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NOTÍCIA

Edição 304

Agora é lei: toda escola pública deverá ter uma biblioteca

Em abril foi criado o Sistema Nacional de Bibliotecas Escolares com o objetivo de universalizar esses equipamentos no Brasil até 2028

Publicado em 17/06/2024

por Redação revista Educação

Por Patrícia Giuffrida: “Tom tem o olhar parado no tempo. Vive no silêncio a escutar os pássaros que voam para longe, muito longe. Onde só o sonho alcança. Tom é meu irmão, estou ao seu lado desde que nasci.” Foi assim que a professora Ana Cristina Benedito começou sua aula na sala de leitura da escola municipal EMEF Érico Veríssimo, em São Paulo, lendo um trecho do livro Tom (ed. Projeto), de André Neves, para seus alunos do ensino fundamental 1. Ela é professora orientadora da sala e escolheu um dos 13.600 livros do acervo da escola. Mas lá ainda não tem uma biblioteca, porém, existe a promessa de ganhar uma. 

Em abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 14.837/24, que cria o Sistema Nacional de Bibliotecas Escolares (SNBE), cujo objetivo é promover a universalização de bibliotecas em toda a rede pública de ensino do país até 2028. “Para os fins desta Lei, considera-se biblioteca escolar o equipamento cultural obrigatório e necessário ao desenvolvimento do processo educativo”, descreve um trecho do documento.  

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Segundo o Censo Escolar de 2023, apenas 55% das escolas públicas e privadas possuem bibliotecas. No caso das públicas, apenas 48% delas têm biblioteca ou sala de leitura, segundo um levantamento feito pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon). Isso significa que 71,3 mil escolas, com cerca de 10 milhões de crianças e adolescentes, ainda não conseguem ter acesso a livros. 

O que muda com a criação do SNBE? 

“Muda tudo. Ter políticas públicas para bibliotecas escolares vai ampliar o número de estudantes impactados e de toda a comunidade escolar, inclusive famílias e o próprio entorno”, afirma Beto Silva, pedagogo, psicopedagogo, mediador de leitura literária e coordenadorgeral do grupo Simbora! Educação e Cultura. Segundo o especialista, a medida pode contribuir para a democratização do uso das bibliotecas e do incentivo à leitura em regiões menos favorecidas, como comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhas, em zonas rurais e urbanas periféricas. 
 
“Para muitos alunos, o único lugar que podem ter acesso aos livros é na escola. Então, qualquer iniciativa que amplia essa possibilidade, como o SNBE, será sempre bem-vinda”, afirma Rogério Tadeu Gonçalves Marinelli, diretor da escola municipal EMEF Érico Veríssimo, a mesma da professora Ana Cristina. Segundo ele, será uma forma de democratização do acesso ao conhecimento. 


 
“Agora, o desafio de implementar bibliotecas em todo o Brasil será grande, principalmente porque nosso país é continental. Será importante que haja uma articulação entre governos federal, estaduais e municipais”, sugere Poliana Silva, fundadora da BEEM – Biblioteca Escolar e Multiletramentos. Ela tem mais de 15 anos de experiência na área da educação e atualmente estuda biblioteconomia na USP.

O caminho para democratizar o uso das bibliotecas 

O primeiro desafio, segundo Poliana, é ampliar a conscientização sobre o uso das bibliotecas em todo o Brasil. Para ela, o ideal é ter políticas públicas para que as pessoas conheçam qual é a função da biblioteca e sua importância para o processo educativo. “A maioria dos brasileiros não teve acesso a esses equipamentos na infância e adolescência, por isso, não construiu repertório, não tem consciência de valor”, explica a educadora.  

Importante também olhar as especificidades de cada comunidade escolar, segundo o pedagogo Beto. “Ao implementar uma biblioteca, será fundamental checar o que já existe em cada escola, quais são as expectativas e os desafios da comunidade escolar e construir um plano junto com ela”, reflete. E complementa: “em todo esse processo, a participação da comunidade é importantíssima, pois a escola não está na comunidade. A escola é da comunidade”. 

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Biblioteca tem que ter bibliotecário 

Não basta ter apenas uma biblioteca em cada escola, como prevê o SNBE, será necessário que cada uma tenha um bibliotecário, que é o profissional capacitado para organizar, catalogar, armazenar, conservar e divulgar os acervos do equipamento. Tendo esse cuidado, o bibliotecário, ao estimular o gosto pela leitura, auxilia junto ao professor no desenvolvimento de estudantes conscientes e críticos.  

