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Entrevistas

Que jovem é esse?

Responsável por recrutar talentos para algumas das maiores empresas do mundo que atuam no Brasil, a economista Maíra Habimorad fala sobre as dificuldades dos jovens ao entrar no mercado de trabalho, desencadeadas pela falta de formação crítica e pela inexistência de diálogo entre escola e mundo corporativo

Publicado em 28/02/2014

por Paulo de Camargo

Ilana Bar

  Pesquisas mostram que o excesso de disciplinas na grade curricular e a falta de interesse pela escola estão entre os principais motivos para o jovem brasileiro evadir do ensino médio. O que leva à desistência também pode estar influenciando a incapacidade desses jovens de se adequarem a outro ambiente: o de trabalho. Para a economista Maíra Habimorad, o excesso de atenção ao conteúdo e a pouca interlocução das escolas com atores externos têm gerado adolescentes com baixa autonomia.

Responsável pela seleção de jovens para programas de estágios e trainees de gigantes como Unilever, IBM, Facebook, Google, Sam­sung e Itaú, Maíra alerta que a qualidade da Educação Básica no Brasil é um tema que preocupa cada vez mais as grandes empresas. “A realidade é que hoje as instituições são muito fechadas, em qualquer nível de ensino”, diz.

Mas seria a escola um local para a instrução ou para a educação? Para a CEO da Companhia de Talentos, uma das maiores da América Latina, não é papel da escola formar apenas para o mercado. Mas ela é taxativa: a escola não pode virar as costas para ele.

Afinal, os problemas identificados nesses alunos – falta de domínio da língua, de cultura geral, de capacidade argumentativa e criativa – também são essenciais para superar as barreiras da desigualdade e formar cidadãos autônomos. Para a executiva, é hora de desenvolver um diálogo que seja capaz de produzir efeitos sobre a educação oferecida pelas escolas, como explica a seguir em entrevista à revista Educação.

As escolas hoje estão muito focadas no estudo por resultados. Especialmente no ensino médio, o principal objetivo da educação parece ser o ingresso na universidade. Mas como esses jovens estão chegando ao mercado de trabalho?
A percepção geral do mercado é que a educação de ensino médio e principalmente de ensino superior ainda está bastante distante de preparar o jovem para o mundo do trabalho. Algumas questões são mais evidentes. Em primeiro lugar, falta habilidade para definir problemas: muitos vêm com habilidades para resolver problemas, mas poucos com a análise crítica e sistêmica para primeiro entender quais são os problemas das empresas e aí sim partir para resolvê-los. Observamos que predominam respostas óbvias para problemas dados. Percebemos também que falta profundidade de análise. As opiniões se pautam na primeira página do Google. Falta aos jovens considerar outros pontos de vista, aprofundar-se mesmo. Eles têm dificuldades claras em sustentar opiniões.

A qualidade da Educação Básica preocupa as empresas? É um tema recorrente entre os executivos?
Sim, as grandes empresas se preocupam bastante com a qualidade da educação. Mas isso se manifesta como um problema na hora em que vão procurar os melhores profissionais, os jovens talentos – ou seja, entre os universitários. Quando uma empresa dá preferência para as grandes universidades, essa é uma forma também de garantir que os jovens não cheguem às empresas com problemas essenciais de domínio da língua, falta de cultura geral, de raciocínio, que deveriam ter sido resolvidos lá atrás, ao longo do ensino fundamental e do ensino médio.

