NOTÍCIA

Edição 306

Autor

Juliana Fontoura

Publicado em 18/09/2024

Mercado de educação bilíngue está aquecido

De um lado, empresas de idioma e soluções educacionais apostam em parcerias com escolas de educação básica. Do outro, essas mesmas empresas lançam suas próprias instituições de ensino básico

Se antes o aprendizado mais profundo de uma segunda língua — sobretudo o inglês — acontecia principalmente fora da escola, em unidades de cursos de idiomas, hoje é possível encontrar diversos formatos e modalidades de ensino dentro do ambiente escolar. Em comum, a adoção do currículo brasileiro, se diferenciando das escolas internacionais. Dentro do mercado bilíngue, existem as escolas que já nascem bilíngues, as que, por meio de um programa bilíngue se ‘transformam’ e as que oferecem cursos intracurriculares e extracurriculares. Os motivos dessa movimentação, segundo as empresas desse nicho, é que as necessidades e desejos das famílias com relação ao ensino de inglês mudaram. E, para atendê-las, foi preciso se adaptar.

De fora para dentro da educação básica

Um desses fatores é a logística. Sobretudo nas grandes cidades, o trânsito e a sensação de insegurança são problemas que levam os responsáveis a buscarem a conveniência de que o filho possa aprender inglês no mesmo ambiente do ensino regular. Na avaliação de Daniela Villela, CEO da Red Balloon, franquia de curso de idiomas que acaba de entrar no ramo da educação básica, a logística é justamente o fator fundamental. “A gente vê muito isso no contato com as famílias”, analisa.

Ano que vem, a Red Balloon irá inaugurar sua primeira unidade de educação infantil bilíngue, localizada nos Jardins, em São Paulo, a Red Balloon Bilingual School. A empresa utilizará o mesmo prédio do curso de inglês que já existe no local, destinado a crianças e adolescentes de três a 17 anos. Para 2026, já há 10 novas unidades confirmadas. O modelo também será de franquias. Por enquanto, não há intenção de expandir para fundamental e médio. A ideia, segundo Daniela Villela, é abrir o leque de oportunidades e atender ainda mais famílias. Por essa razão, não se trata de uma migração para um novo ramo, mas sim de uma expansão. “Hoje as famílias têm realidades distintas. Há famílias que querem, sim, um curso de idiomas fora da escola. Até porque a família quer que o aluno tenha outros ares, outros ambientes para explorar, para ter outras amizades. Assim como há famílias que preferem que tudo aconteça no mesmo lugar.”

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Caminho semelhante foi trilhado pelo CNA, rede de escolas de idiomas que começou a ‘entrar’ na educação básica em 2018, com o programa CNA na Escola. A diferença está na forma como isso é feito: em vez de criar escolas, a empresa faz parceria com colégios que estejam interessados em fortalecer o ensino de inglês. Esse é, aliás, outro fator importante no crescimento do interesse das escolas privadas no fortalecimento do inglês. Hoje, há maior exigência do domínio do idioma no mercado de trabalho — além de ser um desejo das famílias e dos próprios estudantes.

No CNA na Escola, para atender às necessidades de cada colégio são oferecidas diferentes opções, segundo Marcelo Barros, Chief Knowledge Officer (CKO) do CNA. É possível, por exemplo, desde oferecer o inglês de forma extracurricular, no contraturno das aulas e apenas para alunos interessados, até aulas integradas ao currículo da escola. Hoje, são 13.700 alunos atendidos e mais de 300 colégios parceiros. Na parceria, a escola passa a contar com diferentes serviços oferecidos pelo CNA, como explica Barros: “São três eixos: material didático próprio e desenhado especificamente para uso em colégios, formação e desenvolvimento de professores próprios ou terceirizados, e assessoria constante, cotidiana e local por meio da franquia CNA mais próxima”.

Barros, porém, também acredita que esses novos serviços não irão substituir as escolas de idiomas. “Acredito que não haja um movimento de migração total das franquias de idiomas para o trabalho dentro dos colégios. Depende da praça, do público e da condição socioeconômica.”

Maior domínio do idioma 

Outro fator importante no crescimento do mercado bilíngue, sobretudo o do ensino de inglês, é, claro, o desejo de que crianças e jovens tenham maior domínio do idioma. Essa é, aliás, uma discussão forte e antiga no país, que ainda patina quando o assunto é falar uma segunda língua. No ranking EF English Proficiency Index de 2023, que avaliou o domínio de língua inglesa em 113 países, o Brasil ficou na 70ª posição, atrás de vizinhos como Argentina (28ª) e Uruguai (39ª).

Segundo Virginia Garcia, vice-presidente da International School, as escolas bilíngues já começavam a dar as caras nos anos 1990. “Quando a pessoa dizia que tinha aprendido inglês na escola, a tendência era entender que a pessoa não sabia inglês”, avalia sobre a realidade da época. “A escola ensina matemática, português, história e as outras áreas de conhecimento, por que não ensinar línguas adicionais de uma maneira qualificada?”

