NOTÍCIA
Obra reúne 14 especialistas para analisar o comportamento das desigualdades brasileiras ao longo das últimas cinco décadas
Desde que se inaugurou o mundo que conhecemos como moderno, no qual todos os indivíduos são considerados como iguais, a desigualdade social provoca debates, gera muita pesquisa e organiza o foco das ações do Estado para atenuar os seus efeitos. Ou seja, numa sociedade em que todos são iguais por princípio, a vida real cheia de desigualdades aparece como um problema a ser explicado.
O livro coordenado por Marta Arretche abre ricos caminhos para pensar respostas a essas questões. Ele reúne 14 estudos, organizados em cinco eixos: participação política, educação e renda, políticas públicas, demografia, mercado de trabalho. É uma obra de fôlego cuja leitura é exigente, mas recompensadora. A abordagem escolhida, de tratar as transformações dessas desigualdades ao longo de cinco décadas, permite compreender a abrangência e a multiplicidade desse longo período.
Nesse conjunto, destacar a educação é relevante: nas sociedades modernas, a escolaridade é um critério aceito como válido para distribuir as pessoas numa estrutura de posições sociais desiguais. Em sociedades democráticas, cada indivíduo tem acesso a oportunidades educacionais semelhantes, independentemente de sua origem social. No Brasil, as oportunidades educacionais não estão bem distribuídas. Assim, se a expansão educacional levou a alguma redução da desigualdade de renda no mercado de trabalho, haveria também uma persistência das barreiras que limitam a progressão dos indivíduos no sistema de ensino, particularmente nos níveis médio e superior. E se nesses 50 anos houve uma expressiva melhora nas taxas de entrada de mulheres, pretos e pardos no ensino superior, essa abertura beneficiou mais as mulheres, que inclusive passaram a ingressar em carreiras antes tipicamente masculinas. Finalmente, há claras indicações da persistência das desvantagens acumuladas por negros e pobres que conseguem chegar ao ensino superior.
Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos (Editora Unesp, 480 págs., R$ 69) |
A sociedade brasileira como um todo passou por mudanças substantivas. Os estudos reúnem os dados dos censos demográficos entre 1960 e 2010, na busca por construir coletivamente uma análise sistemática das desigualdades e suas trajetórias. Articulando uma equipe com vários dos melhores pesquisadores no país, o trabalho expõe alguns dos avanços e melhorias alcançados assim como outros tantos fracassos e dificuldades. A mesma dinâmica de urbanização e industrialização que abre espaços sociais mais amplos para as mulheres ainda estabelece limites significativos para a inclusão de pretos e pardos. Mas se as desigualdades teimam em persistir, as políticas, movimentos de participação coletiva e a mudança paulatina nos costumes, nas famílias, associada à vida urbana e à maior educação, permitem pensar que se pode construir uma trajetória declinante, pelo menos para algumas dessas desigualdades.
Maria Ligia Barbosa é doutora em ciências sociais e, atualmente, professora associada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde coordena o Laboratório de Pesquisa em Ensino Superior.