Que habilidades não cognitivas são importantes na vida profissional hoje? O que a escola pode fazer nesse campo?
Esse é o tema que mais deveria preocupar as escolas. Vemos jovens que chegam com bastante informação e conteúdo, mas com características que não combinam com o trabalho hoje. Exemplo disso é a baixa resiliência e a fraca resistência à frustração. No mundo profissional, muitas coisas dão errado antes de dar certo. Em vez de persistir e enfrentar desafios nas posições em que estão, parece mais fácil aos jovens de hoje procurar outra oportunidade, na esperança de que na empresa ao lado, ou com o próximo chefe, tudo será perfeito. Outra questão importante a ser considerada nessa geração é uma baixa autonomia, combinada com excesso de valorização de si mesmo. Ao mesmo tempo que deseja ser presidente da empresa em dois anos, o jovem espera que alguém tome conta dele, quer ser cuidado por alguém. Por fim, outro aspecto que deveria preocupar a escola é a comunicação. Isso não significa falar bem: significa entender o outro, ouvir, saber influenciar pessoas­, argumentar com propriedade. Esqueça chavões como trabalhar em equipe: essa geração é colaborativa por natureza, as empresas não sentem mais essa dificuldade.

Fala-se muito em criatividade e inovação. As escolas têm formado pessoas criativas?
Se por um lado as escolas estão cada vez mais orientadas para o conteúdo, os jovens têm cada vez mais acesso à informação, inclusive cultural e artística. O ponto é: falta tempo para produzir, refletir, experimentar, e isso vale para o conteúdo acadêmico e artístico-cultural. Quando falamos de criatividade e inovação, mais importante do que o volume de conhecimento e referências artísticas é a coragem e liberdade de experimentar, errar, experimentar de novo e fazer essa jornada até que se construa algo de fato inovador. Coragem e liberdade não estão nos livros e nem nas obras de arte, estão nos valores, na prática e no acolhimento genuíno da experimentação. Mas como se inova na escola? Onde estão os espaços de criação, de invenção livre?

Como poderia se dar esse diálogo entre empresas e escolas?
Escolas têm um objetivo bem mais amplo do que formar mão de obra, mas não podem se fechar ao que acontece no mundo do trabalho, até porque ouvir essas demandas poderia levar a uma melhor educação do ponto de vista amplo. Já falamos, por exemplo, de ter uma escola mais criativa, que trabalhe sobre valores. Mas a realidade é que hoje as instituições de ensino são muito fechadas, em qualquer nível de ensino. Já levamos presidentes de grandes empresas para conversar com universidades e o que ouvimos são coisas como: isso não dá, o MEC não deixa, isso é impossível, etc. Na escola básica, também não há diálogo. Como mãe, eu já fui convidada a participar do coral, mas nunca me chamaram para falar sobre a realidade do mercado de trabalho para os alunos. É preciso fazer mais do que uma ou outra palestra, criar a semana da carreira. É preciso que haja uma abertura franca, de ambos os lados, para que seja possível enriquecer os programas curriculares.

Na tentativa de aproximar os alunos do mercado de trabalho e ajudar a fazer opções melhores, por bastante tempo os testes vocacionais foram aplicados. O que você acha dos testes e de outras iniciativas, como levar palestras de universidades para as escolas?
O teste vocacional teve sua validade e foi bom por muito tempo. Ele funciona enquanto ferramenta para mapear interesses, inferindo competência do jovem para esta ou aquela profissão. Mas não mapeia de fato as competências. Isso é bom, mas não suficiente. O formato de um teste, uma conversa, uma devolutiva, não dá conta de endereçar todas as vertentes que envolvem uma escolha. É preciso entender um pouco o perfil, a personalidade do aluno; é preciso saber o que acontece no mercado de trabalho. O mesmo ocorre quando se traz universidades para conversar. A discussão e a escolha ficam baseadas na ideia de curso, e curso é o início do princípio do prelúdio de uma carreira corporativa. A quantidade de pessoas que começam uma área e terminam outra é enorme.

Você é uma profissional jovem e com uma grande vivência no mundo corporativo. Pensando na escola que teve, o que você acha que de essencial aprendeu?
Se tivesse de escolher apenas um elemento, diria que minha escola, construtivista e liberal, me ensinou a exercer direitos e deveres. Lá aprendi que se eu acredito e quero algo, devo mobilizar os canais adequados para consegui-lo. Com boa articulação e argumentação, conseguia-se quase tudo com a direção da escola. Sou muito grata a tudo que vivi e aprendi naquele tempo.

Autor

Paulo de Camargo


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