Alexandre Le Voci Sayad é jornalista, educador e escritor. Mestre em inteligência artificial e ética pela PUC-SP e apresentador do Idade Mídia (Canal Futura)
Publicado em 08/02/2023
A vida que se leva fora dos muros da escola precisa ser considerada – e isso é possível sem desencadear uma ‘escolarização’ precoce
Se a escola é parte da vida (duvido que alguém seja contrário a essa ideia), temos que admitir que crianças de todas as idades vivem em um ambiente em que as mídias tradicionais (televisão), digitais (vídeos online) ou algorítmicas (redes sociais) recortam o olhar sobre a realidade – ou mesmo a impõe. Deixamos para trás o tempo em que era possível retirá-las da sala e mantê-las longe da televisão ou rádio.
Esse mote pode parecer óbvio, mas a glosa que segue justifica a necessidade de reforçá-lo. Há ainda vivo na sociedade, e entre educadores, um debate pueril de que a educação infantil não deve abarcar alguns aspectos mais ‘duros’ da vida jovem ou adulta. Há quem defenda que essa etapa de desenvolvimento seja uma espécie de ‘reserva de inocência’ para o que a escolarização reservará aos estudantes nos anos seguintes.
Tendo a concordar em parte. O engessamento curricular, a carga de conteúdos e o aprender de maneira ‘cerebral’ não devem prevalecer até os seis anos de idade; essa é uma etapa do aprender brincando, experimentando e desenvolvendo a percepção do mundo que, aos poucos, se amplia em várias dimensões. Há milhares de estudos que inclusive coincidem com o advento da psicanálise e o desenvolvimento da pediatria e da neurociência que podem justificar esse diapasão.
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O que gestores de políticas públicas não podem esquecer, contudo, é de elencar objetivos de aprendizagem condizentes com a vida que se leva fora dos muros da escola, sem isso necessariamente desencadear uma ‘escolarização’ precoce da educação infantil. O fato de crianças estarem expostas a telas e ao mesmo universo de poluição informacional que adultos impõe que educadores criem jogos, atividades e propostas que envolvam a educação midiática – como uma prática que deve se iniciar a partir dos três anos de idade. Lembrando que, segundo Sherri Hope Culver, pesquisadora do Centro de Educação Midiática da Temple University, na Filadélfia, Estados Unidos, entendemos como educação midiática “a capacidade de compreendermos a influência da mídia em nossas vidas e podermos utilizar do pensamento crítico nessa relação” – característica que também sublinha a Unesco globalmente, e o programa Educamídia, no Brasil.
Se alguém se assustou ou se indignou com a manchete deste artigo, é bom destacar que a sempre lembrada Finlândia é um país que adota referências da educação midiática desde a educação infantil. Mas, se preferirmos buscar referências em uma rede de educação pública tão vasta e diversa quanto a brasileira, os Estados Unidos deram um passo ousado e importante em 2022.
No estado de New Jersey, uma lei bipartidária que torna obrigatória a educação midiática em toda a educação básica aguarda apenas a assinatura do governador Phil Murphy para entrar em vigor; não há objeções para que ele não a assine em breve. O projeto conta com apoio não só do sindicato de professores locais, mas também da associação de bibliotecários e profissionais da educação. O estado de Illinois, por sua vez, já teve sua lei sancionada.
O caminho é o mesmo de países europeus; certificar profissionais na área para que possam atuar em qualquer área do currículo ou em parceria com uma ou mais disciplinas. A polêmica é que o caminho e os requisitos para tal certificação docente não estão tão claros em ambas as leis.
No caso da educação infantil, há experiências testadas no Canadá, país pioneiro em incluir a educação midiática no currículo, que não vilipendiam os direitos da criança de aprender brincando ou experimentando.
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