeto de diferenciação – que deve ser pedagógico, mas não só: precisa levar em conta outros fatores, como estrutura e serviços às famílias”, explica João Paulo Salgueiro, do Colégio Salgueiro, em SP.
Os desafios estão na ordem do dia – tanto os atuais como os vindouros. Na comissão de frente, um ambiente de crise econômica que parece não ter fim e já impacta a renda das famílias. Some-se a isso um crescimento demográfico já lento. Assim, a sustentabilidade da educação privada implica não perder alunos para o vizinho e, quem sabe, atrair alguns para o lado de cá.
De olho nesse cenário de fragilidade e com cacife alto, os grupos econômicos mais fortes se movimentam e aceleram a consolidação do setor – dezenas de conhecidas escolas particulares passaram a integrar suas carteiras nos últimos anos. Da mesma forma, os sistemas de ensino crescem e se apresentam como alternativas possíveis para que as escolas consigam lidar com tantas frentes de desafio.
Não está fácil para ninguém. Mas se há algo que faz parte do DNA dos que se dispõem a liderar projetos educativos é uma esperança inabalável no futuro. Nas escolas, essa confiança atende pelo nome de inovação.
Não que alguém possa dizer com segurança o que é inovar. Ao contrário, há razoável consenso de que muitas escolas ainda correm atrás de soluções tecnológicas de prateleira e que, no geral, ainda o movimento da transformação digital foi pouco além da transmissão de aulas.
Mas, também, há a percepção de que a máquina escolar destravou, e a escola começa a avançar em áreas como a flexibilização curricular, a diversificação dos espaços de aprendizagem, o foco nas competências, a maior participação dos alunos e a busca por novos modelos de ensino e aprendizagem, mais personalizados e próximos da realidade dos alunos. Pelo menos, já se estabeleceu a consciência de que os modelos tradicionais precisam ser revistos.
Leia também
Ao excluir professor homem, educação infantil limita convivência com diferentes modos de ser
António Nóvoa: aprendizagem precisa considerar o sentir
Assim, as escolas apostam também na possibilidade de um novo pacto com as comunidades que, ao longo do tempo, buscarão projetos mais autorais e nos quais se reconheçam.
“Na medida em que a diversidade curricular prolifere, surgirão oportunidades para soluções de nicho, para escolas que não queiram se submeter a pacotes prontos. Vejo boa perspectiva para projetos autorais, com professores também autorais”, pensa Pedro Flexa Ribeiro, do Colégio Andrews, no Rio de Janeiro.
“A reforma curricular e o amadurecimento das práticas híbridas abrem um novo caminho, com a possibilidade de parcerias e complementaridade entre instituições, inclusive de regiões diferentes. No Andrews já estamos aplicando soluções desenvolvidas pelo nosso corpo docente”, exemplifica o diretor.
Isso traz como consequência menor dependência dos modelos pré-formatados e a aposta no desenvolvimento de processos de curadoria e construção do próprio material de ensino, sejam físicos ou digitais.
“As soluções padronizadas não criam diferenciais e levam ao nivelamento, restando aos pais uma guerra de preços”, acredita Renir Damasceno, diretor pedagógico do Colégio Amadeus, em Aracaju, SE.
Qualquer que seja o caminho adotado, os gestores escolares sabem que a formação de equipes cada vez mais qualificadas é essencial. Para Ana Paula Piti Azevedo, sócia da Diálogos Viagens Pedagógicas, consultora que conversa rotineiramente com gestores, a maior dor das escolas está na formação das equipes. Isso significa acrescentar às competências dos educadores aquelas que são necessárias no século 21 e não fizeram parte de sua formação inicial. “Apenas assim será possível assimilar de forma ativa as transformações, resistir e ressignificar a escola como espaço de aprendizagem: fortalecer o ambiente físico; encontrar lugar para o digital e envolver todos os agentes nessa construção”, acrescenta.
“Inovação na escola tem natureza incremental, não disruptiva. Envolve o estabelecimento de uma cultura organizacional construída a partir do equilíbrio entre três elementos: desenvolvimento de pessoas, manutenção de propósito e infraestrutura”, define Esther Carvalho, do Rio Branco.
Visão semelhante tem André Pedr’Angelo, CEO da Escola Toque de Mãe, em Cuiabá, MT. “Todo e qualquer desafio devem ser enfrentados a partir de uma cultura sólida. Se esta tarefa ficar somente a cargo do gestor, com todo o time somente na retaguarda, os desafios se tornam crises”, ensina.
Se o tema é cultura, as escolas devem agora passar por uma verdadeira revolução cultural, com a chegada do novo ensino médio. Isso acontece por muitas razões. Nas escolas privadas, os gestores sempre criticaram a forma como os vestibulares acabam por influir nas escolas pedagógicas. É o caso da diretora do paulistano Colégio Passo Seguro, Mara Custódio, para quem as escolas ainda estão presas nos moldes curriculares requeridos pelos grandes vestibulares, sem ter clareza do que realmente importa na formação escolar.
Por essa razão, o período de mudanças estruturais no currículo induzidas pelos novos marcos regulatórios da educação poderia ser visto também como uma fase de possibilidades para as instituições de ensino que querem se transformar.
Ou não: para alguns, como Maurício Tricate, diretor administrativo do Colégio Magno, boas oportunidades de modernização da educação brasileira, como a reforma do ensino médio, correm o risco de se perder, sem provocar mudanças verdadeiras. Para ele, há uma grande disparidade entre a intenção transformadora das medidas e a sua efetividade. O efeito, na avaliação de alguns, pode ser ainda pior. Do ponto de vista de Antonio Sergio Ferreira Brandão, do centenário Colégio Ofélia Fonseca, em São Paulo, a complexidade do cenário como um todo aponta para o risco de persistência da grande desigualdade educacional brasileira. “Essa é a grande dor que devemos enfrentar”, conclui.