NOTÍCIA
Depois de completar um ano, Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) prepara-se para sua primeira prova de fogo: as eleições municipais deste ano
O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) completou um ano de existência em abril e aproxima-se de sua primeira grande prova de fogo: as eleições municipais de 2008. O desafio se explica pela arquitetura do Plano, baseada num pacto entre os três níveis de governo – União, Estados e municípios -, em que cada um passa a desempenhar um papel claramente definido, com vistas a melhorar a qualidade da educação.
Desse modo, governadores e prefeitos se responsabilizam pelo desenvolvimento de ações que revertam na melhoria da aprendizagem e do desempenho dos estudantes e dos sistemas de ensino, conforme as prioridades estabelecidas no Plano de Ações Articuladas (PAR) e as metas do Índice de Desenvolvimento da Educação (Ideb). O governo federal, de sua parte, entra com recursos e assistência técnica para viabilizar a implementação de programas considerados estratégicos para que os objetivos sejam alcançados.
O receio é que a mudança de cenário nos municípios acarrete uma desmobilização em torno dos compromissos assumidos pelos prefeitos e pelas sociedades civis locais, num contexto em que os pactos ainda estão se consolidando. "O Brasil é campeão de descontinuidade das políticas na área social. Considerando essa tradição, é difícil saber até que ponto o PAR será preservado se houver muitas mudanças políticas", analisa Mozart Ramos Neves, presidente-executivo do movimento da sociedade civil Todos pela Educação.
O PAR consiste em um plano construído pelos municípios com base numa auto-avaliação realizada segundo critérios estabelecidos pelo MEC. A partir dele são definidas as linhas e áreas prioritárias de ação em nível local. Ele é o pré-requisito para as prefeituras assinarem um compromisso com o Ministério, que as habilita a receber recursos e assistência técnica. É, portanto, o instrumento central para a implantação das ações do PDE. A presidente do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação (Consed), Maria Auxiliadora Seabra Rezende, avalia como "enorme" o risco das eleições para o PDE. Por isso, segundo ela, aumenta muito a responsabilidade da sociedade na manutenção da mobilização.
Mobilização social
O MEC se contrapõe a esses argumentos alegando que, de um lado, o fato de o PAR ser firmado por um período de dois anos gera uma situação em que os novos prefeitos não poderão simplesmente mudar o rumo tomado pelos seus antecessores. Nesse sentido, é relevante que praticamente a totalidade dos municípios brasileiros – pouco mais de 5.200 entre os 5.564 – tenha assinado o compromisso com o MEC. De outro lado, alega a assessoria de imprensa do MEC, o próprio ministro Fernando Haddad e outros dirigentes do Ministério estariam pessoalmente empenhados em difundir, em suas andanças pelo Brasil, a importância de manter acesa a mobilização em torno da bandeira da qualidade da educação.
A mobilização e o envolvimento dos Estados e municípios são dois dos pilares de sustentação do PDE. Como assinala a professora da Universidade de Brasília (UnB) e membro do Conselho Nacional de Educação, Regina Vinhaes Gracindo, para que o PDE chegue à escola é necessária a anuência dessas instâncias da federação. É nesse sentido que estão sendo feitos os acordos com os governos estaduais e municipais para atingir as metas. Contudo, é um processo complexo, cujos resultados levam tempo para aparecer. "Não é algo que se planta em um dia e se colhe em um ano. Não se está eximindo o governo federal da responsabilidade de ser mais ágil, mas é, de fato, complicado, porque os problemas da educação brasileira são muito grandes", pondera a conselheira. Opinião semelhante tem a presidente do Consed: "O PDE tem um desenho que demora um tempo para se concretizar", afirma Maria Auxiliadora.
Embora não seja possível prever, neste momento, o resultado do primeiro teste de sustentabilidade pelo qual o PDE vai passar, existe um consenso em torno da idéia de que ele trouxe avanços para a educação brasileira. Um deles é o fato de trazer um foco – a melhoria da qualidade tomando como referência indicadores e metas pré-estabelecidos, – o que acarreta um novo tipo de relacionamento entre as instâncias responsáveis pela Educação Básica no país. "Está havendo mais aproximação e articulação entre os sistemas de ensino", aponta a presidente do Consed.
Outro efeito positivo, também no nível da gestão dos sistemas de ensino, é a possibilidade de criar uma cultura de planejamento de médio e longo tempos com prazos e metas, assinala Ramos Neves, do Todos pela Educação. Ele também enfatiza como positivo o envolvimento de novos atores da sociedade civil, como as lideranças empresariais, num processo que qualifica como "pactuação pela educação".
