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Educação no Mundo

Ponte para a educação

Inspiradas em exemplo português, escolas brasileiras eliminam divisão por séries e estimulam a autonomia dos alunos. Na cidade de São Paulo, duas escolas da rede municipal de ensino adotaram a proposta e vêm colhendo bons resultados

Publicado em 06/11/2012

por Juliana Duarte

Gustavo Morita
A escola Projeto Âncora, de Cotia, busca aproximar os conteúdos diários aos interesses dos alunos

A criança entra na escola, encontra os colegas e parte para a primeira atividade: montar o planejamento do dia, que contém o que ela irá fazer e em quais horários. Depois de estabelecer seu próprio roteiro, segue para as tarefas. Além de pesquisas e estudos sobre temas variados, ainda participa de aulas de circo, culinária, jardinagem e línguas. Quando está na hora de ir embora, os pequenos fazem uma autoavaliação onde anotam tudo aquilo que aprenderam. É assim, com autonomia e liberdade, que as aulas acontecem na Escola Projeto Âncora, localizada em Cotia (SP). A instituição começou a funcionar em janeiro de 2012 e buscou inspiração no modelo pedagógico implantado na Escola da Ponte, pertencente à rede pública e localizada a 30 quilômetros da cidade do Porto, em Portugal.

Há 37 anos, a escola lusitana deixou as barreiras físicas de lado e, com uma proposta ousada, mostrou que não há limites para o aprendizado. A Ponte não segue um sistema baseado em seriação, ciclos e aulas expositivas. Pelo contrário, os jovens desenvolvem projetos de pesquisa, tanto em grupo como individuais, com a mediação de seus tutores. As salas de aula deixaram de existir e deram lugar a espaços amplos, nos quais as crianças se reúnem para trocar experiências. “Passamos a ter uma cultura solidária e não mais solitária como era antigamente”, afirma o educador português José Pacheco, que criou o projeto e ofereceu consultoria à escola brasileira para o desenvolvimento de sua proposta pedagógica.
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No Brasil, o interesse por esse método educativo fora dos padrões cresceu nos últimos anos. Na cidade de São Paulo, duas escolas da rede municipal de ensino adotaram a proposta e vêm colhendo bons resultados. Uma delas é a Desembargador Amorim Lima, localizada no bairro do Butantã, zona oeste da capital paulista. Ao contrário do Projeto Âncora, que já nasceu com um plano pedagógico diferente, a instituição seguia o modelo tradicional – com divisão por séries e salas de aula compartimentadas – e teve de passar por um processo de adaptação. “Esse período envolve toda a comunidade, alunos, pais e professores. Durante a transição, é importante respeitar a formação adquirida até o momento e, sobretudo, acreditar na capacidade de aprendizado das pessoas”, afirma Pacheco, que enfrentou a mesma situação quando o método foi implantado na Ponte.

À brasileira
Segundo Ana Elisa Siqueira, diretora da escola, essa fase foi delicada, com altos e baixos, mas surpreendeu a comunidade. Os alunos passaram a desenvolver pesquisas a partir de suas áreas de interesse e a ter liberdade para decidir os caminhos a seguir.

Esse processo também aconteceu na Escola Municipal Presidente Campos Sales, localizada em Heliópolis, zona sul de São Paulo. Adotada há seis anos, a metodologia causou dúvidas no início e teve de se adaptar às condições do sistema educacional brasileiro. “A Escola da Ponte tinha 187 estudantes na época. Como levar isso para nossa realidade, com três períodos e cerca de 1.800 alunos?”, se questionava o diretor Braz Nogueira. Segundo ele, a falta de recursos destinados à educação e de apoio por parte do poder público eram grandes obstáculos que deveriam ser superados.

