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Gestão pode ter impacto positivo na aprendizagem, e contribui para transformar a educação, mas função ainda é cercada por desafios — como a formação e seleção de profissionais
Boa gestão da escola é reconhecidamente um aspecto central na transformação da educação. Um relatório de 2004, publicado pela Wallace Foundation, destaca que, entre os fatores intraescolares, o diretor/diretora é o segundo que mais impacta na aprendizagem dos estudantes — atrás apenas do professor. Esse tipo de constatação está presente em outras pesquisas, inclusive mais recentes.
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No Brasil, a função ainda é cercada por desafios, como a formação e seleção de profissionais para o cargo. Mas a discussão tem avançado. Em 2021, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou a matriz de competências gerais e específicas do diretor escolar. O documento aguarda homologação do Ministério da Educação (MEC).
Segundo especialistas, a matriz tende a trazer benefícios na qualificação de diretores. Pode guiar a formação (cursos, especializações, formação inicial), além de ter impacto na seleção de profissionais para o cargo, já que o documento permitirá o estabelecimento de critérios técnicos para a escolha. Hoje, esse processo é difuso e pode acontecer, por exemplo, por eleição, concurso e principalmente por indicação política — 66% dos diretores de escolas municipais estão no cargo exclusivamente por indicação/escolha, alerta o Censo Escolar 2022.
No documento do CNE são elencadas 10 competências gerais e 17 específicas do diretor, separadas em quatro dimensões: político-institucional, pedagógica, administrativo-financeira e pessoal e relacional. As gerais, por exemplo, incluem desde assegurar o cumprimento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) até a busca de soluções inovadoras e criativas. Além disso, há 95 atribuições — essas, porém, eletivas e de caráter flexível.
Contudo, também é preciso ter em mente que o diretor deve saber delegar, destaca Caroline Tavares, coordenadora pedagógica do Programa às Diretorias de Ensino na associação Parceiros da Educação. A especialista deu suporte à construção do documento do CNE.
“O diretor vai gerir a equipe de direção. Às vezes, a gente olha para aquela matriz gigante e pensa: ‘como uma pessoa só é capaz de fazer tudo isso?’. E não é. Parte da capacidade desse diretor é montar uma boa equipe e delegar as funções. Mas também é papel dele garantir que essas funções estejam sendo executadas a contento”, afirma.
Ela exemplifica com o desenvolvimento dos professores, que não precisa ser, necessariamente, feito pelo diretor. Contudo, é papel dele saber o que é uma boa formação, colocar no cargo de coordenador pedagógico alguém que possa executar as atividades e avaliar o trabalho.
A especialista destaca também que um bom diretor tem a função de liderança — e que o envolvimento com a parte pedagógica é fundamental. “Quando a gente olha para a literatura, inclusive as literaturas mais recentes, a gente vê que o bom diretor de escola é aquele que consegue trabalhar muito bem com a intersecção entre três eixos: o de liderança, o de gestão e o pedagógico.”
Cada eixo se relaciona com diferentes aspectos que vão compor a atuação do gestor. No de liderança, há a dimensão socioemocional e de comunicação. “É aquela pessoa que é vista pela comunidade escolar, pela equipe e alunos como referência, inspiração”, diz Caroline. Já a gestão está relacionada à administração e também à gestão de pessoas. A pedagógica, por fim, diz respeito à capacidade do diretor de saber o que é um bom ensino e de garantir uma cultura de alta expectativa pedagógica para a escola.
“É importante ver esse diretor, essa função, muito além de uma função administrativa”, pontua.
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Para que as escolas possam ter bons gestores, é preciso olhar para a formação. Segundo o Censo Escolar 2022, apenas 19,3% desses profissionais têm cursos de formação continuada em gestão escolar (com, no mínimo, 80 horas). Além disso, a formação inicial também precisa de atenção, assim como a que ocorre ao longo da carreira.
“A formação do diretor tem de ser pensada em termos de desenvolvimento da pessoa — não como uma formação pontual para uma determinada etapa”, avalia Lara Simielli, professora do Departamento de Gestão Pública na Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP). Isso significa ter formações antes de prestar concurso ou realizar prova de acesso ao cargo; uma vez aprovado, ter um período de aprendizado antes de entrar na escola; e, depois, é preciso acompanhar o diretor ao longo de toda a sua trajetória.
Também é importante combinar teoria e prática. “Esses cursos de formação, em geral, ocorrem por meio de aulas expositivas. E as boas experiências ao redor do mundo mostram que é importante ter essa conexão entre a teoria e a prática”, afirma a docente. Em relatório publicado no D³e (Dados para um Debate Democrático na Educação), a especialista avaliou, junto a outros pesquisadores, as experiências da África do Sul e de Ontário (Canadá). Nos dois casos, havia um programa de mentoria para formar gestores. Na África do Sul, com diretores aposentados (feito em projeto-piloto); e, no Canadá, com diretores em serviço.
Segundo Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, além de olhar para a formação em diferentes momentos (começando nas faculdades de pedagogia e nas licenciaturas, estendendo-se à pós-graduação e à formação contínua), também é importante observar o contexto. Cada local pode ter maior necessidade em uma área ou competência diferente — e isso deve ser levado em conta nas formações.
Ele exemplifica: diretores que atuam em áreas de conflito e violência podem precisar de mais formações no campo relacional (pensando nas dimensões do documento de competências do CNE). “A matriz de competências não produz pasteurização. Ao contrário. Produz possibilidade de modulação”, avalia Henriques.
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O Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA) Campo Limpo, em São Paulo, é uma instituição reconhecida nacional e internacionalmente por sua inovação, inclusão e capacidade de transformação. A proposta sempre esteve muito atrelada à gestão de Eda Luiz, que foi coordenadora-geral do centro por 20 anos. Em 2018, ela se aposentou e passou o bastão para Diego Elias. À época, ele era educador comunitário no local. Hoje, tem o desafio de seguir adiante com um projeto que transforma vidas de jovens e adultos.
Elias compara a transição que viveu ao lado de Eda a ‘uma pós-graduação’: foram quase dois anos acompanhando-a pela escola ‘igual carrapato’. “Eu falava para ela: quero os seus óculos”, lembra, sobre ver as situações do dia a dia a partir da perspectiva da mentora.
Foi com a prática que vieram os aprendizados sobre a função. Em sua carreira, conta, teve apenas um curso que abordou gestão. Hoje, com cinco anos no cargo, Elias afirma ter feito uma reflexão. Aprendeu a dividir mais tarefas, de acordo com as necessidades do momento. E, apesar dos muitos desafios — são mais de mil alunos e cerca de 60 funcionários, além da relação com a comunidade — afirma gostar da ‘rotina de altos e baixos’ e ter orgulho de representar o projeto.
Em junho, por exemplo, Elias viajou a Portugal para participar do Fórum Global Escolas 2030 para representar o CIEJA (e o Brasil) numa discussão sobre inclusão, equidade e pluralismo. “Ao mesmo tempo que você tem tensionamentos no cotidiano, tem oportunidades ímpares de falar de um projeto como esse, que transforma vidas.”
Essa função de transformação, aliás, é uma das características que ele enxerga no cargo que ocupa. E que ajudou a convencê-lo a aceitar a empreitada que, a princípio, quis recusar. Mas Eda conseguiu fazê-lo mudar de ideia. “Ela foi me mostrando a função, o comprometimento com os alunos, como um projeto desse pode impactar a comunidade”, detalha. “Você tem um poder de transformação da realidade muito importante.”