NOTÍCIA

Edição 288

Inep falha e atrasa educação

Demora na publicação das matrizes de referência que serão a base do novo exame prejudica planejamento das escolas e atrasa implantação da reforma do ensino médio no país

Publicado em 13/09/2022

por Paulo de Camargo

RB - destaque Currículo de transição por conta de incertezas no Enem de 2024 é a saída do Colégio Rio Branco, em SP Foto: divulgação

Em 2017 foi criada por lei a chamada reforma do ensino médio; em 2018, o Conselho Nacional de Educação (CNE) publicou a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) desta etapa, bem como as novas diretrizes curriculares; em 2019, foram editadas as diretrizes do ensino técnico profissional. Veio a pandemia e, depois de um longo período de suspensão de aulas presenciais, foi marcado para 2022 o início obrigatório da implantação do novo ensino médio, cuja característica central é a flexibilidade introduzida pelos chamados itinerários formativos. Tudo parecia caminhar rapidamente, com total adesão dos estados e municípios, mas… onde andará o novo Enem (Exame Nacional do Ensino Médio)?

Sim, a peça final e decisiva para dar liga ao grande conjunto de transformações no ensino médio se tornou um angustiante compasso de espera para escolas de todo o país. Afinal, como virar o currículo de cabeça para baixo, dividindo-o entre a formação geral básica (60% do tempo curricular) e os itinerários formativos (40%), sem saber como os alunos serão avaliados no exame que é a principal bússola para a sociedade brasileira na escolha de escola para os filhos, e ainda um dos principais mecanismos de acesso para universidades federais, estaduais e até particulares?


Leia também

Itinerários formativos e o desafio da lei de chegar para todos

Novo ensino médio: currículo nunca foi tão discutido


 

Faltando quatro meses para o fim de 2022, já se sabe que a edição 2024 do Enem mudará na forma, sendo realizado em duas etapas diferentes – uma justamente para os conteúdos gerais, idênticos para as escolas brasileiras, e outras quatro diferentes provas para avaliar as competências desenvolvidas por meio dos itinerários formativos, conforme as escolhas dos alunos ao longo do ensino médio. Sabe-se, também, que haverá questões de múltipla escolha e abertas, em proporção semelhante. Mas, não há sinal à vista da matriz de referência a partir da qual os itens serão criados – e, conforme os especialistas, o tempo está se esgotando.

É preciso lembrar que a atual matriz de referência do Enem, criado em 1998, foi baseada na prova aplicada na educação de jovens e adultos, denominada Encceja. Posteriormente, houve modificações importantes, introduzidas quando a prova foi adotada como forma de seleção para o ensino superior, inchada com novos conteúdos.

“Por isso, o exame que aí está não tem nada a ver com o novo ensino médio”, diz a presidente do Conselho Nacional de Educação, Maria Helena Guimarães Castro, uma das responsáveis pela política de avaliação de larga escala no país quando presidiu o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) entre 1995 e 2002

Em abril deste ano, foi realizada uma audiência pública no Congresso justamente para cobrar agilidade na divulgação das características do novo Enem. Um relatório externo apresentado pela deputada Tabata Amaral elencou diversos problemas, apontando a falta de velocidade do processo e o esvaziamento do banco de itens existente. Desde então, até que surgissem novidades – a principal delas foi a nomeação de um reconhecido técnico de carreira do Inep, autarquia responsável pela elaboração e aplicação do Enem. A partir de julho, o pesquisador Carlos Moreno é o responsável pela condução dos trabalhos. Mas há grandes desafios.

“Vão pairar dúvidas enquanto o Ministério da Educação não definir as matrizes. Vai ser um problema, especialmente nas privadas, que disputam as melhores notas no Enem. E todos estão tendo de implementar currículos sem essa definição”, alerta o consultor Eduardo Deschamps, ex-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e um dos principais protagonistas da reforma.

Para Maria Helena, o MEC já deveria ter preparado o novo Enem conforme as diretrizes curriculares e a BNCC. “Mas houve, em 2019, uma paralisia na educação básica, e depois veio a pandemia”, diz, apontando como causa as sucessivas trocas de comando no Ministério e nas diferentes áreas que cuidam da avaliação. Mas os estados e municípios fizeram sua parte. Ao final de 2021, todos já tinham homologado seus novos currículos do ensino médio. “Se o Inep tivesse divulgado as matrizes de referência do novo ensino médio até o final de 2020, como estava previsto na lei, todo mundo já estaria tranquilo”, assegura a presidente do CNE.

A previsão é que as matrizes do novo Enem comecem a ser divulgadas até o final de 2022. “Mas, para que dê tempo de haver a prova em 2024, é preciso preparar banco de itens, testar, e isso não é simples. O MEC precisa publicar isso logo para que as escolas tenham um pouco de previsibilidade”, defende Maria Helena.

