NOTÍCIA

Olhar pedagógico

Autor

Paulo de Camargo

Publicado em 17/11/2025

Brasil avança na difusão da cultura oceânica nas escolas e redes de ensino

Iniciativas como a Escola Azul, rede com 619 escolas de diferentes regiões, sendo 77% públicas, envolvem pessoas empenhadas em trazer a pauta para o centro do currículo

No último dia 18 de setembro, o navio hidroceanográfico Vital de Oliveira zarpou da base da Marinha brasileira, em Niterói (RJ), em direção ao Porto de Santos (SP), primeira etapa de uma viagem de 40 dias. Até aí, nada excepcional, a não ser pelo fato de que levava a bordo pela primeira vez, além da tripulação, passageiros especiais: educadores envolvidos na rede Escola Azul Brasil, iniciativa que reconhece e valoriza escolas engajadas com a cultura oceânica. Em diferentes etapas da viagem, 11 professores de escolas públicas e privadas participam de um percurso que passa por São Sebastião, Fortaleza e encerra sua jornada em Belém do Pará, durante a COP30. “É uma experiência realmente única, um privilégio. Estamos no maior navio de pesquisa brasileiro, acompanhando as pesquisas”, diz a educadora ambiental Romilda Roncatti, integrante do grupo.

Exultante pelas inéditas possibilidades abertas nessa parceria institucional com a Marinha brasileira, o pesquisador Ronaldo Christofoletti, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), vê coroado um esforço de mais de 15 anos trabalhando para difundir a ciência oceânica na sociedade brasileira e para construir parcerias institucionais envolvendo diferentes atores, como governos, organizações sociais, universidades, escolas e educadores. “Venho atuando para aproximar diferentes setores da sociedade, entendendo quem são, mapear cada audiência, compreendendo suas características para fazer esse conhecimento chegar lá”, conta Ronaldo.

Professor na Unifesp, Ronaldo Christofoletti preside o grupo global de especialistas em cultura oceânica da Unesco (Foto: arquivo pessoal)

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Iniciativas como a Escola Azul, rede com 619 escolas de diferentes regiões, sendo 77% públicas, com 160,3 mil alunos e 6,2 mil professores, envolvem pessoas empenhadas em trazer a cultura oceânica para o centro do currículo. Tal prática vem ganhando impulso desde que a ONU anunciou a Década dos Oceanos (2021-2030). Coordenada pela Unesco, a Década dos Oceanos veio para chamar a atenção à urgência de se pesquisar, estudar, compreender e proteger os oceanos, construindo o que se chama de uma cultura oceânica.

Para isso, um dos passos mais importantes é mostrar que a ciência não é apenas produzida em centros de pesquisa, mas é uma coprodução social que envolve a todos, pois diz respeito também à interação entre humanos e mares. “Me senti muito implicado e quis agir”, diz o pesquisador Ronaldo Christofoletti, que hoje preside o grupo global de especialistas em cultura oceânica da Unesco, formado por representantes de 20 países. “Precisamos que educadores, empresários, engenheiros, gestores públicos, juízes, promotores, jornalistas, enfim, todos entendam que necessitamos desenvolver conhecimentos, habilidades, competências e políticas para agir de forma sustentável”, resume.

Isso é fundamental, se lembrarmos que os oceanos cobrem 70% da Terra. No Brasil, pelo menos 18 milhões de pessoas vivem em capitais costeiras — e 25% do total da população habita as margens marítimas. E que margem. Considerando as reentrâncias no litoral, são 10 mil quilômetros e costa e 5,7 milhões de quilômetros quadrados de área, a chamada Amazônia Azul. Quase 20% do PIB brasileiro vem do mar. Além disso, existe o que se chama — pouca gente sabe — de mar territorial: uma zona de uso exclusivo do Brasil de 200 milhas para além do litoral.

Embora o nível de conscientização da população esteja aumentando, ainda há muito o que fazer. A recente pesquisa Oceano Sem Mistérios, realizada pela Fundação Boticário em cooperação com a Unifesp, mostrou que 87,6% dos brasileiros mostram-se dispostos a mudar hábitos pelo oceano, mas apenas 7% dos brasileiros relatam ter participado de alguma atividade de conservação marinha nos últimos 12 meses. “É necessário estimular as ações práticas”, conclui o estudo.