Na opinião de Pacheco, o Brasil enfrenta um problema de gerenciamento, o que atrapalha a implantação de novos métodos. “O país tem ferramentas, mas gere mal ou desperdiça seus recursos. Não adianta a escola se converter ao mundo digital e continuar adotando formas de ensino obsoletas, por exemplo. É preciso buscar uma instituição do conhecimento e abandonar um ensino meramente transmissivo”, afirma o educador.

De olho nessas questões, o diretor Braz decidiu fazer um estágio na escola Amorim Lima para vivenciar a proposta. Meses depois, buscou o apoio de pais, professores, alunos e da comunidade para formar um grupo articulado e levar a ideia adiante. A falta de disciplina e de interesse por parte de alguns estudantes o levava a acreditar que algo precisava ser modificado. “Para nossa sociedade, cabe ao adulto colocar dentro da cabeça da criança tudo o que ele acha que é certo. Desejávamos interferir e formar cidadãos autônomos e questionadores”, comenta.

Em 2007, as crianças, que ainda são separadas por séries, foram dispostas em salas amplas e numerosas e passaram a ter autonomia para pesquisar os temas com que têm mais afinidade. “Orientamos o estudante a perguntar para o seu colega antes de questionar o professor”, comenta. Ao final de cada aula, o jovem tem de 10 a 15 minutos para decidir quais tarefas fará no dia seguinte. “Buscamos ajudar a criança a ser competente, a se organizar, a tomar decisões e, principalmente, a ser portadora do conhecimento”, ressalta o diretor.

Práticas embrionárias
Para Pacheco, o modelo convencional de educação faliu há muitos anos no Brasil, mas pouco se faz para reverter esse cenário de degradação. O educador, que escolheu o país para disseminar seu aprendizado e conhecer novos métodos, conversou com professores que buscam propostas diferentes de ensino. “São práticas embrionárias, que provam a capacidade inventiva dos professores brasileiros. Para alguma delas vigorar, no entanto, é necessário requerer descentralização e questionar o modelo de relação hierárquica que existe atualmente”, afirma.

Segundo ele, na maioria das vezes esses projetos nem saem do papel, muito menos são avaliados pelo poder público. “Por não serem apoiados, acabam se perdendo. Tais iniciativas são reais oportunidades de mudança, mas raramente o poder criativo é acolhido pelos gestores do sistema”, explica. Essa dificuldade é a mesma que ele encontrou em Portugal há anos, mas não deve ser uma barreira definitiva. “Aos poucos, com muita conversa com pais e com os gestores, elaboramos a base do projeto e o levamos em frente. O importante é não desistir e acreditar que é possível mudar, pois nunca conseguiremos formar cidadãos responsáveis em uma escola onde os alunos não participam ativamente do processo de aprendizagem”, afirma.

Adaptação
Um de seus trabalhos mais recentes é a parceria com a Escola Projeto Âncora, situada em Cotia (SP). “Além de inspirar, ele orientou pessoalmente todos os passos da escola”, afirma Suzana Maria de Camargo Ribeiro, coordenadora geral do Projeto Âncora. A instituição foi criada a partir da intenção de formar cidadãos mais sábios, realizados e autônomos. “Os conteúdos vistos no dia a dia estão muito próximos da estrutura cognitiva dos alunos, bem como de seus interesses e expectativas de conhecimento”, comenta Suzana. Esse tipo de aprendizado, na opinião ela, proporciona ao aluno uma compreensão melhor de si mesmo, além de permitir que ele questione e busque soluções sempre. “Conseguimos notar também uma melhora na organização, tanto na escola como na vida, por meio de planejamento”, explica.

O método é implantado, em sua maioria, no ensino fundamental. Porém, nada impede que seja expandido para outros níveis. “Já usei essa metodologia em uma universidade e deu muito certo. Não há restrições para a criação das comunidades de aprendizagem”, afirma Pacheco. Na Escola Presidente Campos Sales, por exemplo, os alunos da modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) aprendem com autonomia. “Os resultados são melhores do que os observados no ensino fundamental comum. Não há um choque por parte dos estudantes, pelo contrário, eles gostam e se identificam com a proposta”, afirma o diretor Nogueira.