Contudo, essa não é a realidade atual. A pesquisa da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil traz também dados sobre a existência de bibliotecários nas escolas que possuem bibliotecas. Segundo o estudo, há 20 mil estabelecimentos que contam com estes profissionais, o que corresponde a 46% das escolas com bibliotecas em todo o país. Um exemplo é o Colégio Estadual do Paraná: “Nossa biblioteca é antiga, foi fundada em 1859. E eu cuido de todo o seu acervo, que conta com 39.550 exemplares catalogados em nosso sistema”, afirma a bibliotecária da escola, Rosangela Aparecida Skrobot. 

Bibliotecas e salas de leitura  

Muitas escolas que não têm biblioteca acabaram optando por salas de leitura espaços com acervo de livros e cujas aulas são ministradas por professores, com o objetivo de incentivo à leitura. “A sala de leitura, diferente da biblioteca, tem uma ação mais pedagógica, pois o professor dá aula nesse espaço usando os livros específicos para cada turma. Assim funciona com as escolas da prefeitura de São Paulo”, explica a professora Ana Cristina, da escola EMEF Érico Veríssimo. Ela conta com a ajuda de monitores, alunos voluntários que ajudam a cuidar do acervo. 

A especialista Poliana elogia muitas salas de leitura, mas acredita que, com a chegada das bibliotecas, será importante ter também um bibliotecário. “Eu tenho acompanhado muitas salas de leitura na rede pública, que desenvolvem um trabalho de excelência, que se assemelham muito ao papel de uma função de uma biblioteca. Mas o ideal é que as escolas tenham também bibliotecas com bibliotecários, capacitados para cuidar do acervo”. O desafio será integrar as bibliotecas com as salas de leitura, e o trabalho do bibliotecário com os professores orientadores dessas salas de leitura.

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“O bibliotecário precisa estar envolvido com os projetos pedagógicos da escola; assim, será possível usar o espaço como multiletramentos”, orienta a consultora educacional Poliana Silva
(Foto: Arquivo pessoal)

Bibliotecas: potencializando o ensino e a aprendizagem 

Uma das medidas mais importantes para Poliana Silva é fortalecer a comunicação entre o bibliotecário e a equipe pedagógica. “O bibliotecário precisa estar envolvido com os projetos pedagógicos da escola, para conseguir desenvolver parcerias que sejam significativas, afinal, esse profissional é uma fonte curadora de informação. Assim, será possível usar o espaço como multiletramentos”, explica a especialista.  
 
Para o pedagogo Beto, é importante incentivar o bom uso desses espaços tanto bibliotecas quanto salas de leitura — com atividades de incentivo à leitura. “Trabalho há muito tempo com a mediação de leitura literária. Ela tem uma potência muito grande, especialmente para os processos de alfabetização”. Ele também é favor de ter outras ações que dialoguem com os livros, como contação de histórias, clubes do livro, slam, batalhas de rima entre outras. 

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“Trabalho há muito tempo com a mediação de leitura literária. Ela tem uma potência muito grande, especialmente para os processos de alfabetização”, diz o pedagogo Beto Silva
(Foto: Arquivo pessoal)

Um bom exemplo são as atividades promovidas na biblioteca do Colégio Estadual do Paraná. Uma das ações é o projeto Sedução Poética, que envolve todos os alunos da escola durante o ano. “Incentivamos os estudantes a lerem e produzirem poesias. Há varais de poesia e concurso de declamação”, explica a bibliotecária Rosangela. 
 
Na sala de leitura da escola da EMEF Érico Veríssimo também muitas ações de incentivo à leitura. “Temos atividades permanentes, como as rodas de leitura e a leitura compartilhada em que a gente lê e discute um texto com os alunos. Participamos também do Leituraço, projeto da prefeitura de São Paulo que trabalha três temas ao longo do ano: o migrante, o indígena e o africano”, conta a professora Ana Cristina.  
 
Agora é acompanhar como será a implementação do SNBE ao longo deste ano. As expectativas das escolas são grandes e a esperança em ter um país com mais leitores também. 

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