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Outros estudos mostram também um elevado grau de desinformação, conta Christofoletti. “Quase metade da população não reconhece que as nossas ações impactam o oceano e acha, por exemplo, que o esgoto não tratado jogado na água simplesmente desaparece. Muitos desconhecem também o problema da sobrepesca”, diz. Por isso, no seu entender, precisamos cada vez mais de processos baseados em comunicação, cultura e sistemas de conhecimento.

De acordo com a coordenadora pedagógica da Escola Azul, Thaís Pileggi, a rede oferece apoio pedagógico aos educadores e escolas participantes, bem como realiza articulação entre parceiros, como universidades, ONGs, centros de pesquisa, museus, aquários e projetos ambientais, que compartilham iniciativas e recursos com as escolas. “Essas conexões permitem que estudantes e educadores compreendam como suas ações locais impactam o oceano global, e como o oceano, por sua vez, influencia o clima, a biodiversidade e os modos de vida em cada território”, diz Thaís. 

Trata-se de um movimento internacional, lembra a coordenadora. Ao fazer parte da rede Escola Azul Brasil, a escola também se conecta à rede Escola Azul Global (Blue Schools Network). Surgida em Portugal, hoje está presente em mais de 70 países. Em 2021, o programa chegou ao Brasil. “Participar da rede é fazer parte de um movimento educativo que une ciência, cultura, cidadania e sustentabilidade. É formar uma geração consciente do papel que o oceano desempenha em nossas vidas e do impacto que nossas escolhas têm”, avalia.

Thaís Pileggi, coordenadora da rede Escola Azul, que oferece apoio pedagógico aos
educadores e escolas participantes (Foto: arquivo pessoal)

Tão longe, tão perto

Seria até possível pensar que uma rede de escolas envolvidas na temática dos oceanos estivesse situada no litoral. Nada disso. Mais da metade das integrantes da Escola Azul não são litorâneas. É o caso da Escola Estadual Antônia da Silveira Capillé, localizada na zona rural de Dourados, Mato Grosso do Sul, estado que não é banhado por nenhum oceano.

Segundo a coordenadora pedagógica, Letícia Berlofa Rodrigues, o interesse surgiu quando a sua escola participou da segunda edição da Olimpíada do Oceano, que conheceu buscando olimpíadas do conhecimento na internet. “Encontrei a chance de apresentar aos alunos um universo novo e aparentemente distante”, conta. 

“A cultura oceânica está integrada ao nosso projeto político-pedagógico e nosso grande objetivo tem sido formar alunos protagonistas, capazes de compreender e transformar a realidade em que vivem”, relata.

São diferentes projetos, entre eles oficinas de grafite e hip-hop em que os jovens transformam conhecimentos da cultura oceânica em jogos de chão, apresentações musicais, poesia e batalha de rimas. A escola também possui um aquário, desenvolvendo ações de aquarismo pedagógico. No final de outubro, a Feira de Ciências da escola terá o tema Um mergulho na cultura oceânica, envolvendo todas as séries, com experimentos sobre preservação marinha e sustentabilidade.

Para a professora Letícia, o maior desafio enfrentado é justamente romper com a ideia de que, por estarem distantes, os oceanos não fazem parte do cotidiano de todos. 

“Mesmo em um estado sem costa marítima, a abordagem é essencial, porque os rios que cortam o Mato Grosso do Sul fazem parte da Bacia do Prata, conectando-se diretamente ao Oceano Atlântico. Então, nossos alunos compreendem que o uso inadequado da água, o descarte incorreto de resíduos locais, eles têm impactos globais”, conclui.

cultura oceânica

Cultura oceânica no PPP da escola, compartilha Letícia Berlofa Rodrigues, coordenadora da E.E Antônia da Silveira Capillé, Dourados (MS), estado sem mar (Foto: arquivo pessoal)

Reconhecimento internacional

Se o país caminha com dificuldades em diversas áreas, o desenvolvimento da cultura oceânica é um dos aspectos dos quais deve se orgulhar. “O Brasil é um líder mundial na agenda de cultura oceânica. É o país que tem mais atividades registradas na Década do Oceano de todos os países do mundo”, lembra o biólogo Alexander Turra, professor titular do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano.

