NOTÍCIA
Algumas escolas já têm buscado soluções para diminuir epidemia de transtornos psicológicos entre seus educadores mesmo antes da atualização da NR-1
Por Raul Galhardi | O Brasil tem o maior número de afastamentos nas mais variadas profissões — para além do setor educacional — por ansiedade e depressão dos últimos 10 anos, segundo dados do Ministério da Previdência. Em 2024, dos 3,5 milhões de pedidos de licença médica no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), mais de 472 mil foram motivados por transtornos mentais, o que representa um aumento de 68% em relação ao ano anterior.
Elaine C., coordenadora pedagógica e professora de educação infantil em São Paulo, vive realidade similar. Após o acúmulo de décadas de tensão e ansiedade, o que começou como tiques nervosos e formigamentos acabou se tornando uma série de doenças, como artrose nos tornozelos, tendinite no quadril e nos braços, hérnia de disco e bursite.
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Tendo que dividir seu tempo entre a família, os estudos e o trabalho, ela conta que chegou a trabalhar 14 horas por dia, somando as duas funções. O resultado disso é que, atualmente, encontra-se readaptada em outra função desde 2023 e de licença médica desde o início deste ano.
“Na minha escola, temos 10 funcionários readaptados, o que é bastante. Desses, apenas dois estão com problemas físicos, o resto é de saúde mental por questões de ansiedade e depressão”, diz ela. Readaptados no ensino público são aqueles servidores que, devido a problemas de saúde (físicos ou mentais), tiveram a sua capacidade de trabalho reduzida e, por isso, foram realocados para um novo cargo ou função.
Foto: Shutterstock
“Uma pesquisa realizada pela Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho) aponta que, entre 2018 e 2023, os transtornos mentais tornaram-se o principal motivo de afastamento dos professores da sala de aula, enquanto em anos anteriores o adoecimento vocal era a causa mais frequente”, aponta a neuropsicóloga clínica e escolar Juliana Gois, que atua no seu consultório particular e no Colégio Rio Branco, em São Paulo.
Dados do INSS mostram que o perfil dos trabalhadores atendidos é, em sua maioria, de mulheres (64%), com idade média de 41 anos. No setor da educação essa realidade não é muito diferente, já que as mulheres correspondem a 80,7% da gestão e 79,2% da docência da educação básica, com idades entre 40 e 49 anos (35,2%), segundo dados do Censo Escolar 2022.
“Aqueles profissionais que mais interagem com os demais da comunidade escolar são os mais propensos a se afastarem porque lidam com emoções positivas e negativas a todo momento — deles e dos outros, precisando se autorregular continuamente para darem conta das demandas usuais e dos imprevistos que as relações com os outros contemplam”, afirma Gois.
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Além das cicatrizes deixadas pela pandemia de Covid-19, está entre os fatores de adoecimento a situação do mercado de trabalho em geral, que enfrenta menor nível de estabilidade nos empregos, aumento da ‘pejotização’ e redução das equipes. Outro fator relevante surgido nos últimos anos com a popularização da internet e redes sociais que contribui para o agravamento de problemas mentais é a vigilância sobre os docentes.
“A prática da docência sofre com o fato de os professores serem vigiados pelos pais de alunos e por estes, com exposição dos profissionais nas redes. As famílias começaram a perceber a educação como se ela fosse propriedade delas e isso levou a um maior adoecimento dos professores”, destaca Alexandre Carlos Ferreira Lima, diretor e mantenedor da rede de colégios Agnus, do Ceará.
“Além disso, tem ocorrido a interferência de outras profissões no meio escolar, as quais se acham no direito de intervir nas práticas pedagógicas de cada professor”, afirma o gestor.
Alexandre Carlos Ferreira Lima, mantenedor da rede de colégios Agnus, CE (Foto: divulgação)
Diante desse cenário calamitoso, o que estão fazendo as instituições de ensino para combater o problema? Na rede Agnus, atualmente com seis unidades em Fortaleza, Lima conta que existe uma ajuda financeira a todos os funcionários para que se tratem com psicólogos e especialistas.