A International School, empresa que desenvolve programas bilíngues para escolas e hoje conta com aproximadamente 450 colégios parceiros e 200 mil alunos, nasce justamente dessa percepção, em 2009. O CEO da empresa, Ulisses Cardinot, fez cursos de inglês no Brasil. Mas, ao viajar para os Estados Unidos para estudar, percebeu que era preciso ir além para que o aprendizado da língua fosse, de fato, suficiente. O negócio começou em uma escola em Campos dos Goytacazes, RJ, pertencente aos pais dele, e a partir disso se expandiu.

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De acordo com Virginia Garcia, a ideia é que as escolas parceiras não ensinem o inglês, mas ensinem por meio do inglês. “Nós oferecemos às escolas um conteúdo programático que tem uma abordagem pedagógica”, afirma. O programa inclui, por exemplo, o aprendizado por meio de projetos (project-based learning) e o desenvolvimento de habilidades socioemocionais. Além disso, há também formação docente, tanto inicial quanto continuada. “Para que o programa aconteça, precisamos formar professores”, reforça.

Esse é, aliás, um dos grandes desafios da educação bilíngue. “Quem entende de educação sabe: formar professores é uma questão central”, analisa a vice-presidente. Marcelo Barros, CKO do CNA, concorda. “Uma franqueada nossa abordou um colégio em Brasília para oferecer o CNA na Escola. O colégio parceiro disse: ‘o problema não são os alunos, mas os professores, que não têm inglês suficiente’. E pediu: ‘você pode ser minha parceira para preparar os professores para ter fluência?”’

Extracurricular para intracurricular

Com 90 anos de tradição no mercado bilíngue, a Cultura Inglesa também tem se adaptado às demandas atuais. Giovanni Peduto, diretor-executivo de novos negócios da marca, conta que continuam com curso regular em algumas escolas, mas reconhece que esse tipo de parceria tem diminuído. “Isso se deve ao fato de que as famílias começaram a demandar das escolas que o ensino de inglês fosse integrado ao currículo escolar, sem custo adicional, tornando a escola responsável pela educação em língua estrangeira dos alunos. Nesse contexto, observamos uma queda no interesse pelo modelo extracurricular e complementar, e um aumento significativo pela adoção de soluções intracurriculares”, analisa.

Para atender às necessidades das escolas, lançam em 2020 a Plataforma Bilíngue Cultura Inglesa, modelo intracurricular alinhado ao CLIL (Content and Language Integrated Learning, em português, Aprendizagem Integrada de Conteúdo e Linguagem) e à Base Nacional Comum Curricular (BNCC). “Oferecemos soluções integradas para escolas, focando no aluno, com a plataforma bilíngue; no professor, com cursos de formação continuada da Faculdade Cultura Inglesa; e também fornecemos ferramentas de avaliação de habilidades linguísticas e certificações, baseadas em 90 anos de experiência da instituição”, destaca Giovanni Peduto.

O diretor-executivo de novos negócios contextualiza que, de modo geral, as escolas de nível A e B já estão integradas a algum programa bilíngue, e muitas já avançaram para currículos internacionais. “Esse se tornou o novo padrão de mercado, e vemos um movimento crescente de escolas de nível B e C buscando se diferenciar, adotando modelos mais intensivos de ensino de inglês intracurricular.”

“Sem dúvida, estamos testemunhando uma transformação de mercado. A forma de ensinar inglês evoluiu drasticamente, passando do modelo presencial também para o ensino remoto, assíncrono, e até baseado em inteligência artificial”, compartilha Giovanni Peduto da Cultura Inglesa.

Da infância ao vestibular

No próximo ano, a Arco Educação, uma das maiores empresas de soluções educacionais, também dará um passo nesse mercado em expansão: a inauguração, na zona norte de São Paulo, SP, da Ways Bilingual School, escola de educação bilíngue que se define como de formação integral e alta performance — tendo em vista, além do aprendizado da língua inglesa, a preparação para os vestibulares. O objetivo é ter 150 unidades e atender até 50 mil alunos nos próximos cinco anos.

O início ainda na educação infantil, garantindo que o contato com o idioma se dê o mais cedo pos­sível, também é um fator importante no interesse por esse mercado. “Uma educação bilíngue tem de acontecer desde os primeiros anos, na educação infantil. É quando a própria neurociência aponta que existe uma janela de oportunidade muito forte”, avalia a diretora da Ways, Juliana Zero. Com a imersão no idioma ainda nos primeiros anos e a continuidade do aprendizado, o domínio fica facilitado. Para a diretora, também é importante que esse ensino se dê de forma integrada ao currículo e com projetos, permitindo que os estudantes aprendam outras disciplinas usando a língua inglesa.

Na avaliação de Juliana, hoje, além de o mercado de trabalho exigir o uso do idioma, há também oportunidades globais — em que a fluência se faz necessária. Esse novo cenário coloca o bilinguismo ainda mais em foco, para que os estudantes possam aproveitar oportunidades até mesmo em vagas fora do país.

mercado bilíngue Juliana Zero

A Arco Educação aposta no bilinguismo do infantil ao médio com o diferencial de ser integral e lançará em SP a escola Ways, conta a diretora Juliana Zero (foto: divulgação)

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