Alexander Turra desenvolve também iniciativas de grande impacto nas escolas brasileiras, como o São Paulo e o Rio Ocean Week, grandes eventos abertos e gratuitos, para que o público possa aprofundar conhecimentos sobre o tema dos oceanos. Além disso, a Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano também realiza o Movimento Pororoca, um chamado para que ONGs, empresas, instituições de ensino, governos locais, coletivos comunitários mobilizem suas comunidades em ações conjuntas — para 2026, o evento espera alcançar 1 milhão de pessoas.

Para Turra, o sentido das ações educativas ligadas ao oceano não é pedir às escolas que reinventem a roda, como se nada nunca tivesse sido feito. “Se é verdade que o tema não está explícito na Base Nacional Comum Curricular, também é certo que os princípios, as habilidades, as competências para o desenvolvimento da cultura oceânica estão lá”, explica o pesquisador.

Por isso, a seu ver, é preciso investir muito em formação continuada de professores. “Precisamos amplificar esse trabalho para que chegue a um número gigantesco de educadores e oferecer repertório para que realizem seu trabalho”, diz. “Devemos inocular o oceano no dia a dia das escolas”, explica Alexander Turra.

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No campo da produção científica, o Brasil também vai bem: saltou de 15º para o 11º lugar no ranking internacional gerado pelo relatório mundial de ciência oceânica. Espera-se que, em 2026, entre no grupo dos top 10. “O que pessoas e instituições fazem no Brasil é resultado de uma conquista que vem de um esforço gigantesco para produzir a ciência com condições muito aquém das ideais”, finaliza Turra.

Hoje, o Brasil avançou também no campo das políticas públicas. É o primeiro país reconhecido pela Unesco comprometido com a cultura oceânica dentro do currículo escolar. Ano passado, foi aprovada a Lei Federal 14.902 de 2024, conhecida como a Lei da Cultura Oceânica, e já existem 25 municípios e quatro estados que criaram legislações e políticas voltadas ao desenvolvimento da cultura dos oceanos. Barcarena no Pará, Pontal do Paraná no Paraná e São Sebastião e São Paulo são municípios que transformaram 100% da sua rede municipal em Escolas Azuis.

Para os especialistas, é importante ter presente que a cultura oceânica não é um conteúdo, mas uma abordagem pedagógica — como fez o professor Tiago Monteiro Dionízio, assessor pedagógico da escola municipal Diva do Carmo Alves de Lima, Itanhaém (SP), um dos navegantes da viagem que abre esta reportagem. Dionízio participou do processo de renovação do currículo escolar de Itanhaém, contextualizando-o com a cultura caiçara. “Nosso projeto foi um espaço imersivo do fundo do mar, do qual todos participaram. Até as crianças da creche ajudaram a produzir material”, conta. Com esse projeto, a escola ganhou uma bolsa do CNPq para criar um clube de cultura oceânica — e agora zarpa em direção a um futuro mais sustentável, como o nosso planeta pede.

“Devemos inocular o oceano no dia a dia das escolas”, diz Alexander Turra, professor na USP e coordenador da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano (Foto: arquivo pessoal)

Para participar

  • Escola Azul

Escolas interessadas devem se inscrever e submeter um projeto interdisciplinar e transversal que trabalha a cultura oceânica, com duração mínima de um ano.

Link: https://escolaazul.maredeciencia.eco.br/sobre/seja-uma-escola-azul/

  • Olimpíada do Oceano

Link: https://olimpiada.maredeciencia.eco.br/ 

  • SP e Rio Ocean Week

Link SP: https://www.spoceanweek.com.br/ 

Link Rio: https://www.riooceanweek.com.br/ 

  • Movimento Pororoca

Link: https://www.spoceanweek.com.br/movimento-pororoca 

cultura oceânica

Coordenada pela Unesco, a Década dos Oceanos veio para chamar a atenção à urgência de se pesquisar, estudar, compreender e proteger os oceanos, construindo o que se chama de uma cultura oceânica (Foto: Shutterstock)

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