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Edição 293

Pedro Bandeira: na contramão da informação, escolas e famílias veem o livro como um perigo

"Não há uma novela após as 21h que não tenha conteúdo erótico, mas se percebe famílias que consideram o livro perigoso", conta Pedro Bandeira

Publicado em 01/05/2023

por Karen Cardial

Pedro Bandeira_2_destaque “Se você faz uma história para atingir a emoção de um jovem, tem que refletir aquilo que ele é, aquilo que ele pensa e aquilo que ele vive”, orienta Pedro Bandeira Foto: Editora Moderna

Filho de uma mãe carinhosa e que lhe contava histórias desde quando era um bebê, Pedro Bandeira, escritor com mais de 100 livros publicados e mais de 20 milhões de livros vendidos, faz parte da vida de gerações que cresceram e crescem lendo suas histórias. Seu pai faleceu quando Pedro ainda estava na barriga de sua mãe, e sendo filho temporão, com dois irmãos mais velhos, foi uma criança solitária, daquelas que só brincava sozinha. Num tempo em que não se ganhava brinquedos e já alfabetizado, se jogou aos encantos dos gibis, curioso para saber o que estava escrito nos balõezinhos e encantado pelas figuras. Era assim que treinava a leitura. Opção barata, os gibis iam e vinham, na troca com os amigos. O cinema, diversão comum daquela época sem TV, exigia velocidade na leitura das legendas quando os filmes eram estrangeiros, e essa foi, então, outra forma que ajudou no seu letramento. 


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“Eu preenchi a minha vida lendo; lendo o que aparecia na minha mão”, relata o escritor. De uma prima que tinha uma antiga coleção do escritor Monteiro Lobato, os livros chegaram na vida de Pedro, que viveu da leitura, pois o livro era o único brinquedo que possuía.

“Sempre fui muito leitor, tanto que a minha vida passou a ser, desde jovem, direcionada por usar bem a língua portuguesa. Quando me tornei jornalista, me destaquei por ter um vocabulário bastante amplo, fruto de muita leitura”, conta Pedro, autor que já recebeu os prêmios Jabuti, APCA, Adolfo Aizen e Altamente Recomendável, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ).

Na editora Abril, recebia pautas para escrever pequenas histórias publicadas em revistas que eram vendidas nas bancas, algo que logo gostou de fazer. “Aprendi muito, pois não dependia de inspiração para escrever: escrevia sobre skate e no dia seguinte sobre barco a vela e quando desconhecia o tema, corria atrás e pesquisava. 

“Outro aprendizado que ganhou foi a disciplina, já que vivia entre os prazos de fechamento das revistas e jornais: “Isso me deu um pique muito bom”. Feliz com a ideia de escrever um livro, Pedro se inspirou no fazer literário de Monteiro Lobato e em 1983 escreveu o livro O dinossauro que fazia au-au, história de um menino solitário que vivia de sua própria imaginação. Esse foi o momento em que Pedro descobre o mercado da literatura infantojuvenil e, formado em ciências sociais, teve olhos para enxergar a importância que o livro tem dentro da escola, como apoio para a compreensão da língua portuguesa.

O autor critica que a escola particular forma um gueto de meninos ricos e iguais, que chegam e saem de carro, não conhecem o mundo, não têm colegas pobres ou negros
Foto: Editora Moderna

Dedicado a entender mais sobre o universo infantil, parte para o estudo da psicologia do desenvolvimento; Pedro queria entender o grau de inserção no mundo de crianças de diferentes faixas etárias para escrever de acordo com a fase de maturação de cada uma delas.

“Se você faz uma história para atingir a emoção de um jovem de 12 e 13 anos, tem que refletir aquilo que ele é, aquilo que ele pensa e aquilo que ele vive; mas isso traz problemas”, assegura.   

