NOTÍCIA

Edição 288

Questão do docente, o desafio da educação

Livro do jornalista Antônio Gois analisa 200 anos de educação brasileira, discute as razões do atraso, orçamento, políticas educacionais e principais desafios da área

Publicado em 19/09/2022

por Raul Galhardi

Gois destaque Antônio Gois: há uma falsa ideia de que a educação pública no passado seria melhor Foto: Alice Vergueiro/Jeduca

O cenário atual da educação brasileira é o resultado de um longo processo de descaso e de decisões equivocadas que até hoje geram um alto preço ao país. Essa é a premissa principal do livro recém-lançado O ponto a que chegamos: duzentos anos de atraso educacional e seu impacto nas políticas do presente (FGV ed.), do jornalista Antônio Gois, diretor da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca).

“No livro eu mostro estudos que demonstram que o principal problema do Brasil é que o professor costuma dar aula em duas, três, quatro escolas, acumulando muitas turmas, o que resulta em menos tempo para se aperfeiçoar constantemente. Existem outras questões também, como melhorar a gestão das escolas e do sistema, mas se eu fosse eleger o principal desafio, ele está na questão do docente”, afirma Antônio Gois, que desde 1996 cobre a pauta da educação.

Outro tema abordado pela obra é a falsa ideia de que a educação pública no passado seria melhor. A partir de estudos e da análise das estatísticas históricas, o livro traz farta evidência de que o sistema educacional era, na verdade, uma grande máquina de exclusão em massa que abusava do expediente da repetência sem que isso gerasse melhor qualidade.


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Nesta conversa com a revista Educação, o autor discorre sobre temas como o orçamento do setor, premissas equivocadas do passado e quais são os principais obstáculos da educação brasileira. Confira.

Você afirma que, como sistema, o Brasil nunca teve educação de qualidade. Em algum momento o país teve um projeto de Estado que desse a devida importância para a educação?

Para responder essa pergunta temos que separar o discurso da prática. No discurso, tivemos vários projetos educacionais até bastante ousados. No Estado Novo, por exemplo, apesar das críticas que podem e merecem ser feitas, havia uma concepção, muito desigual, de uma escola para rico e outra para pobre. O Gustavo Capanema pensou um projeto educacional para o país, só que ele não foi bem executado. Nessa época, o gasto por aluno e o crescimento das matrículas foram muito ruins. 

Apesar da narrativa de que está tudo ruim e piorado, o período da redemocratização foi muito bom para a educação em termos de aumento de investimento, matrículas e, parcialmente, de qualidade. As melhorias, entretanto, ainda foram muito insuficientes. 

No livro, você fala que existem algumas ideias do passado na educação brasileira que são equivocadas e que continuam influenciando políticas do presente. Você poderia dar exemplos?

Uma delas é que a aprovação automática seria um dos mais graves problemas da educação pública. A lógica por trás disso afirma que o sistema educacional tinha qualidade antes e com a aprovação automática ela caiu. Portanto, seria melhor ter repetência do que aprovar automaticamente. 

Qual é a premissa equivocada sobre o passado? Que se tinha uma qualidade que se perdeu com a aprovação automática, o que não é verdade. Primeiro porque os indicadores de reprovação sempre foram muito altos e não havia indicadores para mensurar a qualidade com os parâmetros que a gente tem hoje. Não há nenhum estudo comprovando que, por causa da aprovação automática, a qualidade caiu, mas, no entanto, se repete isso. Aliás, se olharmos o percentual de alunos com aprendizagem adequada no 5º do ensino fundamental, entre 1995 e 2019, o que vemos é um aumento de alunos com aprendizagem adequada.

Em relação ao orçamento da educação, discute-se que ele seria adequado, mas que não é utilizado de forma eficiente. Isso é verdade? 

Dependendo de como a conta é feita, o orçamento varia entre 5% e 6% do PIB, então é verdade que o Brasil já gasta em educação valor equivalente ao de países desenvolvidos. Só que o investimento per capita é muito baixo e quando isso é traduzido em gasto por aluno também é verdade que o Brasil fica muito abaixo dos países desenvolvidos nesse quesito, então as duas afirmações são verdadeiras.

O que eu defendo no livro é que se queremos fazer um debate público sério é preciso considerar essas duas informações. Eu argumento que precisamos melhorar a eficiência do gasto público, mas discordo (e apresento no livro evidências) que o investimento público desde a redemocratização tenha sido inútil. 

Aumentou o número de alunos em creches (de 5% para 37% entre 1989 e 2020), a quantidade de alunos no ensino médio (de 14% para 75% entre 1985 e 2020), o percentual de crianças com aprendizagem adequada no 5º ano fundamental. Porém, o peso do atraso no Brasil é muito grande, então todo esse aumento dos investimentos ainda não foi suficiente para diminuir a distância do Brasil para os países ricos. Isso é um fato que não dá para esconder. 

educação brasileira

Obra conta com 208 páginas. A apresentação, sob o título de A falsa prioridade, é de Luís Roberto Barroso, ministro do STF

Quais são os principais gargalos na educação brasileira?

O primeiro desses obstáculos é a questão do professor, olhando apenas para o setor educacional sem levar em conta fatores externos como pobreza e a escolaridade dos pais. É preciso uma política que pague salários atrativos, pelo menos na média do mercado, e que forneça uma formação que prepare esse professor para os desafios que ele enfrentará na prática. É necessário melhorar as condições de trabalho e criar nas escolas um ambiente de constante aperfeiçoamento profissional. 

No livro eu mostro estudos que demonstram que o principal problema do Brasil é que o professor costuma dar aula em duas, três, quatro escolas, acumulando muitas turmas, o que resulta em menos tempo para se aperfeiçoar constantemente. Existem outras questões também, como melhorar a gestão das escolas e do sistema, mas se eu fosse eleger o principal desafio, ele está na questão do docente.

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Autor

Raul Galhardi


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