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Em entrevista, Renato Janine Ribeiro explica que brincadeiras de cooperação são formas de as crianças aprenderem ludicamente sobre a democracia. Ele também reforça que a escola não deve ter medo de abordar injustiças sociais e esconder a realidade
Publicado em 18/08/2023
A trajetória de Renato Janine Ribeiro se entrelaça com o compromisso social e político que claramente possui. Ministro da Educação (2015), professor de ética e filosofia política na FFLCH-USP e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), nesta conversa ele declara que a escola pode falar de democracia e direitos humanos desde a creche, mas, claro, a abordagem muda a partir do crescimento dos estudantes.
“A escola não deve desistir do seu papel, o qual é extremamente importante para a democracia”, reforça.
Confira a entrevista.
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Renato Janine Ribeiro: Podemos pegar toda a faixa etária da educação básica, incluindo a creche, então do zero aos 17 anos; com as crianças pequenas temos que começar por meio de brincadeiras que favoreçam a cooperação mais do que a competição. Procurar algum tipo de brincadeira, de brinquedo, que mostre que pessoas juntas fazem coisas melhores do que pessoas uma contra a outra. É importante as pessoas compreenderem que vão mais longe quando estão em conjunto.
Então no caso da infância dá para começar a falar de democracia e direitos humanos com dois anos de idade, conforme as brincadeiras que a gente faz. Por exemplo, o futebol é competitivo, tem dois times. Só que o importante é frisar que além do time A e do time B entrar em conflito, cada time tem que ser consumido sobre uma grande cooperação interna. Na Copa do Mundo de 2014, no jogo entre Portugal e Gana, o Cristiano Ronaldo, que é um jogador extraordinário, não interagia com o resto da equipe. O Neymar também é um bom jogador, mas faz o jogo dele, não interage.
Temos que favorecer o espírito de equipe para fortalecer a democracia.
Já no fundamental 1 e fundamental 2, é importante introduzir outros fatores de valores. Temos que falar de sexo, de orientação sexual, cor da pele, conceitos de igualdade, por exemplo. Contrastar que na prática muita gente é tratada de maneira desigual. Claro que é uma questão delicada, mas a escola não pode ter medo.
Vou pegar uma frase famosa e modificá-la: ‘a minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro’. Então temos que mostrar para a criança que ela tem liberdade de fazer certas coisas, mas não de invadir o espaço da outra, não de desrespeitar a liberdade da outra. Vou modificar essa frase: ‘a minha liberdade aumenta com a liberdade do outro’. Ou seja, duas pessoas são livres para fazerem o que elas querem juntas.
A escola não deve desistir do seu papel, o qual é extremamente importante para a democracia…e não pode esconder a realidade. Não dá para ser cúmplice da ideia de que todo mundo merece o que tem: que o pobre merece a sua pobreza, o doente merece adoecer, o negro e indígena merecem a discriminação. Não.
É preciso deixar claro o valor da igualdade e o valor da liberdade; se pensarmos em termos da França: liberdade, igualdade e fraternidade. Como diz a música de Beethoven, Ode à alegria, na Nova Sinfonia, ‘todos os seres humanos são irmãos’. A escola tem que passar essas mensagens.
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É importante as pessoas saberem que esses direitos custaram muito. Vou dar um exemplo que talvez não seja o principal direito, que é o 13º terceiro salário, o qual passou a existir por greve, manifestações. A própria greve como forma de luta dos trabalhadores já foi reprimida até com tiro. Já o 1º de maio é um dia em comemoração aos trabalhadores porque grevistas nos Estados Unidos foram enforcados por causa de uma greve num 1º de maio do século 19.
São manifestações importantes do mundo e trazem mudanças, mas as grandes mudanças ocorrem com pessoas lutando e até mesmo morrendo.
Pretendo falar de direitos humanos. Até porque não podemos perder de vista o fato de que não tem o direito só de grupo, os direitos são universais. Quando a gente defende o direito de um grupo defendemos o de todos. Por exemplo, os direitos das mulheres não são contra os direitos dos homens, pois se as mulheres tiverem direitos reconhecidos, sem machismo, sexismo, etc., melhorará para os homens também pois teremos relações mais limpas. Então não é o direito de um contra o outro, é o direito de todos por todos.
*O evento será online e gratuito. Acontece de 21 a 24 de setembro. Renato Janine Ribeiro estará no primeiro dia, dividindo mesa com outros especialistas. Clique aqui para acessar o canal da transmissão e conferir os outros painéis.
O fato de o Brasil não ter vivenciado o luto do regime militar, ao contrário de outros países, foi tema de análise recente entre os membros da SBPC. Renato Janine conta que a discussão ocorreu após visita à Argentina da secretária-geral da entidade, Claudia Linhares, professora na Universidade Federal do Ceará.
“Ela ficou impressionada com algo que lá ocorre desde 1983, ano que caiu a ditadura militar: anualmente a sociedade argentina comemora o Dia da Memória, Verdade e Justiça para denunciar as canalhices, os crimes cometidos pela ditadura. Não foi iniciativa do governo civil, foi iniciativa da sociedade civil. Com o passar do tempo esse dia passou a ser comemorado como uma data voltada às escolas e acabou até se tornando feriado”, revela.
Após reuniões, a SBPC lança este ano o Dia Nacional de Defesa da Democracia, em 31 de outubro. Segundo o presidente, a proposta não é denunciar o passado, mas reforçar a importância de educar para a democracia. A data foi escolhida por ser um período de aula e não de férias escolares e também “porque foi o dia da primeira manifestação de rua depois do Ato Institucional nº 5, em 1975, no culto ecumênico para Vladimir Herzog que tinha sido assassinado pela ditadura alguns dias antes”.
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