Exemplo desse engajamento é uma negociação que está em andamento entre o MEC, o Grupos de Institutos, Fundações e Empresas (Gife) e o movimento Todos pela Educação. Se as negociações vingarem, as entidades ligadas ao Gife, as quais já investem em educação, vão colaborar com os governos no desenvolvimento de ações nos municípios no âmbito do PDE. "Esse engajamento é positivo porque pode dar à educação, de fato, um caráter de prioridade. Atualmente, a educação possui um fôlego de prioridade, mas ainda não o é. Não está consolidada no Brasil a idéia de que sem uma educação de qualidade não haverá sustentabilidade."
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Prioridades
Paralelamente à semeadura de novos paradigmas e padrões de relacionamento entre os três níveis de governo, é possível identificar entre as 54 ações que compõem o PDE algumas indicações claras das prioridades, no âmbito das políticas públicas, para a Educação Básica brasileira: a formação de professores e o ensino profissionalizante de nível médio.
Ambas as áreas são consideradas críticas e estratégicas para o sucesso do PDE e para que as metas de melhoria de qualidade fixadas para 2022 sejam atingidas. O MEC admite a existência de um déficit de 246 mil professores no país, principalmente em física, química, matemática e biologia. Já no âmbito do ensino médio, é possível identificar uma série de ações no sentido de promover uma articulação com o ensino médio, com a finalidade de melhorar e qualificar a aprendizagem dos jovens.
Na área de formação de professores, o destaque foi a reformulação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que passou a se ocupar das diretrizes e políticas de formação de professores. A "nova Capes", como é conhecida, tem no Conselho Técnico-Científico da Educação Básica seu principal órgão definidor das linhas de ação. O Conselho é composto por 30 membros, dos quais dez pertencem ao MEC, e está ativo desde fevereiro.
De acordo com o diretor de Educação Básica Presencial da Capes, Dilvo Ristoff, está sendo estruturada a "federalização do sistema de formação de professores", a qual se dará em dois âmbitos. Uma vertente consiste no que Ristoff chama de "esforço de planejamento e de ação da União em chamar para si a responsabilidade pela formação de professores em quantidade suficiente". Isso está se dando em três linhas de ação. Primeiro, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), por meio do qual haverá uma ampliação das vagas para licenciatura nas universidades federais.
Segundo, a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (Ifets), previstos no PDE, que vão reservar uma parte das suas vagas para formar docentes na área das ciências da natureza. Estão sendo criados 38 Ifets, em todas as unidades da federação. Os Ifets vão oferecer 12 mil vagas por ano, afirma Ristoff. Em terceiro lugar, a Universidade Aberta do Brasil (UAB), que usa a educação a distância, complementará a oferta de vagas para a formação inicial e continuada de professores. A meta é chegar até o fim de 2008 com 562 pólos em funcionamento.
Além da ampliação da oferta de vagas, a Capes está colocando em prática ações de fomento à licenciatura e à docência na Educação Básica. O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) vai conceder, neste ano, 20 mil bolsas de estudo para alunos de licenciatura que se envolverem em projetos de melhoria da qualidade da educação desenvolvidos em escolas públicas. A meta é dobrar a oferta de bolsas em 2009. Há ainda, entre outras iniciativas, o Programa de Qualificação das Licenciaturas (Prodociência), que prevê a distribuição de R$ 3 milhões para projetos de qualificação das licenciaturas em universidades federais e estaduais.
Apesar dessas iniciativas, há quem identifique a necessidade de acelerar o processo. A professora Regina Gracindo avalia que é preciso ampliar a mobilização das instituições de ensino superior. "A nova Capes é um avanço, porque significa que o Estado está assumindo sua responsabilidade na área de formação de professores, mas o envolvimento das universidades ainda é pequeno." De sua parte, César Callegari, presidente do Conselho Nacional de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb, considera que "a universidade pública ainda não deu uma resposta à altura das necessidades do país na área de formação docente".
Mozart Ramos Neves, do Todos pela Educação,alerta :"o Brasil é campeão de decontinuidade das políticas na área social" |
No campo do ensino profissionalizante, o PDE abarca um conjunto de ações que vão desde a oferta de cursos técnicos de nível médio a distância (E-Tec Brasil) até o apoio financeiro para que Estados e municípios desenvolvam projetos de integração do ensino médio regular e do ensino técnico (Brasil Profissionalizado), passando pelos Ifets. Além das ações no campo da formação docente e do ensino profissionalizante, que podem ser consideradas núcleos duros do PDE no âmbito da Educação Básica, estão sendo implementadas, desde 2007, ações no campo da educação infantil – o financiamento da construção de creches, a informatização e instalação de internet em todas as escolas públicas do país, além da ampliação dos programas de transporte, merenda e distribuição de recursos a escolas para toda a Educação Básica (ver quadro nas págs. 62 e 63).
