NOTÍCIA
A formação de cidadãos empenhados no desenvolvimento sustentável já está presente no currículo e na prática de algumas escolas. Falta estruturar tudo isso
Publicado em 29/09/2023
Apesar da recente difusão do termo sustentabilidade pelos mais variados setores da sociedade, há um lugar em que esse conceito, se bem trabalhado, tem o potencial de gerar impactos efetivos: a escola. É na formação de cidadãos empenhados no desenvolvimento sustentável que toda teoria a respeito desse assunto pode ser transposta para a prática cotidiana e produzir efeitos duradouros.
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Um guia para essa empreitada são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). É “um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade”, como define o site da organização. Erradicar a fome e a pobreza, viabilizar acesso à água e saneamento, conservar a vida marinha e reduzir desigualdades são alguns dos 17 ODS que o Brasil deve atingir. É papel da escola se comprometer com esse tema e propor ações nesse sentido.
“O conceito da ONU de educação para o desenvolvimento sustentável é a tradução de um movimento global. A tendência é que os ODS se incorporem ao currículo tradicional como resposta a essa cobrança por uma mudança de postura. Vejo os ODS como uma proposta de agenda civilizatória”, visualiza Luciano Monteiro, diretor global de comunicação e sustentabilidade na Santillana, empresa de soluções educacionais.
Para Luciano, toda escola já trabalha com o tema da sustentabilidade de alguma forma, mesmo que isso não esteja em destaque. “Dentro do currículo sempre tem elementos da sustentabilidade que estão na oferta pedagógica. Talvez pouco visível, dentro de uma efeméride, data comemorativa ou até mesmo por meio da participação da comunidade do entorno da escola no dia a dia. O momento, hoje, é de estruturar isso”, explica.
Para além dos conteúdos programáticos, os projetos são grandes oportunidades de ampliar a presença do tema da sustentabilidade na escola. A iniciativa Esse Rio é Meu, idealizada pela organização Planetapontocom e desenvolvida pela prefeitura do Rio de Janeiro, secretarias municipais de Educação e de Meio Ambiente, é um exemplo bem-sucedido na educação pública. Fundado pela jornalista Silvana Gontijo, o projeto visa à recuperação e preservação de rios — da capital, outros municípios do Rio e até de outros estados — a partir da atuação das comunidades escolares que os circundam.
É o que tem acontecido na Escola Municipal Charles Anderson, na zona norte do RJ, a partir da iniciativa da professora de geografia Roberta Nascimento e seus colegas, no ensino fundamental 2. Uma das primeiras atividades do Esse Rio é Meu na escola foi a visita de turmas de 7º ano ao rio Acari, que fica próximo, em um dia em que ocorriam trabalhos de desassoreamento. A partir disso, foram desenvolvidas atividades como a produção de um vídeo contando a história do rio, a coleta de materiais das margens e estudo de seus tempos de decomposição na natureza, a navegação por mapa interativo do rio e a produção de cartaz com o registro das atividades do projeto para apresentação na Semana do Meio Ambiente. E o mais interessante: boa parte das atividades foram propostas pelos próprios estudantes.
“O que mais gosto nesse projeto é o protagonismo do aluno. Estudar o lugar em que você mora te dá esperança, faz vislumbrar coisas melhores. Quando vi esse projeto, pensei: é uma oportunidade de formar pessoas socialmente responsáveis, o que é o sonho de todo professor, além de cessar a competição e estimular a colaboração entre eles”, explica a professora Roberta.
O próximo passo na E.M. Charles Anderson é a produção de um livro de memórias que a comunidade do entorno tem do rio Acari. De acordo com a educadora, os estudantes estão coletando histórias do local com idosos que moram ali há décadas e viram, literalmente, muitas águas rolarem rio abaixo. Iniciado este ano na escola, o projeto já promoveu mudanças expressivas.
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Iniciar o trabalho com sustentabilidade na escola, ou ampliá-lo, pode ter como ponto de partida a própria localidade em que a unidade se encontra. A professora de sociologia Angélica Aparecida de Souza, que leciona para o ensino médio técnico no Instituto Federal do Mato Grosso (IFMT), acredita que o ambiente sempre é capaz de estimular discussões em sala de aula. “Agora estamos na época da seca. Faz 39°C com sensação térmica de 41°C. É preciso trazer esses temas que estão no nosso cotidiano, que nos afetam. A escola está sempre em um território: o que esse território nos apresenta?”, indaga.
A professora, que também é pesquisadora e integra a Ambiafro, organização que propõe a discussão ambiental a partir de um olhar racializado, acredita que a sustentabilidade deve estar presente em todas as disciplinas e não apenas nas ciências da natureza ou humanas. “É uma ética social que temos que ter. Não só a sociologia, geografia e história, mas também a matemática, as exatas de forma geral: todas as disciplinas devem falar de sustentabilidade, uma conectada à outra, para que não fique só na teoria do conteúdo e possa vir para prática”, defende Angélica.
Em meio à profusão midiática em que os estudantes estão imersos, a escola torna-se também um lugar privilegiado para a transmissão de informações confiáveis. Tanto do ponto de vista ambiental quanto social, todos os dias, inúmeras notícias falsas circulam pelas redes e, no ensino médio, de acordo com a professora, é comum que os jovens levem o que estão consumindo online para as discussões em sala de aula.
“Por vezes, eles trazem informações enviesadas sobre meio ambiente e questões sociais e ali, em sala, é o momento de debatermos o outro lado das histórias. Muito guiada por Nilma Lino Gomes e suas estratégias de emancipação, busco sempre um procedimento pedagógico empático com eles”, explica a professora.
Trazer o tema para os conteúdos programáticos, projetos e discussões produz efeitos importantes nos estudantes, assim como o contato com um espaço físico que preconize práticas sustentáveis. É o que acontece na Escola Coqueiral, de Caraíva, no sul da Bahia, que atende 25 crianças de três a oito anos, em um terreno amplo, aberto. Com base na pedagogia Waldorf, a escola é privada, mas composta em sua maioria por crianças de famílias em vulnerabilidade que pagam valores menores, enquanto os responsáveis com melhores condições econômicas pagam mais.
Estimuladas à constante participação no dia a dia escolar, as famílias são centrais para a dinâmica de aprendizado das crianças, de modo que o convívio comunitário dá o tom do funcionamento da Coqueiral. “É um pré-requisito que a família esteja dentro da escola o tempo que puder para participar das atividades, se educar, trabalhar internamente e deixar as crianças em paz, livres”, explica Fernanda Alvarenga, educadora e gestora da escola.
De acordo com Fernanda, a evolução das crianças em contato com a terra, com estímulos para muito além da tradicional sala de aula, tem sido expressiva. “Crianças aprendem por meio dos pés e das mãos. Quanto mais aterrada ela está, mais conexões ela faz, mais ela aprende. Em contato com a natureza, tudo melhora, desde a saúde até o convívio”, comenta.
• Estrutura construída em barro;
• Iluminação e ventilação naturais;
• Brinquedos de madeira ou recicláveis, e não de plástico;
• Assembleias semanais para a resolução de problemas;
• Reciclagem criativa;
• Papo sobre sentimentos toda manhã;
• Produção de brinquedo com recicláveis para aniversariante;
• Alimentação orgânica;
• Horta;
• Plantio destinado à comunidade;
• Mutirões de coleta de lixo;
• Coleta seletiva.