“Está disponível aos colaboradores uma equipe de psicólogos da escola e oferecemos a todos ginástica funcional, biodança, natação e hidroginástica, sendo esta última bancada 50% pelo funcionário interessado. Também realizamos rodas de conversa e cedemos os espaços das escolas para o lazer, caso os funcionários queiram fazer um churrasco ou confraternização, por exemplo”, explica o mantenedor.
Em São Paulo, o Colégio Rio Branco promove uma série de ações visando auxiliar a saúde mental dos seus profissionais, que vão desde a realização de atividades físicas, acolhimento e gestão de casos nos ambulatórios médicos presentes em cada uma das unidades, até parcerias com o Sesc com o fornecimento da credencial de comerciário e a divulgação de formas de cadastramento e utilização do sistema.
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“Temos suporte via telemedicina com atendimento online 24 horas por meio de três centros, o da Telemedicina Einstein, com o app Meu Einstein; da Telemedicina GNDI (Grupo NotreDame Intermédica); e da Telemedicina Alô Saúde 24h – Porto Seguro. Além disso, disponibilizamos atendimento personalizado em diferentes abordagens psicológicas como psicanálise, terapia cognitiva, psicodrama, entre outras, pelo Guia de Promoção à Saúde Porto Seguro”, afirma Juliana.
Por fim, a instituição também está implementando novas iniciativas como o Wellhub, plataforma que disponibiliza diversas opções de atividades que contribuem para o bem-estar tanto físico quanto mental, indicando academias, áreas de atividades físicas, práticas de mindfulness e serviços de terapia e nutrição em todo o estado de São Paulo. Além do funcionário, o programa permite a inclusão de até três familiares.
Já no setor público, a realidade é mais difícil. “Nós não temos uma instituição que trata dos profissionais com problemas de saúde mental. São eles mesmos que têm de ir atrás e muitos não vão. Muitos se readaptam quando o caso de saúde física ou mental é grave e ficam na unidade escolar sem fazer um tratamento específico”, relata a coordenadora Elaine.
Elaine afirma que existe um órgão, a Coordenadoria de Gestão de Saúde do Servidor (COGESS), para onde são enviados os atestados médicos. Caso o atestado libere o funcionário por mais de sete dias, o documento é encaminhado à perícia. Contudo, “somos muito mal atendidos nesse órgão”, diz ela.
A coordenadora conta que no Hospital do Servidor Público Municipal é possível fazer tratamentos com terapeutas, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, acupunturistas, mas que nem todas as especialidades estão facilmente disponíveis e que é preciso agendar as consultas por telefone, o que obriga os solicitantes a ficarem horas aguardando por atendimento.
Psicóloga Juliana Gois (Foto: divulgação)
Em 2024, o Ministério do Trabalho anunciou a atualização da Norma Regulamentadora 1 (NR-1), que consiste em um conjunto de diretrizes que estabelece as bases para a gestão da segurança e saúde no trabalho.
Com a atualização, o Ministério do Trabalho passará a fiscalizar os riscos psicossociais no processo de gestão de Segurança e Saúde do Trabalho (SST). “As instituições educacionais não poderão mais ignorar fatores como pressão excessiva, violência escolar, metas abusivas ou sobrecarga de trabalho, posto que deverão ser apontados como riscos ocupacionais reais, monitorados e mitigados”, afirma Leonardo Almudim de Oliveira, advogado trabalhista com atuação na área da educação.
Advogado Leonardo Almudim de Oliveira (Foto: divulgação)
Para o advogado trabalhista, a atualização da NR-1 é uma ótima oportunidade de evolução para as empresas, no sentido de promover programas internos de prevenção da saúde mental, estabelecendo diretrizes, formas de trabalho e colaboração entre os funcionários, criando canais de denúncia anônima contra condutas de assédio, além de uma cultura real de trabalho saudável e segura.
No entanto, as atualizações do dispositivo, que estavam previstas para entrar em vigor em maio de 2025, tiveram sua aplicação adiada por um ano após pressão das empresas. Agora a regulamentação passará por um período de implementação e nenhuma empresa que descumprir as regras dentro deste período poderá sofrer multas.
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