Mais dinheiro
Outra frente fundamental para o sucesso do PDE é o financiamento de ações. Nesse sentido, o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que deverá movimentar R$ 60 bilhões somente em 2008, entre recursos da União, estaduais e municipais, pode ser considerado um grande avanço, avalia Callegari. "O Fundeb já se revela um indutor da ampliação da oferta de educação infantil e da melhoria da qualidade da educação de jovens e adultos."
Apesar disso, os recursos financeiros podem vir a se constituir em um novo nó a ser desatado para assegurar o sucesso do PDE. "Os problemas da educação brasileira são tão grandes que a realidade não será mudada de forma homeopática, é preciso um remédio forte para combater uma doença que está instalada", analisa a professora Regina. Nesse sentido, ela defende um choque de recursos, caso contrário, talvez não seja possível dar o salto de qualidade de que a educação brasileira necessita. A presidente do Consed faz uma reflexão na mesma linha. "Começa a haver uma cobrança da sociedade por mais resultados, mas para que eles sejam atingidos é preciso mais dinheiro para a educação", afirma Maria Auxiliadora. Ela pondera que o desempenho que se espera da educação brasileira é semelhante ao de países que investem cerca de 6% do Produto Interno Bruto (PIB), ao passo que o Brasil permanece abaixo dos 4%.
O Plano e a Educação Básica
UAB
Parceria entre Estados, municípios e universidades públicas em programa de ensino superior a distância.
Objetivo: Formação inicial de professores não graduados da educação.
Andamento: 291 pólos de apoio presencial em funcionamento desde o final de 2007, em todos os Estados brasileiros. Com base no processo seletivo concluído em março, previsão de criação de outros 271 pólos em 2008.
Pibid
Bolsas para os alunos de licenciaturas e pedagogia das universidades públicas que desenvolvem projetos em escolas públicas.
Objetivo: Incentivar o magistério nas áreas com maior carência de professores (ciências, matemática, física, química e biologia).
Andamento: 20 mil bolsas de R$ 350, em 2008, aos alunos de licenciatura. Coordenadores recebem bolsas de R$ 1.200 e supervisores, de R$ 600. Cada projeto recebe ainda R$ 30 mil por ano para a execução.
Prodociência
Apoio a projetos de melhoria dos cursos de licenciatura em universidades públicas federais e estaduais.
Andamento: 75 projetos aprovados; novo edital previsto para 2008.
Novo Fies
Novas regras asseguram benefícios aos alunos de licenciatura – financiamento integral da mensalidade e juros mais baixos.
Proinfo
Inclusão digital por meio do acesso à informática e à internet nas escolas. Universalização do acesso nas escolas públicas de todo o país prevista para até 2010.
Andamento: 5,3 mil municípios atendidos em 2007. Para 2008, a previsão é chegar a 6,5 mil municípios e 13 mil escolas.
Recursos: R$ 400 milhões em 2008.
E-Tec Brasil
Sistema de cursos gratuitos a distância na educação técnica de nível médio.
Objetivo: Ampliar, interiorizar e democratizar o acesso à educação profissional.
Andamento: 50 mil vagas em 147 cursos de 250 pólos oferecidas desde março de 2008.
Recursos: R$ 75 milhões em 2008.
Brasil Profissionalizado
Novo modelo para o ensino médio que combina formação geral, científica, cultural e profissional.
Objetivo: Integrar ensino médio regular e profissionalizante.
Andamento: Sistema on-line para solicitação de recursos implantado.
Recursos: R$ 210 milhões em 2008.
Fundeb
Financia todos os níveis da Educação Básica. Em vigor desde janeiro de 2007.
Recursos: R$ 2 bilhões (aporte do governo federal em 2008).
Plano de Metas do PDE
Metas acordadas entre municípios e União para melhoria do ensino. Quem adere recebe recursos e assistência técnica do MEC.
Andamento: 5.377 municípios já aderiram.
Proinfância
Financiamento a municípios para construir creches.
Andamento: 497
projetos aprovados.
Recursos: R$ 340 milhões.
Atenção ao aluno
Transporte, alimentação escolar e dinheiro direto na escola para toda a Educação Básica.
Andamento: Projeto
de lei em tramitação no Congresso Nacional.
Recursos: R$ 623 milhões (2008).
Brasil Alfabetizado
Combate ao analfabetismo (com foco no Nordeste e jovens de 15 a 29 anos).
Andamento: 1.076 municípios atendidos (2007). Meta para 2008:
1.900 cidades. Recursos: R$ 350 milhões.