Outra situação que deve ser acompanhada com atenção é a fase de adaptação do aluno que vem de escolas com metodologias convencionais. “Esse processo costuma ser simples e ocorre naturalmente quando a criança percebe que pode aprender a partir de seus questionamentos”, explica Suzana, do Projeto Âncora. O mesmo acontece quando o jovem segue para o ensino médio. “Após vivenciar o aprendizado baseado no autoconhecimento e voltar para um modelo tradicional, o aluno não encontrará dificuldades, uma vez que ele já é autônomo e sabe como aprender”, ressalta.

Os professores que dão aulas em escolas convencionais e começam a atuar nessa proposta diferente também necessitam de um período de adaptação. A maioria das escolas não exige cursos específicos ou experiência em instituições com a mesma metodologia. “A adaptação acontece na prática. É preciso um tempo de trabalho dentro da escola para que eles possam compreender o funcionamento e conhecer os alunos”, afirma Maria Amélia Marcondes Cupertino, diretora do Colégio Viver, que integra a rede particular de ensino de Cotia (SP) e também aposta em um plano educativo que incentiva a participação dos alunos, os questionamentos e a autonomia. Na Escola da Ponte, por exemplo, os docentes são escolhidos por concurso. “Quando alguém se candidata, sabe que existe um perfil de educador que a instituição procura e, por isso, deverá respeitar essas características”, diz Pacheco.

O processo também será mais positivo se apoiado pelos pais. “Há famílias que compreendem o método e outras que no início não gostam, mas acabam conquistadas pelos resultados. É muito bom ter o respeito dos pais, afinal uma boa relação faz uma enorme diferença em nosso trabalho e na formação do aluno”, ressalta Maria Amélia.

Autonomia do professor
O objetivo da metodologia sem divisão por séries, segundo Pacheco, é educar os alunos com cidadania e autonomia. “Resolvemos mudar quando percebemos que os educadores não tinham essas características, havia apenas a obediência hierárquica comum no funcionalismo público. Ninguém dá o que não tem, muito menos ensina aquilo que não é”, afirma.

Quando deixou de haver apenas um professor na sala, todos passaram a ser responsáveis pelas ações do coletivo. “Essa reestruturação na cultura pessoal e profissional dos educadores gerou autonomia e conduziu a uma excelência de resultados”, diz. Na Escola Campos Sales, por exemplo, há três docentes em cada sala, mas quem decide o ritmo e as atividades é o aluno. “O professor tornou-se um mediador do conhecimento, que é buscado pela criança”, afirma o diretor Nogueira.

De onde vem a inspiração

Implantado em 1975, o projeto pedagógico ajudou a deixar para trás uma escola antes degradada e sem perspectivas de futuro. A metodologia adotada na Escola da Ponte surgiu da vontade de dar autonomia e cidadania aos alunos. A ideia era acabar com a relação autoritária entre estudantes e professores e, assim, estimular a busca pelo conhecimento por meio da troca de experiências.

Foi então que um grupo de educadores liderado por José Pacheco resolveu inovar e elaborar uma proposta diferente, sem séries, ciclos, avaliações e com uma arquitetura que permite a convivência. Os estudantes não ficam em salas compartimentadas, mas sim em espaços amplos e abertos. “Talvez o que atraia as atenções para a Ponte seja a prova de que é possível aliar excelência acadêmica com inclusão social, em uma escola que acolhe a todos e dá condições de formar crianças sábias e felizes”, afirma o educador português. Prova disso é uma avaliação encomendada pelo Ministério da Educação de Portugal a uma equipe da Universidade de Coimbra. Depois de uma análise minuciosa, os estudiosos constataram que os ex-alunos da Ponte apresentaram desempenho superior ao de jovens que estudaram em escolas tradicionais.

Autor

Juliana Duarte


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