Filha do educador Rubem Alves, foi presidente do Instituto Rubem Alves. É escritora, palestrante e fundadora da Arquitetura do Sensível
Publicado em 21/12/2022
Nesta crônica, Raquel Alves reflete que, como seres pensantes, precisamos dar mais importância para o motivo de nossas escolhas
O Natal está chegando e, com ele, vem a loucura das compras de final de ano: milhares de presentes, além de pernil, peru e chester com abacaxi e uvas-passas. Mas, por que tem que ser assim? É tanta correria e tanta coisa para providenciar que fica quase impossível aproveitar o momento… E se alguém tiver uma resposta para essa pergunta, ela será algo como “é a tradição” ou talvez “porque é assim que se faz”.
Essa coisa de simplesmente repetir um modelo, sem refletirmos a respeito das razões que nos levam a isso me preocupa. Afinal, se somos seres pensantes, precisamos ver sentido naquilo que fazemos.
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Se formos ao supermercado, por exemplo, abasteceremos nosso carrinho com aquilo que precisamos: comida, produtos de higiene e limpeza e afins. São as coisas que necessitamos para nos alimentar, nos higienizar e limpar a casa. Mas se decidirmos comprar queijos e vinhos, castanhas, iogurtes e pasta de amendoim, os colocaremos no carrinho não porque necessitamos deles, mas porque nos dão prazer. Tudo o que consumimos está relacionado à necessidade e ao prazer.
Eu calço 35 e meu marido 44. Se estivermos precisando de chinelos e no mercado só tiver tamanho 41, não comprarei, pois nem será útil e nem dará prazer.
Essa relação de consumo que temos com o mercado é exatamente a mesma para o conhecimento. O corpo só carrega, ou seja, só memoriza e aprende aquilo que acrescenta algo na relação do indivíduo com a vida ou se lhe dá satisfação. Caso contrário, o corpo esquece.
Uma prova disso é que não me lembro mais qual é a fórmula de e Bhaskara, as leis de seno e cosseno, os encontros consonantais e ditongos da gramática. Sou escritora e a única disciplina que quase reprovei foi exatamente gramática. Não me ensinou a escrever melhor e nem me deu prazer. Na matemática, além das operações básicas, aprendi e nunca esqueci da regra de 3, porque é útil em muitas situações. Fora isso, pouca coisa me lembro. Aposto que para todo mundo é assim.
Por que tem que ser assim? Qual a inteligência de se reproduzir o “porque é assim que se faz.”?
Por que somos obrigados a decorar uma série de coisas que iremos esquecer na escola?
Por que enfeitamos árvores e damos presentes no Natal?
Por que sopramos velas em aniversários?
Por que homem grisalho é charmoso, mas mulher deve pintar o cabelo? Por que?
Por que?
Quando as tradições são externas ao nosso corpo como o Natal e Dia dos Pais, por exemplo, segui-las pode ser agradável, mas quando o costume está ligado ao nosso conhecimento, é diferente. Porque ao sermos obrigados a ingerir conhecimento que não contribui nem para o nosso prazer e nem para nos instrumentalizar para a vida, o resultado que adquirimos é uma certa aversão a ele.
Daí se explica a tão famosa preguiça dos jovens em estudar… Porque o que estão sendo forçados a “engolir” não tem a menor relação real com a vida deles, nem como ferramenta e nem como prazer!
Então, para essa crônica de final de ano, gostaria de convidá-los a refletir sobre as razões do que estão fazendo, tanto para com a gente quanto para com os outros.
Um educador deve ter como premissa fazer o aluno desejar conhecer. Essa deve ser a nossa meta. E, como dizemos para alguém teimoso: não se colhe resultados diferentes fazendo sempre as mesmas coisas. Para vivermos bem, sugiro fazer de conta que iremos ao supermercado: serve para alguma coisa? É gostoso? Se sim, então vale a pena…