Pedro conta um caso que está acontecendo agora: uma escola particular de alto padrão adotou um famoso livro seu, A marca de uma lágrima, e por conta do erotismo presente no livro — que já vendeu mais de dois milhões de exemplares —, está se reunindo com as mães e pais que pedem a demissão da professora, uma doutora e linguista. A história é de uma menina solitária, filha única e de pais separados, que recebe pouca atenção da mãe e que quase não vê o pai. Leitora, inteligente, escreve versos e se apaixona por um rapaz, que apesar de gostar dela, não a vê como uma possível namorada. A menina então sofre com a desilusão. No livro Pedro é fiel à psicologia do leitor, que lida com a autoestima, a timidez, insegurança, dúvida e com o despertar da sexualidade. “A escola particular forma um gueto de meninos ricos e iguais, que chegam e saem de carro, não conhecem o mundo, não têm colegas pobres ou negros”, reflete Pedro. 

 


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O escritor lembra que uma das coisas mais tristes que ele via quando dava aulas em cursinhos eram meninas que abandonavam os estudos porque ficavam grávidas. “Essa gravidez indesejada destrói a vida de uma jovem de 15 e 16 anos, que abandona os estudos e a possibilidade de uma faculdade que poderia dar um futuro para ela. É necessário ajudar os jovens nessa fase de modo que eles possam se defender, inclusive”, afirma o escritor.

Pedro Bandeira chama a atenção para um neopuritanismo chato que vemos nos dias atuais e diz que não há uma novela após as 21h que não tenha conteúdo erótico, mas vê famílias que consideram o livro perigoso. “É uma coisa engraçada, e as pessoas temem o livro”, expressa. Pedro compara esses pais e mães com a história da Rapunzel, que é mantida numa torre para preservar sua pureza e inocência, mas, quando joga suas tranças, o príncipe sobe na torre e Rapunzel fica grávida. “Tentar colocar os filhos numa redoma não preserva sua inocência, e sim a sua ignorância e, por desconhecimento, se tornam vítimas de uma gravidez na infância ou adolescência. É a educação que pode minorar esses casos terríveis de gravidezes indesejáveis com nossos jovens.”   

Sobre o livro Mariana, menina e mulher, obra que adorou escrever, diz que é um fracasso de vendas, pois fala sobre a puberdade, as mudanças físicas e a menstruação. “Já teve pais fazendo boletim de ocorrência pela adoção do livro, querendo colocar a professora na cadeia.” 

A boa literatura traz temas considerados difíceis para as crianças, pois entende que cedo ou tarde a vida trará situações que precisarão ser enfrentadas por elas. Morte, separação dos pais, perdas materiais, bullying, mudanças físicas e psicológicas na adolescência, ansiedade, medo e tantos outros temas, quando tratados de forma adequada à faixa etária, são ferramentas de proteção. “Como é que a gente permite que uma criança de 12 anos fique grávida, ao invés de ouvir a verdade dos lábios de uma mãe, de um pai, de uma professora, para que a jovem possa se defender e se proteger?”, reflete.

Pedro Bandeira

Pedro Bandeira: eu quero o brasileiro informado, capaz de fazer um Brasil melhor
Foto: Editora Moderna

Para Pedro Bandeira, o escritor também é um educador que tem seu livro na escola para apoiar no amadurecimento emocional das crianças, pois desperta emoções, encerra dúvidas, fala de anseios. “É quando sofremos com a emoção do personagem, sem que de fato nos faça mal, esse é o papel da arte”, acredita. Não é preciso ser traído para saber o que é o ciúme se eu tiver lido Dom Casmurro ou Otelo de Shakespeare. Também não preciso sentir o remorso de um crime se eu tiver lido Crime e castigo de Dostoiévski e posso conhecer a mente de um pedófilo, aceito e respeitado pela sociedade, ao ler Lolita de Vladimir Nabokov”, ilustra Bandeira. 

“A minha profissão é a melhor do mundo porque eu trabalho com o futuro. Eu tento ajudar crianças para que sejam adultos melhores. E o futuro desse jovem só será melhor se for mais seguro, mais informado, mais capacitado.”

Recado de Pedro para as professoras e professores:

“Bronca não ensina, é o amor que ensina. O mau aluno não é mau porque quer. Ele precisa entender sua matéria, mas você tem que entendê-lo primeiro. É difícil, mas é divino o que você faz. Abandonar a criança é abandonar o Brasil. A minha esperança são vocês, professores.”

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Autor

Karen Cardial


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