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Com a recente onda de eliminação e cortes de verbas da educação, onde vamos chegar? É com esse questionamento que o painel Com queda no investimento, vamos superar o atraso?, se inicia. Fernando José de Almeida, professor de pós-graduação em educação currículo na PUC-SP, convida […]
Com a recente onda de eliminação e cortes de verbas da educação, onde vamos chegar? É com esse questionamento que o painel Com queda no investimento, vamos superar o atraso?, se inicia. Fernando José de Almeida, professor de pós-graduação em educação currículo na PUC-SP, convida à reflexão sobre o status de independência do país. “A independência da educação, metaforicamente, podemos dizer que não aconteceu ainda. Temos uma educação republicana muito recente”, diz. O painel contemplou a programação do Grande Encontro da Educação, que acontece de 16 a 19 de agosto gratuitamente.
De acordo com o professor, a educação republicana – que seria levada à democracia, liberdade e igualdade – não está proclamada no Brasil como um todo. “O que falta de investimento para que se complete um processo de independência e libertação da educação daquilo que não aconteceu durante 500 anos?”, indaga. “O Brasil não foi programado para ter uma educação democrática para todos e de qualidade social. Não se realizou esse sonho. Se realizou agora, no início do século, com uma das características da educação liberta, que é a ideia de todos estarem na escola, que é a inclusão geral”, afirma. No entanto, o educador pontua que há outros pólos de universalização como, por exemplo, a permanência com qualidade.
“Isso não aconteceu. Não demos tempo à educação de, uma vez tendo todas as crianças, jovens e adultos na escola, fazer um processo de sedimentação da qualidade social dessa escola. Esse é o desafio do investimento, de continuar com qualidade. Sem isso não há nem a liberdade da educação”, frisa.
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Com foco nas escolas públicas, Fernando ressalta que as mesmas são vistas em um cenário de crise. “Não é verdade, a educação não está em crise. A sociedade é quem está em crise e essa crise reverbera na estrutura escolar de múltiplas formas”, afirma. Segundo ele, a escola pública também não está atrasada, mas caminha no ritmo em que se é possível cumprir dentro dessa estrutura social.
“Essa constatação leva a gente a entender que o problema do investimento na escola não é exclusivamente dos recursos econômicos. É o conjunto de recursos que a sociedade aporta às crianças e aos jovens para que as condições aconteçam”, salienta.
O professor destaca a necessidade de um currículo que não seja abstrato e se sintonize com o projeto de nação: “temos que dar o passo da consolidação de uma base nacional cada vez mais adequada ao projeto de país, sendo que, neste momento, não há clareza sobre a qualidade desse projeto”.
Fernando ainda traz o papel dos educadores ao debate. “A figura do professor, para mim, é uma das figuras mais provocantes e menos claras na educação brasileira. Qual é a função do professor? Essa nova função usando tecnologia, que não é de excluí-lo e colocá-lo só para dar uma ‘aula bonita’ ou ser facilitador de estudos”, aponta.
“O investimento na educação passará necessariamente pelo investimento na figura do educador, gestor escolar, diretor e também em todos os outros componentes da escola, da merendeira às pessoas que tratam da limpeza ou da segurança. Somos todos educadores”, avalia.
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O superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, também esteve presente no painel e reforçou a indagação de “qual a visão da sociedade brasileira sobre a relevância da educação?”. Em um recorte avaliativo do cenário nas últimas décadas de investimentos, Henriques aponta para a existência de muitos recursos atualmente.
“Há a necessidade de uma estratégia de investimentos que não trabalhe com as médias e sim com a estrutura da distribuição do ponto de vista das vulnerabilidades socioeconômicas e dos desempenhos educacionais. Precisamos de estratégias de investimentos mais direcionadas e que, infelizmente, o governo federal não tem contribuido”, critica.
O superintendente enfatiza que, em um cenário de pós-vacina da covid, é fundamental a existência de estratégias de financiamento “muito sólidas”, para que assim, aconteça uma busca ativa dos estudantes, reduzindo a probabilidade de que a evasão escolar se torne um abandono. “Sem estratégias adequadas não estamos enfrentando essa primeira camada da exclusão”, ressalta. Ricardo retoma a questão da permanência que, em suas palavras, para além da política pedagógica precisa de estratégias financiadas com ações afirmativas ao longo de todo o ciclo educacional.
Complementando a fala de Ricardo, o professor Fernando evidencia a função do Estado nesses compromissos com saúde, cultura e educação. “A sociedade não se organiza sozinha para isso e espontaneamente, ainda mais uma sociedade complexa e desigual como a do Brasil. O Estado precisa ter uma função não só reguladora, mas uma função incrementadora de políticas que leve à coesão social com projetos que nasçam da sociedade também e não só do mundo financeiro e das relações de equilíbrio de balança.”
Para Fernando, o Estado deve analisar mais cuidadosamente as relações intersetoriais, como as pautas da alimentação e do meio ambiente, enquanto o educador deve estar munido de um profundo olhar sobre as desigualdades que permeiam a sociedade.
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No contexto da pandemia, é preciso analisar o grau de violência com que esse cenário entrou na história de aprendizagem das crianças. Como apontado pelo professor, apesar de perdas – como as complicações para o progresso da alfabetização infantil, os pequenos aprenderam muito, para além do que é regulamentado no plano escolar.
“O projeto político deveria retomar aquilo que a garotada aprendeu com as suas famílias e, também, o que os professores aprenderam durante a pandemia. [Algo que] não está no currículo escolar mas que pode entrar, o currículo é o lugar de abrigo das demandas sociais.”
Fernando acrescenta que a inclusão desses aprendizados no currículo possibilita uma reflexão sobre ele à luz de disciplinas como ciências, artes, educação física, entre outras. Com investimento, deveríamos unir todas as universidades e institutos de pesquisa para um levantamento a respeito. Não porque isso é beleza ou porque ficaremos nisso, mas porque é a base da reconstrução de um currículo nacional que merece investimentos que não são os usuais.