NOTÍCIA

Edição 300

Grupo Vitamina gera prejuízos financeiros e emocionais

Professores e ex-dona de escola estão indignados com o Grupo Vitamina: escolas fechadas por falta de infraestrutura, profissionais e funcionários sem direitos trabalhistas e crianças sujeitas a uma educação precária

Publicado em 19/01/2024

por Leticia Scudeiro

Grupo Vitamina_4 Silvia Barbara, diretora do SinproSP (com o megafone), participou de um protesto em outubro de 2023 com as vítimas do Grupo Vitamina em frente ao Consulado Geral do Chile, na Avenida Paulista Foto: Carol Mendonça /Coletivo Educação em Primeiro Lugar

Infraestrutura precária, pagamentos de luz, água e aluguel atrasados, além de funcionários e professores sem receberem direitos trabalhistas. Essas são algumas condições que as escolas começaram a apresentar após serem compradas pelo Grupo Vitamina. O grupo chileno chegou ao Brasil no final de 2019 com uma proposta de investir na educação infantil, mas acabou se tornando sinônimo de fraude. Ao todo foram compradas 37 escolas de educação infantil, a maioria na cidade de São Paulo, com exceção de cinco em Campinas, Ribeirão Preto, Santos e ABC.   


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O Sindicato dos Professores de São Paulo (SinproSP) começou a receber denúncias trabalhistas em meados de 2021. Segundo a diretora Silvia Celeste Barbara, “os professores estavam sendo comunicados [pelo Grupo] que eles não seriam mais tratados como professores, mas como educadores e que as escolas não respeitariam mais a Convenção Coletiva dos Professores da Educação Básica, portanto, os direitos como férias coletivas, piso salarial, bolsas de estudo, recesso, nada disso seria respeitado”. 

Além de retirar os direitos dos docentes, o grupo começou a atrasar o pagamento de funcionários, fornecedores e também o acordo de compra da unidade. Com isso, problemas de infraestrutura e irregularidades começaram a surgir e serem notificados. A professora Nadja Iara da Silva Solano, que trabalhou 27 anos na Escola Pueri Regnum, no Brooklin, SP, conta que a partir do momento em que a escola foi vendida, em abril de 2021, eles não tiveram apoio da gestão do Vitamina.

“A diretora atual tem feito o melhor que pode dentro das condições que tem. Por diversas vezes recebi a visita da supervisora de ensino, que apontou e notificou diversas irregularidades que colocam em risco, inclusive, a segurança das crianças.”, conta Nadja

Nadja saiu da escola em setembro deste ano e ressalta que a escola continua desligando professoras antigas sem pagamento: “Uma das professoras que ainda trabalha está grávida e ainda não recebeu o seu salário. Isso é desumano”.

Cátia Oliveira Crivelli é outra professora que está com o pagamento atrasado. Ela trabalhou na Escola Nosso Espaço por 22 anos e quando foi comprada pelo Grupo Vitamina, em outubro de 2021, foi transferida para a unidade da Escola Espaço Singular, onde ficou por um ano e três meses. Ambas as unidades estão localizadas também no Brooklin e fecharam as portas em setembro de 2023.

“Por conta da fraude do Grupo entrei com a rescisão indireta. Estou sem receber meus direitos trabalhistas e não deram baixa na minha carteira de trabalho. Psicologicamente, fiquei muito triste pela forma como tudo ocorreu. É um sentimento de impunidade”, compartilha Cátia.  

Motivo da venda

A diretora do SinproSP, Silvia Barbara, explica que, na maioria, as escolas compradas pelo Grupo eram tradicionais, fundadas por educadoras ou famílias de professores com 30 anos a 40 anos de existência. O motivo da decisão de vender pode ter sido a pandemia. Como na educação infantil a matrícula de crianças de até quatro anos não é obrigatória, muitas perderam estudantes, ficaram fechadas e viram na proposta apresentada a oportunidade de continuar o seu legado, passando para outra pessoa, sem precisar fechar as portas. Silvia também ressalta que trouxe segurança para quem iria vender o fato de o Vitamina ter participação do Instituto Península.