E, de fato, país afora as escolas começam a viver a ansiedade de mudar o programa de ensino sem saber como os alunos serão depois avaliados. Em Fortaleza, CE, o Colégio Master é conhecido pelas altas taxas de aprovação de seus alunos nas mais disputadas universidades, e recebeu bem a reforma do ensino médio. O colégio investiu em formação e planejamento, preparando-se há alguns anos. Introduziu já em 2020 o tema do projeto de vida (um dos componentes previstos na BNCC) e reestruturou a carga horária da formação básica em 2021.

“Percebemos que, desse modo, as mudanças seriam mais facilmente compreendidas pelos alunos, professores e pela equipe técnica, e não seriam tão bruscas”, conta o diretor Nazareno Oliveira.

Novo Enem

Sem definição de como será o Enem, a saída para os itinerários formativos foi tornar alguns componentes abrangentes, conta o diretor do cearense Colégio Master, Nazareno Oliveira
Foto: divulgação

Em 2022, os alunos passaram a escolher eletivas dentro do seu itinerário, para que entendessem a liberdade e a responsabilidade de realizar essas escolhas. “A introdução dos itinerários traz novidades que buscam aperfeiçoar o ensino médio e torná-lo mais direcionado à formação que o aluno almeja. Porém, existem questões práticas”, analisa. 

“Sem definição clara de como será o Enem, tivemos que adotar uma postura para tornar os itinerários voltados para alguns componentes mais abrangentes, de modo que, depois que essa definição for divulgada, direcionaremos cada um dos itinerários ao objetivo dos alunos, sem que nenhum deles seja prejudicado”, conta Nazareno Oliveira. A estratégia adotada previu esforços iniciais focados nos componentes da formação geral básica, para que seja possível ajustar os itinerários quando a matriz de 2024 for publicada. “Com essa possibilidade, enquanto aguardamos o momento oficial de informação da matriz, nos mantemos mais tranquilos”, avalia o diretor.


Leia também

Educação profissional: a sina do patinho feio


Da mesma maneira, o Colégio Motiva, com unidades em João Pessoa e Campina Grande, iniciou a implantação do novo ensino médio em 2020, e logo deu início aos itinerários formativos. “O modelo possibilita práticas como a investigação científica, mediação e intervenção sociocultural, processos criativos e empreendedorismo. Avaliamos ser de extrema importância para os alunos a sua aplicação na nossa escola”, diz o diretor Carlos Barbosa. 

Novo Enem

Colégio Motiva, unidade João Pessoa. Atividades alinhadas ao novo ensino médio ocorrem desde 2020
Foto: divulgação

Ainda assim, para ele, a falta de uma definição mais clara sobre as matrizes do novo Enem deixa as escolas brasileiras confusas pela ausência de um norte pedagógico para a construção das trilhas de aprendizagem. Ele acredita, no entanto, que não haverá prejuízo para os alunos. “Ao colocar em prática o novo modelo, refletimos de uma forma mais ampla sobre os objetivos educacionais deste novo milênio”, diz.

Em São Paulo, no Colégio Rio Branco, a diretora Esther Carvalho também se preocupa. Sua equipe trabalhou ao longo da pandemia para adequar a proposta pedagógica ao novo ensino médio, mas sabe que ainda não chegou a um desenho definitivo.

“Construímos um currículo diferente e no qual acreditamos, correndo grandes riscos, mas entendendo que é um movimento de transição – pois não temos o cenário completo. O Enem é importante e conversa com esse desenho”, diz. “Nos sentimos fazendo um quebra-cabeça enorme, cheio de céu para colocar pecinhas, e faltando peças que estão no bolso de alguém”, resume.

Por isso, a opção do Rio Branco foi iniciar as mudanças pelo 1º ano do ensino médio, explicando para as famílias passo a passo. “Queremos ter a possibilidade de um futuro ajuste, frente a tantas indefinições. Se o cronograma tivesse sido correto, o cenário seria outro, mas não é”, diz a diretora.

Por todas essas razões, há grande expectativa sobre os próximos movimentos do Inep. Segundo Maria Helena, do CNE, os impactos estão para além da preparação dos alunos – vão mesmo abalar as tradições do ensino superior. Para ela, além de permitir a consolidação do novo modelo do ensino médio, a prova criará pressão para que as universidades atualizem seus sistemas de acesso e também seus cursos de graduação, como vem ocorrendo em todo o mundo. “O novo ensino médio e o novo Enem vão forçar as universidades a reverem seus currículos. Se o ensino superior não mudar, não vai preparar ninguém para o mundo do trabalho”, acredita.

Leia também:

Projeto de vida: atenção para o desenvolvimento humano

Autor

Paulo de Camargo


Leia Edição 288

jose-pacheco-3

Darcy Ribeiro por José Pacheco: se resignar ou se indignar

+ Mais Informações
Darcy 1

100 anos de Darcy Ribeiro, o arquiteto de utopias

+ Mais Informações
Jaqueline 1

Maioria LGBT é negra, com intersecções do racismo e da LGBTfobia

+ Mais Informações
Revista Ensino Superior destaque

Cai ingressantes de até 24 anos

+ Mais Informações

Mapa do Site