O professor Antônio Eugênio Cunha, atual presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (FENEP), acredita que das escolas adquiridas, nenhuma estava desesperada, uma vez que tinham bom padrão e uma boa proposta pedagógica. “O que faltou foi cuidado das instituições para fazer uma melhor avaliação do investidor que estava chegando. Não dá para fazer nenhum negócio se não tiver pelo menos uma segurança, como um fiador ou seguro”, enfatiza Antônio.


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Marilene de Sousa Milan foi fundadora, diretora e mantenedora da Building Escola de Educação Infantil nas unidades de Vila Mascote (de 26 anos) e Campo Belo (de seis anos) até abril de 2021. Ambas atualmente fechadas. “Quando comecei a negociar a venda da escola, foram quase cinco meses de negociação, buscando informações sobre o Grupo Vitamina e quem eram os investidores. Tudo parecia muito claro, em especial, no meu caso, o maior ‘aval’ que enxerguei na ocasião era o Instituto Península fazer parte do projeto, mas nada disso garantiu que essa catástrofe fosse evitada”, explica. 

“Eles [o Grupo Vitamina] eram rigorosos na solicitação de documentação. Fiquei meses com meu contador e o advogado juntando os documentos. Nós discutimos as questões da garantia e eles falavam que o fundo era forte. Então checamos a informação na Junta Comercial, tudo foi verificado. Não foi uma venda da noite para o dia, foi um negócio muito estudado. Não foi ingenuidade dos ex-donos de escolas, todo mundo teve bons advogados para verificar”, complementa Marilene de Sousa.


Grupo Vitamina

Marilene de Sousa Milan, Regina Tolentino e Danielle Paranhos criaram um grupo de apoio às vítimas
Foto: arquivo pessoal

A venda da escola de Marilene foi parcelada até 2026. Ela não recebeu a parcela de 2023 e continua sendo cobrada por funcionários e fornecedores como a responsável pela escola. Além disso, adquiriu problemas emocionais como síndrome de pânico, e recebe tratamento profissional. 

Marilene criou com Regina Tolentino, ex-diretora e mantenedora da Building Escola (unidade Campo Belo), e com a professora Danielle Paranhos, que trabalhou na Escola Mundo Melhor, em Perdizes, vendida ao Vitamina em abril de 2021, um grupo de apoio e escuta às vítimas, o qual possui mais de 500 pessoas, dentre elas funcionários, professores, ex-mantenedores e proprietários de imóveis. 

 A situação da professora Danielle mostra outro ponto da fraude do Grupo Vitamina: com os atrasos, muitos professores foram coagidos a aceitar um acordo de parcelamento de sua rescisão salarial, ou seja, caso aceitassem iriam receber sua rescisão, senão teriam que continuar trabalhando com todos os atrasos ou se demitir e perder seus direitos.

“Fui demitida e coagida a aceitar o acordo. Estava contando com minha rescisão para pagar alguns empréstimos e contas no banco. Recebi apenas uma parcela, e em dois meses de atraso o banco começou a me ligar fazendo cobranças. Estou pagando juros absurdos por esses atrasos de pagamento. Envio e-mail todo mês para o Grupo Vitamina para me pagarem, eles não respondem”, conta Danielle. 

Próximos passos e cuidados

A diretora do SinproSP participou de um protesto em outubro de 2023 com as vítimas do Grupo Vitamina, em frente ao Consulado Geral do Chile, na Avenida Paulista, em São Paulo, e aponta que atualmente quase 20 escolas fecharam, porém, no site da Receita Federal elas ainda constam como abertas, recebendo novas matrículas.  Segundo ele, o que está sendo feito são ações individuais na justiça em busca dos direitos trabalhistas. 

“Estamos contando com o auxílio de um vereador, um deputado estadual e uma deputada federal. Os três formam um grupo que está buscando no Ministério Público Federal, no Ministério Público Estadual e no Ministério das Relações Exteriores, além das Comissões de Educação de cada uma das casas parlamentares, movimentos para evitar que o Grupo Vitamina fuja do país antes de pagar as dívidas”, ressalta Silvia.



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Autor

Leticia Scudeiro


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